Uma pequena bruxaria de outro mundo, concebida e executada por físicos nacionais, apoderou-se de três páginas da revista britânica Nature de 20 abril passado. Chefiada por Luiz Davidovich e Paulo Henrique Souto Ribeiro, uma equipe de pesquisadores da Universidade Federal do Rio Janeiro (UFRJ), com o auxílio teórico de colegas do Instituto Max-Planck de Dresden, publicou um artigo no renomado periódico científico dando conta do que dizem ser a primeira medição direta de uma estranha propriedade do universo quântico: o emaranhamento ou entrelaçamento de átomos ou partículas. Essa propriedade, que Albert Einstein descrevia como tendo uma “fantasmagórica ação a distância”, talvez seja a assinatura mais característica da mecânica quântica quando confrontada com a física clássica — compreendê-la e, se possível, dominá-la é uma etapa imprescindível para o estabelecimento da criptografia e do computador quânticos, uma idéia que ganhou força a partir dos anos 1990. Isso porque partículas entrelaçadas parecem ser capazes de processar e transmitir informações com muito mais eficiência que um chip convencional.
No caso do experimento feito no Laboratório de Ótica Quântica do Instituto de Física da UFRJ, os cientistas criaram um sistema no qual geraram dois pares de fótons, partículas de luz, a partir da emissão de um feixe de laser sobre um cristal. Em seguida, determinaram a quantidade de entrelaçamento no sistema por meio de uma única medição das propriedades físicas de duas partículas, realizada sobre um dos fótons de cada par. Normalmente, os físicos quânticos realizam várias medidas e, em seguida, fazem cálculos para determinar a quantidade de emaranhamento de um conjunto de partículas. Mas os pesquisadores brasileiros acreditam ter desenvolvido uma forma mais simples e eficaz de atingir esse objetivo: mediram a polarização (direção das vibrações do campo elétrico da luz, por exemplo, vertical ou horizontal) e o momento (relacionado com a direção de propagação, se à direita ou à esquerda) dos corpúsculos de luz e estabeleceram uma associação entre esses parâmetros e a quantidade de emaranhamento presente nas duplas de fótons. “Determinar a quantidade de emaranhamento e entender as implicações físicas desse fenômeno é um dos maiores desafios da física quântica”, afirma Davidovich. Do ponto de vista prático, níveis elevados de entrelaçamento seriam necessários para botar em funcionamento os futurísticos PCs quânticos.
Mas o que é exatamente esse tal de emaranhamento? Formulado teoricamente na década de 1930 e comprovado experimentalmente nos anos 1960, é um fenômeno com um quê de mistério para as pessoas acostumadas com as leis da física newtoniana, ou seja, a maioria dos mortais. De acordo com o conceito de entrelaçamento, as propriedades de duas ou mais partículas emaranhadas (átomos, elétrons, fótons etc.) só podem ser conhecidas na medida em que elas, as partículas, formam um conjunto, no qual medidas realizadas sobre uma das componentes do sistema altera o estado da outra independentemente de sua localização no espaço. Independentemente de as partículas estarem praticamente coladas ou separadas por milhares de quilômetros. Daí o tal de efeito quase sobrenatural ao qual Einstein alude ao descrever o entrelaçamento quântico.
Posto dessa forma, o complicado conceito de emaranhamento quântico dá um nó na cabeça das pessoas. Para entendê-lo, em vez de pensar em fótons e partículas, é mais didático imaginar um sistema composto de dois dados. Por estarem entrelaçados, quando jogados, ainda que um esteja no Brasil e o outro no Japão, os dados dão sempre o mesmo resultado: a soma de seus valores é, por exemplo, oito. Esse parâmetro final do exótico sistema é conhecido, facilmente mensurável, mas não se sabe qual combinação numérica (quatro e quatro, cinco e três, seis e dois) levou a esse resultado. Nesse caso, quando se descobre finalmente o valor de um dos dados, o enigma em relação ao outro também desaparece.
Polarização perpendicular
Com os pares de fótons da experiência realizada na UFRJ, que estão emaranhados em relação a dois parâmetros físicos (a polarização e a direção de propagação), acontece mais ou menos a mesma coisa. Se os físicos determinam que uma dessas partículas de luz vibra na posição vertical, a outra, sua parceira no conjunto quântico, só pode oscilar na horizontal. Mas, no mundo estranho da física quântica, a polarização do segundo fóton só pode ser bem determinada após a medição desse parâmetro físico na primeira partícula de luz. “Nesse sistema, sabemos de antemão que a polarização de um fóton é perpendicular à do outro, mas a de cada fóton individualmente é completamente indeterminada”, diz o físico Stephen Patrick Walborn, estagiário de pós-doutorado na universidade carioca e principal condutor do experimento realizado no Laboratório de Ótica Quântica da UFRJ, uma das treze instituições nacionais de pesquisa que fazem parte do Instituto do Milênio de Informação Quântica, iniciativa patrocinada pelo Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT).