A Constituição de 1988 estabelece que a saúde é um direito do cidadão e um dever do Estado. Até onde vão os direitos e deveres tem sido cada vez mais objeto de disputa, inclusive judicial. O número de cidadãos e grupos que processaram as diferentes esferas de governo pleiteando acesso a medicamentos e tratamentos aumentou de forma significativa nos últimos anos. Em 2010, o governo federal gastou R$ 122 milhões com a compra de remédios por determinação da Justiça; valor que alcançou R$ 1,6 bilhão em 2016. O processo de judicialização da saúde permitiu que milhares de pessoas recebessem os medicamentos de que precisavam, mas colocou um desafio complexo para as gestões municipais, estaduais e federal.
A magnitude e o impacto desse fenômeno atraíram a atenção de pesquisadores e de integrantes das diferentes esferas de governo envolvidas. Uma série de pesquisas tem ajudado, em primeiro lugar, na sua compreensão, para que o poder público possa enfrentar essas demandas não apenas de forma reativa.
Na reportagem de capa desta edição, o editor-assistente Bruno de Pierro mostra que há ações demandando medicamentos que não estão disponíveis no Sistema Único de Saúde (SUS), e ao mesmo tempo há um número não desprezível de processos que pedem remédios já oferecidos na rede pública, ou equivalentes a medicamentos disponíveis. Há também demandas complementares de produtos como água de coco, filtro solar e fraldas – todos objeto de receita médica, a maioria emitida por profissionais atuantes na esfera privada. No estado de São Paulo, cerca de 30% dos remédios adquiridos com recursos públicos em resposta a ações judiciais em 2016 não foram retirados pelos pleiteantes.
O artigo 196 da Carta Constitucional diz: “A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação”. Essa definição justifica o gasto de R$ 654,9 milhões, apenas em 2016, na compra de 10 tipos de medicamento para 1.213 pacientes? Doenças raras e seus tratamentos caros podem demandar uma ampliação da lista de remédios disponíveis na rede pública, mas existem demandas que dificilmente podem ser justificadas por critérios sociais. Por outro lado, deve o serviço público de saúde ser pautado de maneira indiscriminada por avaliações de custo-benefício? A questão é multifacetada, e ampliar o conhecimento sobre ela certamente ajuda a pensar em respostas.
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Pesquisadores de áreas como as ciências da vida ou as engenharias leem – e escrevem – regularmente artigos científicos. No entanto, no Brasil, é muito menos frequente que tenham contato com patentes. Esses documentos podem ser uma importante forma de difusão de conhecimento e uma valiosa fonte de aprendizado sobre o estado das técnicas em diferentes campos. A familiaridade com as patentes também pode ajudar a preparar o terreno para que pesquisadores pensem, ainda nos estágios iniciais de suas pesquisas, sobre como assegurar a originalidade e a proteção dos seus resultados – sempre que essa possibilidade existir. Na seção Carreiras desta edição, discute-se que a cultura e as práticas da propriedade intelectual vêm mudando nas instituições de ensino superior e de pesquisa brasileiras, mas que os pesquisadores ainda não possuem, em geral, o hábito de pesquisar em bancos de patentes, nem de recorrer a esse instrumento para divulgar e proteger os seus resultados.
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