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Política Industrial

Os caminhos do sangue

Governos federal e paulista planejam a instalação de fábrica de hemoderivados

EDUARDO CESARO custo de produção de hemoderivados é semelhante, independentemente da tecnologia utilizadaEDUARDO CESAR

O Brasil gasta, anualmente, US$ 150 milhões com a importação de hemoderivados – proteínas obtidas a partir do plasma, utilizadas no tratamento de doenças como a hemofilia A e B e como matéria-prima na produção de vacinas. A única fábrica brasileira, instalada em Pernambuco, produz apenas a albumina humana e atende só 7% do mercado.Desde 2000, o país faz planos de construir uma fábrica para substituir importações e atender a demanda do mercado. Dois projetos concorrentes – um da União e o outro de São Paulo – estão sendo arquitetados.

O primeiro deles – previsto na política industrial, tecnológica e de comércio exterior – é da Empresa Brasileira para o Fracionamento do Plasma, já batizada de Hemobrás, orçada em US$ 60 milhões. A futura empresa vai produzir albumina humana, imunoglobulina, complexo protombínico, fator VIII e fator IX – utilizando tecnologia de fracionamento do plasma sanguíneo – para atender parte da demanda do Sistema Único de Saúde (SUS), de acordo com Beatriz Macdowell, gerente-geral da área de sangue, outros tecidos, células e órgãos da Agência Nacional de Vigilância Sanitária. “Estamos preparando edital para a transferência de tecnologia de fracionamento de plasma no país. A fábrica de hemoderivados deve estar em operação em três ou quatro anos”, prevê.

O segundo projeto é do Instituto Butantan, em São Paulo. A fábrica paulista utilizará a cromatografia para obter hemoderivados, uma tecnologia distinta da do fracionamento de plasma adotada pela Hemobrás. “Será a primeira fábrica a utilizar esse modelo em todo o mundo”, garante Otávio Mercadante, diretor do Butantan. A produção por cromatografia foi “adaptada do exterior”, como diz Mercadante, e “possibilita maior rendimento e competência tecnológica”. O projeto, no valor de R$ 100 milhões, está previsto no Plano Plurianual do governo estadual e poderá estar pronto em dois anos. De acordo com o diretor do Butantan, este projeto terá escala para suprir toda a demanda nacional e deverá ser submetido ao Ministério da Saúde

Plasma descartado
O projeto da Hemobrás começou a ser arquitetado em 2000, quando o Ministério da Saúde realizou um levantamento e constatou que, no Brasil, se descartavam 160 mil litros de plasma por ano, um volume suficiente para justificar a produção local. Em 2002, foram contratadas duas empresas, selecionadas por concorrência internacional – uma francesa e outra austríaca -, para fracionar o plasma recolhido em centros nacionais devidamente selecionados e transformá-lo em hemoderivados. “Trata-se de uma exportação passiva para beneficiamento de matéria-prima com retorno do produto final, que fica mais barato”, diz Beatriz.

Este intercâmbio atende toda a demanda por imunoglobulina e fator IX – utilizado em portadores da hemofilia tipo B – do SUS. “Mas só responde por 10% do fator VIII, destinado aos casos de hemofilia do tipo A”, diz Beatriz. O que falta é importado. A Hemobrás começou a ganhar forma em 2003, quando foi criado um grupo de trabalho para analisar aspectos legais, para compatibilizar a produção de hemoderivados com a Constituição Federal, que impede a comercialização do sangue no país. O projeto de lei que cria a nova fábrica já está no Congresso e, segundo Beatriz, deve ser aprovado até novembro. A fábrica não cobrará do SUS pelo produto, mas pelo serviço de fracionamento do sangue.

Uma parte dos recursos para o empreendimento – R$ 120 milhões ou US$ 40 milhões, em quatro anos – está garantida no Plano Plurianual do Sangue, elaborado pelo governo federal. “Isso garante dois terços da Hemobrás”, calcula. “Mas o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) poderá entrar como sócio e completar o valor do negócio”, diz Beatriz. Há ainda uma terceira alternativa tecnológica – a biotecnologia – adotada pela maioria dos países desenvolvidos para produção de hemoderivados. Por esse processo, a albumina, complexo protombínico, imunoglobulina e os fatores VIII e IX podem ser sintetizados a partir de fatores recombinantes, sem os riscos dos processos de contaminação que podem ocorrer no fracionamento do plasma. A nova tecnologia está sendo desenvolvida pela Rede Brasileira para Clonagem e Expressão de Fatores de Coagulação formada por quatro laboratórios públicos nacionais.

As pesquisas, iniciadas em 2001, contaram com US$ 900 mil da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep). “Já atingimos os objetivos básicos de clonagem e expressão dos genes dos fatores de coagulação VIII e IX e clones celulares que expressam quantidades razoáveis desses fatores”, conta Dimas Covas, pesquisador do Laboratório de Clonagem e Expressão do Centro de Terapia Celular, diretor do Hemocentro de Ribeirão Preto, vinculado à Universidade de São Paulo (USP), e coordenador da rede. Os pesquisadores precisam de mais US$ 5 mil para realizar testes em outras linhagens celulares e em células modificadas em biorreatores e para desenvolver novos vetores. A construção da unidade de produção está orçada em US$ 20 milhões e sua operação atenderia toda a demanda de hemoderivados no país, de acordo com Covas.

A produção do fator VIII por tecnologia do DNA recombinante, por exemplo, representa, atualmente, 10% da demanda total mundial de 2 bilhões de unidades/ano. Mas a participação do produto obtido por biotecnologia é crescente. “A Baxter, da Suíça, está finalizando a construção de uma fábrica que vai atender toda a demanda”, diz ele. “O custo de produção da unidade obtida por fracionamento do plasma ou por fator recombinante é praticamente o mesmo, de US$ 0,5 por unidade”, calcula Covas. Ele teme que o país esteja investindo US$ 60 milhões numa tecnologia – a do plasma – que corre o risco de ficar obsoleta em quatro ou cinco anos.

Integram a rede coordenada por Covas, além do Hemocentro de Ribeirão Preto, os laboratórios de Biologia Celular e Molecular do Instituto de Química da USP; de Biologia Molecular da Universidade de Brasília (UnB); e de Bioquímica e Biologia Molecular da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).

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