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botânica

Plantas usam bombas de pólen para disputar espaço no bico de beija-flores

Sucesso na competição entre gametas masculinos pode aumentar as chances de reprodução

Mecanismo de catapulta cria efeito explosivo em flor de Hypenia macrantha

Bruce Anderson / Universidade de Stellenbosch e Vinícius Brito / UFU

Quando sugam o néctar da flor de Hypenia macrantha, erva que cresce em beiras de rio no Cerrado, os beija-flores são surpreendidos por uma erupção de grãos de pólen, a partícula reprodutiva masculina, que grudam em seu bico. Levadas a uma flor da mesma espécie na fase fêmea, os grãos poderão fecundar os óvulos. Se, no entanto, a ave visitar outra flor na fase macho, uma nova explosão poderá remover parte dos polens que já estavam lá, aumentando as chances de reprodução da última planta visitada, segundo artigo publicado em outubro na revista The American Naturalist.

“Trata-se de um exemplo raro de competição masculina nos vegetais”, observa o botânico Vinícius Brito, da Universidade Federal de Uberlândia (UFU), um dos autores do artigo. Segundo ele, o pólen é arremessado por um mecanismo floral semelhante a uma catapulta, e desloca os que já estavam lá como se fossem bolas de sinuca. Para verificar a eficiência desse sistema, os pesquisadores coloriram grãos de pólen com pontos quânticos, que são nanopartículas que fluorescem sob luz ultravioleta. Assim, poderiam localizá-las depois de transportadas.

Depois, usaram um crânio de beija-flor para depositar o pólen colorido no bico e contaram quantos grãos ficaram presos, usando um microscópio. Introduzido em uma flor, cujo pólen não tinha recebido a coloração, o bico destravou a catapulta e os pesquisadores contaram quantos grãos coloridos continuavam aderidos ao bico. Segundo Brito, a explosão removeu, em média, 40% do pólen do bico. Em uma das flores, a remoção chegou a 75%.

A velocidade da erupção, medida em vídeo, foi de 2,62 metros por segundo (m/s), cerca de 9,5 quilômetros por hora (km/h), o equivalente à de uma pessoa em corrida moderada. Isso faz da ejeção de H. macrantha uma das mais rápidas entre as plantas. A distância para a campeã, no entanto, é enorme. A amora-branca (Morus alba) lança seus grãos a cerca de 170 m/s, o equivalente a 612 km/h – quase o dobro de um carro de Fórmula 1. Segundo Brito, a explosão de pólen é um mecanismo relativamente comum nas plantas, mas seus efeitos na competição masculina ainda são pouco conhecidos.

Daniela Calaça / UFUCrânio de beija-flor com pólen depositado (à esq.) e grãos marcados com pontos quânticos (à dir.)Daniela Calaça / UFU

“É a primeira demonstração de que uma flor pode remover o pólen de outra e substituí-lo pelo seu”, sublinha o botânico Arthur Domingos de Melo, da Universidade Federal de Sergipe, que não participou do estudo. Segundo ele, os botânicos suspeitavam que os grãos de pólen disputassem espaço no corpo de polinizadores, mas era difícil testar a hipótese de um embate físico direto. “Os autores encontraram um ótimo modelo para os experimentos.”

Mundo masculino
“A possibilidade de rastrear o pólen com os pontos quânticos poderá revelar mecanismos desconhecidos da função masculina nas plantas”, sugere o botânico sul-africano Bruce Anderson, da Universidade de Stellenbosch, na África do Sul, em entrevista por chamada de vídeo a Pesquisa FAPESP. Ele é o primeiro autor do artigo e o responsável por adaptar a tecnologia dos pontos quânticos para colorir o pólen.

“Durante um século, os estudos da reprodução das plantas priorizaram estruturas femininas, como frutos e sementes”, lembra Anderson. Além de serem mais visíveis, é fácil identificar a origem, já que elas se desenvolvem presas à flor, enquanto os polens, levados por aves, insetos ou pelo vento, são difíceis de rastrear.

O sul-africano estudava a competição reprodutiva em plantas que, como as orquídeas, guardam seu pólen em pequenas bolsas que grudam nas patas do inseto. Segundo ele, como o espaço no polinizador é reduzido, esses pacotes podem grudar em cima dos grãos reprodutivos de outra flor, que ficam inutilizados. “É uma planta difícil de estudar porque a estrutura masculina é muito pequena”, observa Anderson, que veio ao Brasil em busca de uma planta com estruturas maiores. Quando tocou pela primeira vez a flor de H. macrantha, em uma visita com Brito ao Parque Estadual do Rio Preto, em Minas Gerais, logo imaginou que a explosão poderia ser um exemplo de competição masculina.

Cerca de 94% das plantas têm flores hermafroditas, muitas delas com uma fase masculina e outra feminina. Quando a ave destrava a catapulta de H. macrantha, a flor, que estava na fase masculina, começa uma transição de dois dias para a fase feminina. A partir daí, ela se torna capaz de receber o pólen de outras flores. Segundo Brito, como a erva tem até 10 flores, parte delas na fase masculina, a ave pode visitar mais de uma flor na mesma planta, o que amplifica a força competitiva. “A cada flor, mais pólen fica grudado no bico, substituindo o de plantas visitadas antes”, ressalta.

Entre os animais, há uma variedade de formas de competição de esperma. As libélulas, por exemplo, têm pênis ornados com ganchos, que recolhem o esperma deixado por rivais e inserem o seu no fundo do trato reprodutivo da fêmea.

Outra estratégia é o chamado plug copulatório, aplicado por machos de diversos grupos, como abelhas, répteis e primatas. Depois da cópula, a secreção do macho coagula e fecha o trato reprodutivo da fêmea. Ainda que a fêmea possa retirar essa tampa, o esperma do macho ganha tempo para fecundar o óvulo.

“Costumamos pensar que as plantas se reproduzem passivamente, mas elas travam batalhas semelhantes às dos animais”, ressalta Anderson. “O Brasil tem uma quantidade enorme de espécies que podem nos ajudar a entender a competição do pólen nas plantas”, destaca o pesquisador, que pretende voltar ao país em breve para novos estudos.

Artigo científico
ANDERSON, B. Pollen wars: Explosive pollination removes pollen deposited from previously visited flowers. The American Naturalist. v. 204, n. 6. 10 out. 2024.

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