Um drone de cerca de 1 metro (m) de diâmetro sobrevoa o dossel de uma floresta tropical. Em seguida, deposita sobre uma das copas uma redoma transparente de acrílico com pernas feitas de fibra de carbono, como se fossem aranhas de cerca de 2 m de diâmetro. Ali dentro há câmeras fotográficas, gravadores de som, sensores de umidade, de dióxido de carbono (CO₂) e de temperatura. Depois, o mesmo aparelho voador, munido de duas garras e de uma pequena serra redonda, corta um pedaço de galho do topo da árvore e o leva para a equipe de pesquisadores que o controla nas proximidades da mata. Eles também recebem em seus computadores as imagens, sons e demais dados coletados.
Ao mesmo tempo, outros drones usam radares para mapear a área por meio de sensoriamento remoto e um carrinho robótico percorre o chão coletando amostras. O arsenal dá a ideia daquilo que a equipe brasileira, formada por 80 pesquisadores e uma das seis finalistas do XPRIZE Rainforest Florestas Tropicais, prepara para a final da competição, em julho de 2024. A missão: levantar o maior número de dados sobre as espécies de plantas e de animais em uma porção de 100 hectares (ha) de floresta amazônica em 24 horas. E analisar tudo em outras 48 horas.
“Enquanto atletas do mundo todo estarão em busca de medalhas na Olimpíada de Paris, estaremos competindo para mapear a biodiversidade desses ambientes difíceis de serem penetrados”, diz a bióloga Simone Dena, da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), coordenadora de bioacústica da equipe brasileira. Cerca de 300 pesquisadores representarão os times finalistas: o do Brasil, três dos Estados Unidos, um da Espanha e outro da Suíça na final no Amazonas. A data e o local exatos serão revelados mais adiante. O primeiro lugar receberá US$ 5 milhões, o segundo, US$ 2 milhões, e o terceiro US$ 500 mil. Ao final da disputa, os dados serão compartilhados nas bases de dados de acesso aberto GBIF e iNaturalist.
“O objetivo é estimular o desenvolvimento de tecnologias autônomas com rápida integração de dados que permitam ampliar o mapeamento da biodiversidade e melhorar o conhecimento sobre os ecossistemas de florestas tropicais”, afirma a brasileira Michelle Siqueira, que integra a equipe de gestão do prêmio, organizado pela XPRIZE Foundation, organização norte-americana sem fins lucrativos. A fundação faz a gestão de prêmios voltados para a aceleração de novas tecnologias, como a corrida espacial privada, e aqueles voltados para desafios ambientais e sociais globais, como a limpeza de derramamentos de óleo no mar, monitoramento da acidificação dos oceanos, entre outros.
Ao longo de quatro anos de competição, 300 grupos de 70 países passaram por fases eliminatórias da disputa e 15 equipes chegaram à semifinal presencial em junho de 2023, quando puseram seus equipamentos à prova pela primeira vez em um fragmento florestal de Singapura. Na ocasião, a equipe brasileira identificou 209 espécies, entre plantas, anfíbios, invertebrados, aves e mamíferos. Cada uma das seis equipes selecionadas para a final recebeu cerca de US$ 333 mil. O time brasileiro tem investido o valor em bolsas de pesquisa, equipamentos e custeará uma viagem ao Amazonas no começo do ano para mais testes de campo.
“Com as técnicas mais tradicionais, não conseguimos mapear e identificar amplamente muitas espécies de plantas e animais antes que boa parte deles seja extinta”, observa o biólogo Vinicius Castro Souza, da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz da Universidade de São Paulo (Esalq-USP), em Piracicaba. “Por isso, consideramos o desafio importante para acelerar esse processo e ainda desenvolver meios de fazer coletas remotas, que trazem menos riscos nos trabalhos de campo”, complementa.
O Brazilian Team tem uma maioria de brasileiros, mas inclui integrantes de outros países – Colômbia, Estados Unidos, França, Alemanha, Espanha, Portugal e Reino Unido – divididos em seis subgrupos: bioacústica, robótica, sensoriamento remoto, DNA, biodiversidade e insights. Essas áreas se organizam por meio de duas estratégias paralelas, centradas na identificação da biodiversidade visível (amostras e imagens de animais e plantas) e da invisível, com análise dos vestígios de DNA dos organismos presentes no ambiente, o chamado DNA ambiental (eDNA). Os pesquisadores também pretendem contar com o apoio de ações de ciência cidadã, envolvendo a comunidade local na identificação das espécies.
