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Botânica

Orquídeas surgiram no hemisfério Norte há 83 milhões de anos

Espécies modernas se diversificaram nos trópicos, especialmente na América Central, nos últimos 5 milhões de anos, indica estudo com DNA das plantas

Um festival de cores e formas na América Central: Domingoa nodosa

Oscar Pérez-Escobar/KEW

As orquídeas são conhecidas pelas variedades grandes e vistosas que ocupam postos de destaque nas floriculturas. Mas as primeiras espécies tinham flores pequenas e discretas, mais parecidas com as do tomate, e cresciam no chão, à sombra das florestas de pinheiros no hemisfério Norte. Adaptaram-se a praticamente todos os ambientes, com exceção dos desertos e polos gelados, e, nos últimos 5 milhões de anos, se diversificaram nas formas mais variadas, especialmente nos trópicos, segundo estudo publicado em abril na revista científica New Phytologist.

Liderada por pesquisadores do Jardim Botânico Real de Kew, em Londres, uma equipe internacional com 46 pesquisadores de 33 instituições em 16 países, entre elas as universidades Estadual de Feira de Santana (Uefs) e Federal do Paraná (UFPR), no Brasil, elaborou uma nova árvore genealógica do grupo a partir de análises de 353 trechos de DNA. O material foi retirado de 1.921 espécies, representando 38% dos gêneros da família – uma amostra 12 vezes maior do que a de estudos anteriores.

“As orquídeas devem ter surgido no antigo continente da Laurásia, e não na Austrália, como se pensava”, afirma o botânico colombiano Oscar Pérez-Escobar, do Kew, um dos coordenadores do trabalho. O continente do Norte surgiu há cerca de 130 milhões de anos, quando o supercontinente de Pangeia se fragmentou, dando origem também a Gondwana, no sul. Há 46 milhões de anos, a Laurásia se partiu em América do Norte, Europa e Ásia, gerando linhagens separadas de seres vivos – de orquídeas, por exemplo.

Nos últimos 3 milhões de anos, o efeito do choque entre placas tectônicas elevou a cordilheira de Talamanca, na América Central, em cerca de 1 quilômetro a cada milhão de anos, até chegar à altitude de cerca de 3.800 metros. As novas cadeias de montanhas isolaram populações que, ao se adaptar aos novos ambientes, se diferenciavam rapidamente em novas espécies.

Com cheiros variados de fruta, jasmim e chocolate, ou mesmo fétidos, nas espécies que atraem moscas polinizadoras, as orquídeas se tornaram a segunda maior família de plantas, com quase 30 mil espécies, ou 9% de todas as plantas com flor. Assumem formas variadas, desde a orquídea-gigante (Grammatophyllum speciosum), cujos ramos de flores chegam a 2 metros (m) de altura, à pequena e rara Pogoniopsis schenckii, da Mata Atlântica, de folhas brancas – por não ter clorofila, a planta não faz fotossíntese e depende de fungos para sobreviver.

Oscar Pérez-Escobar/KEW Epidendrum wrightii (à esq., no alto), Lepanthes cassicula, Dichaea trichocarpa e Dichaea graminoides, que também ocorre na América do SulOscar Pérez-Escobar/KEW

Cerca de 90% delas vivem em galhos ou troncos de árvores de florestas tropicais. Como as bromélias e as samambaias, elas são chamadas de epífitas: vivem sobre outras plantas, mas não sugam a seiva das anfitriãs. São mais abundantes nas regiões montanhosas, onde chove mais. Segundo Pérez-Escobar, é possível encontrar 10 tipos de orquídeas em uma mesma árvore, cada uma adaptada a determinado ambiente ou parte da hospedeira, como tronco ou copa.

Proporcionalmente ao tamanho, a América Central é a região com a maior diversidade de orquídeas: com 0,5% do território mundial, concentra 4,5% das espécies do grupo, especialmente na Costa Rica e no Panamá, que juntos somam ao menos 2.900 espécies conhecidas. Outros países, como Colômbia e Equador (com cerca de 4.200 espécies cada um), ganham em número, mas têm território maior e a diversificação foi mais lenta – a cordilheira dos Andes se formou nos últimos 15 milhões de anos.

No Brasil, cerca de 60% das 2.300 espécies de orquídeas ocorrem na Mata Atlântica da serra do Mar, do Rio Grande do Sul ao sul da Bahia. No entanto, estudos indicam que a diversificação mais rápida se deu no Cerrado. “É um ambiente mais recente, no qual a maioria das linhagens de plantas se diversificou há menos de 4 milhões de anos”, ressalta o engenheiro-agrônomo Cássio van den Berg, da Uefs, um dos autores do artigo. Enfrentando secas prolongadas, orquídeas como Cyrtopodium cardiochilum florescem logo depois dos incêndios periódicos naturais daquele ambiente, salpicando as cinzas com pequenas flores amarelas.

“A equipe fez uma análise sofisticada da evolução das orquídeas, com base em uma amostra maior do que outros trabalhos”, avalia o biólogo Edlley Pessoa, da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), que não participou do estudo. Segundo ele, no entanto, a amostra examinada tem mais plantas da América Central e poucas de áreas não florestais, como as do Cerrado e da savana africana, o que criaria um viés na análise. “Com amostras ainda maiores, as conclusões podem mudar,” sugere.

