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QUÍMICA

Pellets de hidrogel removem água do biodiesel

Material reutilizável emerge como alternativa para purificar o biocombustível

Léo Ramos Chaves / Revista Pesquisa FAPESP Tubinhos de hidrogel, com cerca de 5 milímetros de comprimento, imersos no biodiesel em laboratório da UnicampLéo Ramos Chaves / Revista Pesquisa FAPESP

No início dos anos 2010, pesquisadores da Faculdade de Engenharia Química da Universidade Estadual de Campinas (FEQ-Unicamp) perceberam que, como a proporção de biodiesel misturada ao diesel de origem fóssil iria crescer, seria exigida a adoção de tecnologias para controle do teor de água no combustível, já que o biodiesel tem grande afinidade com a água. Naquela época, a mistura era de 5% de biodiesel e o aumento gradual nos anos seguintes dessa proporção era previsto pelo Conselho Nacional de Política Energética (CNPE). O diesel tradicional é usado como combustível em caminhões, ônibus e alguns automóveis. Ocorre que, para os motores funcionarem a contento com a mistura de diesel e biodiesel, seria necessário remover a água presente no biocombustível, fabricado no Brasil principalmente a partir de soja ou gordura animal. Altos teores de água, entre outros problemas, podem causar corrosão em tanques e tubulações, além do entupimento de bicos de injeção, ocasionando problemas nos veículos.

“O primeiro passo foi entender a afinidade de cada um dos combustíveis com a água”, conta o engenheiro químico Leonardo Fregolente, um dos membros da equipe e desde 2017 professor da FEQ-Unicamp. Um dos trabalhos iniciais do grupo, composto também pelas pesquisadoras Maria Regina Wolf Maciel e Patrícia Fregolente, foi publicado em 2012 na Journal of Chemical and Engineering Data. O estudo mostrou que o biodiesel tem capacidade de carregar de 1.500 a 1.980 miligramas (mg) de água por quilograma (kg) de combustível, cerca de 10 a 15 vezes mais do que o diesel fóssil, dependendo da sua temperatura – quanto mais quente, maior a absorção. Além disso, o biodiesel tem alta capacidade de absorver umidade do ar, 6,5 vezes mais do que o diesel.

Segundo o trabalho divulgado na Journal of Chemical and Engineering Data, em 10 dias o combustível fica saturado com a água que tira do ar. No entanto, se durante o processo ou depois a temperatura cair, a capacidade de reter a água diminuirá e parte dela se separará do combustível, acumulando-se no fundo de tanques e outros equipamentos.

No início de junho deste ano, o professor Fregolente não escondeu a satisfação ao mostrar a Pesquisa FAPESP o resultado de mais de uma década de trabalho: tubinhos ou pellets transparentes vazados, com cerca de 5 milímetros (mm) de comprimento, mergulhados em um líquido, um tipo de biodiesel. Tecnicamente conhecidos como recheios, os tubinhos de hidrogel podem ser feitos com um polímero sintético, a poliacrilamida, pertencente a um grupo de compostos químicos que têm como característica a capacidade de atrair as moléculas de água.

Em laboratório, o material passou por uma reação química chamada hidrólise: foi tratado com hidróxido de sódio (NaOH), também conhecido como soda cáustica, e sua capacidade de absorver água livre aumentou quase 27 vezes — de 37 gramas (g) de água para cada g de hidrogel para 987 g de água —, como detalhado em artigo de 2023 na Chemical Engineering Science.

Os recheios de hidrogel poderiam em princípio ser usados para reduzir a umidade durante a produção, no transporte, nos postos de combustível ou diretamente nos tanques dos veículos. “Controlando o teor de água, é possível manter a qualidade da mistura do biodiesel com o diesel por mais tempo”, diz Fregolente, acrescentando que o material pode ser utilizado várias vezes.

A engenheira química Letícia Arthus, que trabalha com o pesquisador, explica que o tipo de hidrogel que conseguem fazer pode ser modulado dependendo da aplicação e da necessidade de remoção de água. “A acrilamida, principal matéria-prima do hidrogel de poliacrilamida, custa R$ 5 por kg, e 1 g de hidrogel absorve até 35 g de água”, diz ela. “Se o hidrogel for produzido a partir do acrilato de sódio, que custa em torno de R$ 400 por kg, sua capacidade de reter água sobe para quase 1 kg de água por grama de hidrogel.” Estudos de custos da inovação, que chegou ao estágio de protótipo, estão em andamento e serão importantes para revelar o impacto de sua adoção sobre o custo final do combustível. O grupo já solicitou o registro de cinco patentes.