Equipamentos adaptados
Para as coletas pelo chão, um carrinho-robô comercial com cerca de 1,5 m de comprimento e 100 quilogramas (kg) foi adaptado com uma série de complementos. Além de câmeras e gravadores de sons, um sistema coleta e armazena cerca de 1 kg de serrapilheira com terra, folhas, galhos e pequenos insetos. Um perfurador de solo faz buracos de 15 centímetros (cm) de profundidade e uma armadilha luminosa atrai insetos, como pernilongos.
Por ar, um drone foi adaptado para carregar a redoma de acrílico, uma semiesfera que abriga os equipamentos das intempéries climáticas. Em locais com sinal de internet, placas de computador permitem enviar as informações para um sistema na nuvem. “A cúpula foi pensada para ser modular, o que permite a personalização dos equipamentos que vai carregar”, explica o engenheiro elétrico Marco Terra, da Escola de Engenharia de São Carlos (EESC-USP), coordenador da área de robótica da equipe.
Outro drone ganhou garras e uma serra que lhe permitem cortar e carregar galhos com cerca de 20 centímetros (cm) de comprimento e que pesam em média 40 gramas (g). A engenhoca, inspirada em uma iniciativa canadense, ganhou o apelido carinhoso de podão automático e propõe uma solução para a dificuldade de coletar amostras de árvores gigantes que crescem na Amazônia. “Geralmente, para fazer esse trabalho, é preciso contar com escaladores ou lançar uma espécie de estilingue com linhas de pesca”, observa Terra. O aparelho ainda precisa de ajustes de estabilidade, como perceberam os pesquisadores ao usá-lo na semifinal em Singapura.
Na avaliação de Terra, dos equipamentos desenvolvidos, a cúpula e a garra de poda teriam mais potencial de se tornarem produtos comercializáveis, por serem úteis nos trabalhos de campo de uma diversidade de pesquisas. “A cúpula, com esse design, é uma criação nossa e seu pedido de patente já está escrito. Na garra, fizemos adaptações para a realidade de florestas tropicais que também permitem gerar um pedido de patente”, diz o engenheiro. Segundo ele, um dos objetivos da equipe é fazer com que alguns equipamentos, controlados de modo remoto, sejam autônomos – mais detalhes só serão conhecidos na final.
DNA ambiental e inteligência artificial
O material vegetal e animal coletado deve passar por uma triagem e ser analisado por taxonomistas com auxílio de softwares. Parte dele vai para o laboratório móvel de análises genéticas. Os pesquisadores usam sequenciadores portáteis, do tamanho de tablets, que podem ser conectados a um computador.
“Fazer o sequenciamento em campo é complicado. Estamos promovendo ajustes nos protocolos para torná-los mais eficientes, em parceria com os próprios fabricantes, porque esses equipamentos foram desenvolvidos para sequências de DNA mais longas do que conseguimos obter com o DNA ambiental”, explica a bióloga Carla Martins Lopes, do campus de São Carlos da USP, coordenadora da equipe de DNA.
Outras informações intangíveis sobre a biodiversidade devem ser coletadas e processadas com a ajuda de softwares com inteligência artificial para acelerar o processo de identificação da biodiversidade. Com os drones para sensoriamento remoto, há três estratégias. A primeira é obter imagens com a técnica Light Detection and Ranging (Lidar), que utiliza pulsos de luz laser que, uma vez refletida pelas árvores, permite o mapeamento da estrutura da floresta, como relevo e estatura da vegetação, além de estoques de carbono. “A segunda consiste em criar mapas em alta resolução das copas das árvores, que usamos para treinar um algoritmo de reconhecimento de espécies semelhante ao que fazem os sistemas de reconhecimento facial”, observa o engenheiro florestal Danilo Roberti Alves de Almeida, um dos diretores da startup BRCarbon Climate Tech e coordenador do subgrupo de sensoriamento remoto, junto com o gestor ambiental Paulo Guilherme Molin, da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar). A terceira estratégia usa drones autônomos, com sensores de zoom óptico, para registrar fotografias em alta resolução da vegetação para posterior identificação por inteligência artificial.
