O vaivém de determinadas ideias na cena da produção do conhecimento leva por vezes a revivals francamente desconfortáveis. É este o caso de alguns estudos que nos últimos cinco anos procuraram restabelecer vínculos entre traços fisionômicos e inclinações de caráter, numa anacrônica tentativa de exumação das proposições lombrosianas. Mas, como o método científico sabiamente carrega antídotos contra seus próprios equívocos, estudos mais recentes elaborados por um grupo de geneticistas e antropólogos físicos do Brasil, Argentina, México e Espanha, trabalhando sobre uma larga base de dados de cerca de 5 mil indivíduos pertencentes a 94 diferentes grupos populacionais modernos, reuniram evidências suficientes para afirmar que, diferentemente do que pretendiam seus colegas, más disposições de caráter não estão impressas nos ossos da face dos homens.
O artigo resultante dessa pesquisa, com publicação acertada para a primeira quinzena de janeiro na PLoS One, é o objeto da capa da primeira edição de 2013 de Pesquisa FAPESP. Elaborada por nosso editor especial Marcos Pivetta, a reportagem apresenta os caminhos que permitiram ao grupo refutar com vigor a ideia canhestra de que indivíduos de sexo masculino com rostos mais largos teriam comportamento mais agressivo. Ou, ainda, que eles teriam experimentado uma suposta vantagem reprodutiva no processo evolutivo. Vale a pena conferir e refletir neste começo de um novo ano sobre a permanente sinuosidade do processo de construção do conhecimento.
Na seção de política científica e tecnológica, gostaria de chamar a atenção para um texto que mostra como está se tornando realidade em São Paulo algo que tem sabor de sonho para – eu ousaria dizer – 10 entre 10 pesquisadores brasileiros. Refiro-me aos escritórios de apoio em fase de multiplicação nas universidades paulistas (a partir de uma iniciativa da FAPESP) que simplesmente livram os pesquisadores da administração burocrática de projetos e os liberam para seu trabalho primordial: produzir conhecimento. A reportagem de nosso editor de política, Fabrício Marques, explica como isso se dá.
Em tecnologia, destaco duas reportagens: primeiro, a partir da página 72, elaborada pelo jornalista Yuri Vasconcelos, aquela que trata de um medicamento pioneiro que está sendo desenvolvido por pesquisadores da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e da empresa União Química para tratar a hipertensão em grávidas, condição que atinge entre 5% e 7% das gestantes no Brasil. Como se sabe, elas não podem nem devem tomar medicamentos que ponham em risco o desenvolvimento do feto, caso dos anti-hipertensivos hoje existentes. E a hipertensão assusta porque está associada à pré-eclampsia, que pode evoluir para a eclampsia, doença responsável por estimados 40% dos 1.719 casos anuais de morte (2010) associados à gravidez e ao parto no país. Se esse medicamento, que já passou da primeira fase dos testes clínicos, comprovar sua eficácia e atoxicidade nas demais fases, estaremos diante de uma bela notícia. Em segundo lugar, chamo a atenção para a reportagem de nosso editor especial Carlos Fioravanti, sobre os esforços e as dores da transição de uma economia extrativista para a agroindústria que hoje envolve o açaí na região Norte do país. Fioravanti e nosso fotógrafo Eduardo Cesar viajaram a Belém, Manaus e Maués para ver de perto esse processo e, além do foco no açaí, terminaram por tratar também do guaraná, cuja produtividade pode aumentar em breve naquela região, graças ao desenvolvimento de novas variedades da planta e ajustes nas técnicas de plantio.
Concluo recomendando a leitura da bela entrevista do astrofísico João Steiner, feita por Pivetta e por nosso editor-chefe, Neldson Marcolin, antes de desejar a todos um 2013 de prazerosas realizações.
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