Depois de percorrer mais de 24 mil quilômetros, num esforço iniciado em 1996, um grupo de pesquisadores do Instituto de Geociências (IG) da Universidade de São Paulo (USP) acaba de mapear as principais ocorrências de pozolanas existentes no Estado de São Paulo. Esse material, formado por rochas ou argilas, quando incorporado pela indústria do cimento, proporciona redução dos custos de produção, causa menos agressões ao meio ambiente e traz vantagens tecnológicas como a de tornar o produto mais resistente à ação da água. Para se valer desses benefícios, faltava à indústria de São Paulo e da região Sudeste um conhecimento mais detalhado da localização das pozolanas.
Saber onde elas estão contribui para incorporá-las à mistura tradicional que resulta na fabricação do cimento, um processo inventado e patenteado pelo pedreiro britânico Joseph Aspdin, no século 19. O nome vem da semelhança do produto final com uma pedra calcária muito encontrada na ilha de Portland, na Grã-Bretanha. O método consiste em uma mistura de 80% de calcário com 20% de argila, que, submetida a altas temperaturas, se transforma em clínquer (blocos de cimento). Esse produto, depois de moído, resulta no chamado cimento Portland. O cimento Portland pozolânico é aquele que em sua composição permite a adição de até 50% de pozolanas.
O nome das pozolanas, por sua vez, vem de rochas vulcânicas encontradas na região de Pozzuoli, perto do monte Vesúvio, no sul da Itália. Quando misturadas com cal, essas rochas, moídas, se transformam em cimento. Elas foram muito usadas pelos antigos romanos. O cimento usado no Coliseu de Roma tem material pozolânico em sua composição. Recentemente, o termo passou a ser aplicado também a produtos que têm a mesma utilidade. São pozolanas, por exemplo, escórias ácidas das usinas siderúrgicas, cinzas de termelétricas, rejeitos do craqueamento do petróleo, cinzas de resíduos vegetais e subprodutos da extração do carvão mineral.
A pesquisa Avaliação do Potencial Geológico de Materiais Pozolânicos no Estado de São Paulo, coordenada pelo professor Jorge Kazuo Yamamoto, do Departamento de Geologia Sedimentar e Ambiental do IG da USP, resultou em diversos mapas e na coleta de 350 amostras. Os pesquisadores escolheram 60 para ter sua atividade pozolânica analisada e, finalmente, 32 para serem testadas em laboratório. “Além da importância que teve como trabalho científico, a pesquisa acabou por revelar possibilidades de exploração em várias regiões do Estado que não têm, atualmente, nenhuma atividade econômica importante”, comenta o geólogo Tarcísio José Montanheiro, do Instituto Geológico da Secretaria do Meio Ambiente do Estado de São Paulo, que conduziu a sua tese de doutorado dentro desse auxílio a projeto de pesquisa.
“Os resultados da pesquisa mostram o grande potencial desse produto, praticamente inexplorado em São Paulo”, afirma Yamamoto. “Com a utilização de pozolanas na fabricação de cimento, a indústria vai reduzir custos de produção. Não temos um percentual, porque isso vai depender da proximidade ou não das jazidas de cada fabricante”, prossegue. Além disso, o trabalho tem sensível mérito científico. “Nunca se fez antes um mapeamento tão extenso e rigoroso sobre as ocorrências de materiais pozolânicos no Estado de São Paulo”, declara o professor.
Resistência ao tempo
No Brasil, as pozolanas são usadas principalmente no Sul, onde as cinzas resultantes da queima do carvão nas usinas termelétricas acabam por entrar na mistura que produz o cimento, e no Nordeste, onde a mistura do cimento inclui argilas calcinadas. No Sudeste, justamente a região do país que mais produz cimento, com 54,25% do total, o uso das pozolanas é pequeno, apesar de ter vantagens econômicas, tecnológicas, geológicas e ambientais em relação ao clínquer.
Não é só isso. A qualidade melhora também. “O cimento com adição de pozolana mostra uma sensível redução na reação álcali-agregado, comum nas grandes obras civis”, declara o professor Yamamoto. Ou seja, com o passar do tempo, o concreto com pozolana torna-se menos permeável e mais compacto do que aquele produzido pelo uso do cimento comum. “O uso de cimento pozolânico na construção das barragens de concreto já é consagrado pelos benefícios tecnológicos de segurança e durabilidade que confere ao concreto.”
Outra vantagem das pozolanas é a de preservar as jazidas de calcário, o principal componente do cimento comum. O calcário é um produto com muitas outras aplicações como corretivo de solo, matéria-prima para fabricação de cal e na produção do ferro-gusa na indústria siderúrgica. Para o meio ambiente, o uso das pozolanas reduz a emissão de dióxido de carbono. “A produção do cimento pozolânico, por exemplo, para calcinação de argilas, exige temperaturas bem menores que as usadas no cimento convencional”, lembra Yamamoto. Os fornos de alta temperatura usados na queima de calcário e argila para a produção do tipo Portland são responsáveis pela liberação de enormes quantidades de dióxido de carbono na atmosfera. “A adoção do cimento pozolânico é um ótimo caminho para melhorar a qualidade e reduzir os níveis de poluição nas empresas”, acrescenta.