Anonimous Pug / Inaturalist | Jean-Paul BoerekampsLinhagens antigas de plantas com flores: a aquática Nymphaea nouchali (à esq.) e a orquídea Apostasia wallichiiAnonimous Pug / Inaturalist | Jean-Paul Boerekamps

Outro desafio para entender a história evolutiva das orquídeas, segundo Pessoa, é que, por terem estruturas delicadas, essas plantas deixaram poucos fósseis que forneçam pistas sobre a época e o local em que viveram, o que indicaria a trajetória que diferentes linhagens atuais fizeram para chegar até a região onde vivem hoje.

Até aqui, a maioria dos estudos genéticos de plantas usava o DNA de estruturas celulares chamadas cloroplastos, onde é feita a fotossíntese. Como ele carrega material genético apenas da planta-mãe, os pesquisadores não tinham certeza se as filogenias estavam corretas, mas o estudo confirmou as relações evolutivas principais e refinou as dos grupos menores. Os pesquisadores usaram nanopartículas magnéticas para capturar o DNA do núcleo das células vegetais e desenvolveu um protocolo para pescar e sequenciar centenas de fragmentos específicos.

Os pesquisadores afirmam que quanto maior o número de genes analisados, mais detalhada é a árvore genealógica das espécies, o que permite ampliar o conhecimento sobre a ecologia, a distribuição geográfica das plantas e sua resposta às mudanças climáticas ao longo de sua história evolutiva.

“Em seis anos seremos capazes de sequenciar o genoma completo de um grande número de espécies”, assinala Berg. No entanto, para o pesquisador, o maior desafio vai ser obter amostras de indivíduos vivos que forneçam o DNA completo. Em 2004, ele identificou Adamantinia miltonioides, espécie de cume de montanhas que representa um ramo isolado entre as orquídeas. “Com o aquecimento global, espécies como essas podem desaparecer, eliminando informações importantes sobre a evolução da flora”, alerta.

Christian Fischer | Mike Prince A maior angiosperma, a malcheirosa Rafflesia keithii (à dir.), e a menor, Wolffia arrhizaChristian Fischer | Mike Prince

A revolução das flores
O estudo das orquídeas faz parte de um esforço mundial liderado por pesquisadores do Jardim Botânico Real de Kew para refinar a árvore genealógica das 416 famílias de plantas com flor, ou angiospermas. Os pesquisadores verificaram que 80% das linhagens modernas, inclusive a das orquídeas, eclodiu de forma repentina há cerca de 150 milhões de anos, entre os períodos Jurássico e Cretáceo, segundo artigo publicado em abril na revista científica Nature.

“O evento não tem paralelo na evolução das plantas e deu origem à imensa variedade das angiospermas atuais”, ressalta o biólogo brasileiro Alexandre Zuntini, do Kew, primeiro autor do artigo, que ajudou a coordenar 279 botânicos de 27 países, entre eles 16 brasileiros. O estudo analisou 9.500 espécies de 8 mil gêneros, representando 60% dos gêneros das angiospermas, uma amostra 15 vezes maior do que de trabalhos anteriores.

A rápida diversificação e o domínio mundial das angiospermas, que hoje representam 90% das plantas, já haviam chamado a atenção do naturalista britânico Charles Darwin (1809-1882), que, em uma carta ao colega e conterrâneo Joseph Hooker (1817-1911), então diretor do Kew, referiu-se ao evento como um “mistério abominável da evolução”. Até hoje o assunto segue controverso. Como estruturas delicadas como flores e frutos das primeiras angiospermas dificilmente são preservadas no registro fóssil, é um desafio saber como foram acontecendo as mudanças que levaram as plantinhas ancestrais, discretas e com flores pequenas, à variedade atual.

Ao surgirem, as flores e frutos podem ter iniciado uma revolução na ecologia de ambientes terrestres. No entendimento dessa hipótese, as novas relações ecológicas de polinização e dispersão de sementes por animais teriam acelerado a evolução, aumentando a produtividade dos ecossistemas e fazendo com que as florestas tropicais expandissem o seu domínio.

“Só é possível estudar essa diversidade em projetos colaborativos que reúnem pesquisadores de todo o mundo”, observa Antonelli. Em parte, isso deu certo porque a técnica desenvolvida pelo Kew para sequenciar uma grande porção do DNA de plantas é aberta, o que permite padronizar análises antes difíceis de serem comparadas. Além disso, a ferramenta permitiu extrair o DNA de 7 mil espécimes secas preservadas em herbários, ainda que degradadas pelo tempo.

Uma delas foi a oliveira Hesperelaea palmeri, que não é vista viva desde 1875, quando foi coletada na Ilha de Guadalupe, no México, provavelmente extinta por caprinos domésticos fugidos de criações. Segundo Antonelli, o conhecimento sobre a diversificação das plantas pode ajudar a identificar plantas úteis para uso humano e priorizar espécies que devem ser conservadas.

Uma versão deste texto foi publicada com o título “Uma nova história das orquídeas” na edição impressa nº 341, de julho de 2024, representada no pdf.

Artigos científicos
PÉREZ-ESCOBAR, O. A. et al. The origin and speciation of orchids. New Phytologist. v. 242, n. 2. p.700-16. abr. 2024.
ZUNTINI, A. R. et al. Phylogenomics and the rise of the angiosperms. Nature. On-line. 24 abr. 2024.
BENTON, M. J. et al The angiosperm terrestrial revolution and the origins of modern biodiversity. New Phytologist. v. 233 n. 5. p. 2017-35. mar. 2022.

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