Em 1918, quando a gripe espanhola chegou ao Brasil matando milhares de pessoas, poucas medidas podiam ser tomadas. “Muitas empresas investiram na fabricação de caixões; a Light alugou bondes para o transporte de cadáveres; e a Câmara Municipal aprovou a construção do cemitério da Lapa”, conta Isaias Raw, presidente da Fundação Instituto Butantan. Agora, quando uma nova pandemia – a da gripe aviária – surge como um fantasma ameaçador, a situação é diferente e, em todo o planeta, já se tomam medidas para enfrentá-la.
No Brasil, o Instituto Butantan começa a produzir, em março, as primeiras doses da vacina contra o vírus da gripe aviária, o H5N1, a partir das cepas enviadas pela Organização Mundial da Saúde (OMS). A meta é fabricar 20 mil doses de vacina já em 2006, que poderão ser utilizadas no caso de uma pandemia da doença. O vírus é transmitido exclusivamente pelas aves e não se propaga facilmente por contato com humanos, apesar de já terem sido registrados mais de uma centena de casos e várias mortes, principalmente na Ásia. O grande temor é que o H5N1 troque material genético com o vírus Influenza, dando origem a uma nova cepa, esta sim altamente contagiosa.
As primeiras vacinas produzidas pelo Butantan serão utilizadas em teste com animais ao longo de 21 dias. Em seguida, e por período de tempo idêntico, serão aplicadas em humanos. As vacinas para os testes serão produzidas num laboratório piloto adaptado para garantir segurança na manipulação das cepas.
Em maio estarão concluídas as obras da nova fábrica onde serão geradas vacinas contra o vírus Influenza, imunizantes contra rotavírus, HPV, hepatite B, entre outros, com capacidade de produção de 20 milhões de doses de vacina por ano. Ali também será instalada a unidade de fabricação em escala da vacina contra a gripe aviária.
A nova fábrica custou R$ 18 milhões ao governo do Estado de São Paulo e R$ 34 milhões ao Ministério da Saúde. “A maior parte dos equipamentos já está armazenada e será instalada a partir de junho”, adianta Raw. Três das cinco centrífugas que serão utilizadas tanto na produção de vacinas contra o vírus Influenza como o HP5N1 já chegaram.
Um dos insumos básicos na produção da vacina – a gema de ovo fecundado – também está garantido. “Já nos reunimos com grandes produtores nacionais que se comprometeram a fornecer algo em torno de 20 milhões de ovos entre os meses de outubro e novembro deste ano”, conta Raw.
Multiplicação de vacinas
Os testes vão medir não exatamente a eficácia do produto no combate à gripe aviária, mas a quantidade necessária para a imunização, já que a tecnologia de produção desta vacina será a mesma utilizada na criação de vacinas contra o vírus Influenza, transferida pela Aventis. No caso da vacina contra o H5N1, o Butantan pretende adotar uma estratégia experimentada com sucesso no caso do Influenzia: a utilização de um adjuvante – em substituição ao hidróxido de alumínio – que permitirá o fracionamento das doses. “Este adjuvante permite o uso de 1/4 a 1/8 da dose por pessoa e a multiplicação do número de doses disponíveis”, explica Raw.
“Fizemos isso em ensaios com o vírus do tipo A e deu certo”. Além de aumentar a oferta da vacina, a medida vai baratear o preço de venda do produto. Raw não acredita na possibilidade de uma pandemia da gripe aviária. “Isso é apenas uma suposição, até porque estamos no fim da cadeia de migração das aves, que tem início no Extremo Oriente”, pondera. Mas, se o vírus passar a contaminar humanos, será necessário fazer vacinação pontual, associada a medidas de circunscrição dos casos para evitar contágio.
Republicar