A produção de energia elétrica por meio de tecnologia solar fotovoltaica no Brasil está crescendo em ritmo acelerado, embora ainda represente menos de 0,02% da matriz de energia elétrica do país. Segundo dados da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), a potência instalada no território nacional no primeiro trimestre deste ano atingiu 107,6 megawatts (MW), 15 vezes mais do que a registrada no mesmo período em 2015. Para orientar a expansão da exploração desse tipo de energia no país, o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) lançou a segunda edição do Atlas brasileiro de energia solar, que reúne um conjunto de informações acumuladas nos últimos 17 anos sobre a incidência de radiação e os locais mais propícios para a instalação de módulos fotovoltaicos. O documento substitui a primeira versão do Atlas, lançada em 2006, que reunia um espectro de informações menor, referentes à década anterior.
Produzido em colaboração com instituições como as universidades federais de São Paulo e de Santa Catarina, a Tecnológica Federal do Paraná e o Instituto Federal de Santa Catarina, o Atlas identificou um potencial de geração de energia solar no Brasil que chega a 2.281 quilowatts-hora por metro quadrado por ano (kWh/m²/ano), o suficiente para produzir o equivalente a três vezes o consumo residencial anual nos estados da Bahia e de Pernambuco. O estudo reafirma que os maiores valores de irradiação solar ocorrem no chamado Cinturão Solar, faixa que vai do Nordeste ao Pantanal (ver mapa), em especial no sertão da Bahia e em boa parte de Minas Gerais. Uma novidade é a recomendação de que os investimentos em novas plantas de geração de energia fotovoltaica busquem também áreas mais ao sul, que abranjam o sudoeste de Minas Gerais, passando pelo noroeste de São Paulo e o norte do Paraná. Embora apresentem níveis de irradiação solar um pouco mais baixos que os do Nordeste, essas áreas têm acesso a mais pontos de conexão com o sistema interligado de transmissão de energia elétrica do país.
“Os estados do Nordeste têm alta incidência solar, mas estão em uma região com menos opções de conexão com a rede nacional de distribuição de energia elétrica . Isso pode inviabilizar projetos na região, porque torna mais cara a interligação dos sistemas fotovoltaicos às redes de distribuição”, explica o físico Enio Pereira, pesquisador do Laboratório de Modelagem e Estudos de Recursos Renováveis de Energia do Inpe e coordenador do estudo. Procura-se com isso evitar problemas como os enfrentados na produção de energia eólica no país. “Alguns parques eólicos foram instalados no Nordeste sem linhas de transmissão suficientes. Essa situação acabou impondo a necessidade de novos investimentos no transporte de energia.” O custo de implantação da energia solar ainda é alto. Atualmente, são necessários aproximadamente R$ 8 milhões para erguer uma central solar com potência instalada de 1 megawatt (MW). Esse investimento representa em média três vezes mais do que o necessário para construir uma central eólica com a mesma capacidade. O Brasil conta com algumas centrais solares, como a Usina Solar de Tauá, no sertão cearense, e a Usina Solar Cidade Azul, no município de Tubarão, em Santa Catarina.
Monitoramento atualizado
Assim como aconteceu com o Atlas de 2006, a nova edição se propõe a orientar a elaboração de políticas para o setor de energia solar. “O primeiro Atlas foi lançado em uma época em que a energia solar fotovoltaica dava seus primeiros passos e ajudou a Empresa de Pesquisa Energética [EPE, empresa pública vinculada ao Ministério de Minas e Energia] a implementar os primeiros projetos”, afirma Pereira. O novo estudo traz um conjunto maior de dados e análises. “Refinamos os dados e aperfeiçoamos as metodologias. O Atlas funciona como uma ferramenta para incentivar os investidores a implementar mais projetos de energia solar, agora com uma base mais confiável de evidências”, ressalta. As informações foram coletadas em mais de 500 estações solarimétricas espalhadas pelo território nacional e no monitoramento por satélite dos índices de irradiação solar dos últimos 17 anos.
O Brasil, mostra o estudo, tem uma distribuição bastante uniforme de irradiação solar, que varia pouco na geografia do país. Uma exceção é a região amazônica, que tem muitas chuvas durante o ano e, por isso, não desperta interesse para grandes empreendimentos em energia solar. “A nebulosidade na Amazônia tem impacto negativo sobre a geração de energia em centrais solares”, afirma Pereira.