Outro algoritmo, capaz de reconhecer o som de animais como aves, anfíbios, morcegos e insetos, também está em desenvolvimento. Ele vem sendo treinado com o banco de dados público da Fonoteca Neotropical Jacques Vielliard (FNJV) do Museu de Diversidade Biológica da Unicamp, que abriga aproximadamente 81 mil registros. “Estamos em contato com pesquisadores do Amazonas para levantar mais sons de animais da região e ampliar o acervo que será utilizado pelo nosso software”, explica o biólogo Luís Felipe Toledo, da Unicamp, um dos coordenadores do grupo de bioacústica. A ideia é disponibilizar o software em acesso aberto.
As outras cinco equipes também estão na disputa por desenvolver drones, robôs autônomos, plataformas aéreas e sistemas de inteligência artificial que permitam coletar e identificar espécies da maneira mais automatizada e rápida possível. “A proposta do protocolo da equipe brasileira, que usa drones, robôs de coleta, processamento de dados de DNA, tudo integrado, parece promissora para acelerar as atividades de levantamento de espécies nesses ambientes”, avalia o biólogo Fabiano Rodrigues de Melo, da Universidade Federal de Viçosa (UFV), que não participa da competição. Desde 2017 ele utiliza drones e programas com inteligência artificial para identificar muriquis nas matas de Minas Gerais.
“As florestas tropicais abrigam a maior biodiversidade do planeta, e essa diversidade ainda é pouco conhecida, especialmente na floresta amazônica, com suas dimensões continentais”, diz a engenheira-agrônoma Simone Aparecida Vieira, da Unicamp, integrante da coordenação do Programa Biota-FAPESP. Ela observa que métodos tradicionais de levantamento da biodiversidade demandam um grande esforço de tempo e pessoas e, por isso, utilizar tecnologias de vanguarda para identificar espécies nesses locais pode auxiliar nas políticas de conservação. “O prêmio traz esse desafio para o presente, incentivando ideias ousadas para ampliar nosso conhecimento sobre a biodiversidade, algo que o Biota também tem estimulado desde a sua criação, em 1999, e que está pontuado em seu planejamento estratégico para o período 2020-2030”, complementa.
O financiamento do prêmio, um valor total de US$ 10 milhões, vem da Alana Foundation, ligada ao Instituto Alana, uma organização brasileira sem fins lucrativos que promove ações de proteção aos direitos das crianças e dos adolescentes. “Entramos em contato com a XPRIZE e os instigamos a pensar em algo voltado para soluções para o Sul global, e eles chegaram à conclusão de que a perda de espécies em florestas tropicais era um tema urgente”, conta Pedro Hartung, diretor-executivo da fundação. “Se nosso objetivo é proteger as crianças, precisamos garantir que elas tenham um mundo sustentável onde possam crescer. E isso passa por iniciativas que ajudem a encontrar alternativas para preservar nossa biodiversidade”, conclui.
Projetos
1. Da história natural à conservação dos anfíbios brasileiros (nº 22/11096-8); Modalidade Projeto Temático; Pesquisador responsável Luis Felipe de Toledo Ramos Pereira (Unicamp); Investimento R$ 1.656.574,79.
2. Compreendendo florestas restauradas para o benefício das pessoas e da natureza – NewFor (nº 18/18416-2); Modalidade Projeto Temático; Programa Biota; Convênio Organização Holandesa para a Pesquisa Científica (NWO); Pesquisador responsável Pedro Henrique Santin Brancalion (USP); Pesquisador responsável no exterior Franciscus Johannes Jozef Maria Bongers (Wageningen University & Research, Holanda); Investimento R$ 1.659.863,08.
3. Restauração de vegetação nativa na Mata Atlântica pela combinação estratégica de medidas obrigatórias e compromissos voluntários ‒ CCD-EMA (nº 21/11940-0); Modalidade Auxílio à Pesquisa ‒ Centros de Ciência para o Desenvolvimento; Pesquisador responsável Paulo Guilherme Molin (UFSCar); Investimento R$ 355.136,76.