Aumento da proporção de biodiesel
O contexto nacional favorece inovações desse tipo. O Brasil consome cerca de 700 milhões de litros (L) de biodiesel por mês. A proporção obrigatória de biodiesel no diesel chegou a 14% em março de 2024 e poderá ir a 15% em 2025. O CNPE estima que essa medida deverá evitar a emissão de 5 milhões de toneladas de gás carbônico (CO2) na atmosfera e a importação de R$ 7,2 bilhões em diesel.

Menos poluição, porém, implica mais resíduos nos tanques de armazenamento de biodiesel. Por ser mais densa, a água se deposita no fundo. Na zona limite com o óleo, fungos e bactérias se proliferam e formam uma massa escura e espessa, a chamada borra, que pode entupir tubos, filtros e bicos de injeção de combustível nos motores, além de causar corrosão nos tanques. Em 2021, quando o mínimo exigido por lei era de 12% de biodiesel, 60% dos 710 empresários entrevistados em um levantamento relataram um aumento de problemas mecânicos.

A produção de biodiesel ocorre a partir de uma reação do óleo vegetal com álcool na presença de um catalisador. A reação gera glicerol, matéria-prima de muitos usos. No entanto, as moléculas do biodiesel e outros contaminantes, como o sódio, podem se combinar e formar sabão. O biodiesel é então lavado com água e centrifugado para remoção do catalisador, traços de álcool e glicerol. Uma das formas já usadas industrialmente para retirar a água é aquecer o combustível a vácuo por meio de um processo de destilação, com uso intenso de energia.

A Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) determina que o biodiesel saia da usina com no máximo 250 mg de água por kg de combustível. Prevendo a absorção de umidade, a tolerância é de até 350 mg por kg no distribuidor, impondo uma corrida contra o tempo.

“As usinas produzem e enviam para as distribuidoras em poucos dias. As distribuidoras trabalham da mesma forma, com estoques que costumam ser vendidos em menos de um mês”, relata o engenheiro químico Antônio Carlos Ventilii, assessor-técnico da Associação dos Produtores de Biocombustíveis do Brasil (Aprobio). “Remover o excesso de umidade nos tanques das distribuidoras evitaria que o combustível que não esteja dentro do padrão tenha que passar por um processo industrial de secagem, que é custoso e envolve o deslocamento do biocombustível”, diz Ventilii. Segundo ele, uma inovação como o hidrogel só vai se tornar realidade se seu custo for menor que o mero descarte do biodiesel fora das recomendações e o reabastecimento do caminhão de diesel.

“As tecnologias tradicionais de remoção de água, um problema com todos os tipos de combustível, enfrentam limitações técnicas e econômicas”, observa o químico Fauze Ahmad Aouada, da Universidade Estadual Paulista (Unesp), que trabalha com hidrogéis e nanocompósitos híbridos naturais para uso nas áreas agrícolas e da saúde. Segundo ele, uma das principais vantagens do hidrogel da Unicamp é a retirada da água em um tempo relativamente curto com um material de baixo custo e que pode ser reutilizado.

A reportagem acima foi publicada com o título “Biodiesel com menos água” na edição impressa nº 341, de julho de 2024.

Projetos
1.
Desenvolvimento de leitos de hidrogel enxertado com nanomateriais de celulose obtido por manufatura aditiva para separação de água em biodiesel e diesel (no 21/08438-1); Modalidade Bolsas no Brasil ‒ Doutorado Direto; Pesquisador responsável Leonardo Vasconcelos Fregolente (Unicamp); Bolsista Letícia Arthus; Investimento R$ 182.369,52.
2.
Desenvolvimento de novos processos de separação de água em biodiesel e mistura biodiesel/diesel aplicando-se hidrogéis sintéticos enxertados com nanocristais de celulose (no 21/03472-7); Modalidade Auxílio à Pesquisa ‒ Programa Bioen; Pesquisador responsável Leonardo Vasconcelos Fregolente (Unicamp); Investimento R$ 206.224,80.

Artigos científicos
ARTHUS, L. et al. Facile tuning of hydrogel properties for efficient water removal from biodiesel: An assessment of alkaline hydrolysis and drying techniques. Chemical Engineering Science, v. 282, 119224. 5 dez. 2023.
FREGOLENTE, P. et al. Water content in biodiesel, diesel, and biodiesel-diesel blends. Journal of Chemical and Engineering Data. v. 57, p. 1817-21. 17 mai. 2012.

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