Isso não impede que projetos de microgeração fotovoltaica, modelo baseado em painéis instalados nos telhados das casas, sejam implementados na região, alerta. A física Izete Zanesco, pesquisadora do Núcleo de Tecnologia em Energia Solar da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS), salienta que o planejamento do setor deve levar em consideração as áreas que ficaram de fora do Cinturão Solar. “Como o Brasil tem níveis favoráveis de irradiação solar em todo o território, módulos fotovoltaicos podem ser instalados em residências ou empresas em qualquer lugar do país”, afirma. Já no caso de grandes centrais fotovoltaicas, ela reconhece que é mais produtivo seguir as informações do Atlas e instalá-las nas regiões com maior incidência solar.
A Aneel projeta para 2024 mais de 800 mil residências no Brasil produzindo a própria energia elétrica por meio de fonte solar. No caso da microgeração, com potência instalada menor ou igual a 75 kW, havia, no primeiro trimestre de 2015, 556 sistemas de microgeração de energia solar instalados no país. Em agosto de 2017, esse número havia saltado para 12.977. A maioria desses sistemas concentra-se nos estados de Minas Gerais, São Paulo, Rio Grande do Sul e Paraná. Um dos motivos do crescimento são as recentes mudanças na legislação e a regulamentação do setor, que permitiram que o excedente de captação de energia solar gerado, por exemplo, em residências, possa ser distribuído para a rede de eletricidade, gerando um desconto na fatura de energia dos produtores domésticos. Algumas empresas já transformam esse excedente em um crédito a favor do consumidor, como é o caso da CPFL Energia na região de Campinas.
Outro fator é que o preço dos sistemas fotovoltaicos caiu significativamente na última década, em parte devido à entrada da China no mercado fornecedor. “Hoje, mais de 80% dos módulos fotovoltaicos são produzidos na Ásia, especialmente na China, que também é o país que mais instala esses equipamentos”, explica o físico Arno Krenzinger, pesquisador da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). De acordo com ele, o barateamento das placas pode favorecer a consolidação de mais empreendimentos no país, caso haja também políticas de incentivos mais fortes. “O Brasil depende da importação de células solares, um componente tecnológico dos módulos. Há grupos de pesquisa desenvolvendo esse material no país, mas não em escala industrial.” Mesmo mais acessível, trata-se de uma tecnologia cara para o consumidor comum. “O investimento para quem quer instalar um sistema fotovoltaico de 2 kilowatts na residência é de aproximadamente R$ 15 mil”, estima Izete Zanesco. Isso representaria, em média, uma economia de aproximadamente R$ 200 reais por mês na conta de luz, variando de acordo com o estado.
O Atlas identificou uma tendência de aumento da irradiação solar em quase todas as regiões do país. No Sudeste, por exemplo, a média diária de irradiação solar em 2006 foi de 5 kWh/m²/ano; em 2014 houve um leve aumento, para 5,2 kWh/m²/ano. A exceção é a região Sul, que apresentou uma redução da incidência de radiação solar. Em 2006, a média era de 4,7 kWh/m²/ano e, em 2014, havia caído para aproximadamente 4,5 kWh/m²/ano. “Ainda assim, mesmo no local menos ensolarado do Brasil é possível gerar mais eletricidade solar do que no local mais ensolarado da Alemanha, um dos países mais avançados no uso dessa energia”, afirma Enio Pereira. De acordo com o pesquisador, os mecanismos físicos associados ao fenômeno ainda são pouco compreendidos.
O estudo do Inpe também aponta tendências tecnológicas ligadas à energia solar que poderiam ser mais exploradas no país. Uma delas é a energia heliotérmica, em que a radiação solar é captada e armazenada em forma de calor – Espanha e Estados Unidos são alguns dos países que usam essa tecnologia. “Trata-se de um processo em que se utiliza a energia solar para aquecer um fluido, que passa por uma caldeira e gera vapor na usina termelétrica”, explica Enio Pereira, do Inpe. O Atlas também recomenda a expansão do uso da energia solar para aquecimento de água a temperaturas abaixo de 100 °C, em substituição a sistemas de aquecimento elétrico ou a gás, como chuveiros.
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