Alta tecnologia
A base tecnológica para o uso das pozolanas não é problema para isso. “O Brasil ocupa posição de destaque na busca de alternativas viáveis para a produção de cimento”, diz outro participante do projeto, Yushiro Kihara, professor do Departamento de Mineralogia e Geotectônica do Instituto de Geociências da USP e pesquisador da Associação Brasileira de Cimento Portland (ABCP). “O uso do cimento pozolânico agrega soluções de alta tecnologia a vários problemas enfrentados pela construção civil”, completa.
Para os pesquisadores, um dos motivos do baixo uso das pozolanas no Sudeste é a falta de conhecimento de suas ocorrências. Esse problema acaba de ser solucionado, em parte, pelo trabalho da equipe do IG. Os pesquisadores concluíram, em primeiro lugar, que a área geológica com maiores possibilidades de ocorrência do produto no Estado de SãoPaulo é a Bacia do Paraná. Também foram selecionadas nove regiões paulistas para receber atenção especial: Leme, Casa Branca, Araçatuba, Franca-Pedregulho, Piraju-Fartura, Assis, Pederneiras, Araraquara e Limeira-Rio Claro-Ipeúna-São Pedro.
Percorrendo as diversas regiões do Estado em busca das pozolanas, os pesquisadores nem sempre tinham um trabalho suave e tranqüilo. Uma hora ou outra, eles se viam diante de um tipo especial de pozolana, os esponjilitos. Conhecidos popularmente como pó-de-mico, os esponjilitos causam enormes ataques de coceira, por maior que seja a prudência, em quem se aproxima dos lugares nos quais se acumulam. Porém, para alívio geral, os incômodos esponjilitos representam apenas uma parcela relativamente pequena desses depósitos. “O pó-de-mico é uma excelente pozolana, mas a coceira que provoca deixa qualquer um incomodado”, relata Montanheiro, uma das vítimas mais freqüentes dos esponjilitos.
Testes no laboratório
Os testes com as amostras foram realizados nos laboratórios da ABCP. A entidade é uma organização que representa 11 grupos industriais, com 59 fábricas de cimento espalhadas por todo o Brasil. “Os resultados dos testes mostraram que as principais ocorrências são de rochas basálticas e argilas”, revela Montanheiro. “Esses dois tipos foram encontrados em maior quantidade e, portanto, apresentam maior possibilidade de viabilidade econômica”, acrescenta. A maior ocorrência de basaltos encontrada pelos pesquisadores está no Alto Paranapanema, e a de argilas, no centro-leste do Estado.
O detalhamento das ocorrências de pozolanas certamente vai contribuir para o desenvolvimento da indústria do cimento no Estado de São Paulo. O crescimento da produção de cimento foi grande nos últimos anos. Cresceu de 25,8 milhões de toneladas em 1990 para uma previsão de 40 milhões em 2000. O Brasil é o sexto produtor mundial, atrás de China, Índia, Estados Unidos, Japão e Coréia do Sul. O setor emprega 18 mil trabalhadores diretos e faturou US$ 4 bilhões em 1999.Depois do Sudeste, que fabrica 54,25% do total nacional, a região que mais produz cimento é o Nordeste, com 17,45%. Seguem-se o Sul, com 14,50%, o Centro-Oeste, com 10,82%, e o Norte, com 9,01%. O maior produtor brasileiro é o Grupo Votorantim, com 41,7% do total. Os lugares seguintes são ocupados pelo Grupo João Santos, com 11,8%, e Cimpor, com 9,0%.
O acompanhamento da produção de cimento é importante, pois ela revela as oscilações da economia brasileira. A construção civil, principal consumidora do produto, é um dos primeiros setores a reagir quando o país está bem ou mal. Nos últimos cinco anos, o cenário foi de recessão. Em 1999, por exemplo, o PIB do setor caiu 3,68%. Com a retomada do crescimento, porém, a situação mudou e, para 2000, espera-se um aumento do PIB de 4% e um crescimento de 6% na construção civil e na produção de cimento. Para 2001, as perspectivas são ainda melhores, pois diversos projetos de construção em grande escala de casas populares foram anunciados nos últimos meses.
O aquecimento da construção civil é uma boa notícia. Não só o setor absorve mão-de-obra de baixa qualificação, com colocação difícil em outras áreas da economia, como puxa a demanda de outros setores estratégicos, como o aço e o vidro. Nesse campo, o papel das pozolanas pode ser muito importante, pois elas representam uma alternativa viável para o desenvolvimento sustentável da indústria do cimento.
O projeto
Avaliação do Potencial Geológico de Materiais Pozolânicos no Estado de São Paulo (nº 95/08815-3); Modalidade Auxílio a projeto de pesquisa; Coordenador Jorge Kazuo Yamamoto – Departamento de Geologia Sedimentar e Ambiental do Instituto de Geologia da USP; Investimento R$ 39.571,00 e US$ 2.500,00