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Agronomia

Radar em drone facilita monitoramento agrícola

Aparelho criado por startup paulista também faz análise de solos e é capaz de localizar jazidas minerais, formigueiros e ossadas no subsolo

Para ter ampla visão do terreno, o radar é posicionado na parte inferior do drone

Divulgação Radaz

Na agricultura, os drones espalham sementes ou fertilizantes com precisão, permitindo ganhos de tempo e dinheiro. Combinados com sensores e inteligência artificial, podem realizar sensoriamento remoto, como é feito com satélites e aviões, monitorar grandes plantações, executar análises apuradas dos elementos químicos do solo ou indicar problemas, como a existência de erosão. Uma das técnicas mais avançadas nessa área, conhecida como radar de abertura sintética (SAR, de Synthetic Aperture Radar), foi aprimorada pela Radaz, startup nascida em 2017 na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e hoje sediada em São José dos Campos, interior paulista.

“É uma tecnologia inovadora com enorme potencial para gerar ampla variedade de produtos, atendendo a diversos segmentos de mercado”, avalia o engenheiro eletricista Hugo Enrique Hernández Figueroa, da Faculdade de Engenharia Elétrica e de Computação (Feec) da Unicamp, que liderou a equipe responsável pelo desenvolvimento de um radar acoplado a um drone de pequeno porte. Para isso, o grupo precisou miniaturizar o hardware eletrônico e as antenas do radar. O princípio do SAR, explica o pesquisador, é usar o radar em movimento para emular uma antena significativamente maior do que as que compõem o próprio radar. Como a diretividade da antena aumenta com seu tamanho, a resolução do sistema também se torna maior.

Por meio de sua antena, o radar emite ondas eletromagnéticas pulsadas que são refletidas pelos obstáculos encontrados no solo. Posteriormente, essas ondas são captadas pela antena enquanto o radar se desloca, a bordo de um avião, satélite ou drone. O movimento do radar ao longo de sua trajetória cria uma antena virtual de grandes dimensões, permitindo altas resoluções e observações precisas.

O princípio de funcionamento do SAR é similar ao da interferometria, em que a combinação de várias antenas de rádio simula uma única antena de grandes dimensões relacionadas à trajetória percorrida. Se o drone se deslocar por 100 metros (m) em linha reta, o SAR pode emular uma antena de 100 m de abertura; se a trajetória for circular, com um raio de 300 m, o radar emulará uma antena em formato espiral com 300 m de raio.

Desenvolvido nos Estados Unidos na década de 1950 e usado desde a década de 1960 em satélites e sondas espaciais, o SAR já foi utilizado para mapear o relevo de Vênus, oculto por nuvens compostas de gotas microscópicas de ácido sulfúrico e de outros aerossóis. No início dos anos 2000, integrou-se a drones de grande porte para uso militar. A crescente miniaturização de componentes eletrônicos e a disseminação dos drones indicavam que seria possível acoplar sistemas SAR em aparelhos pequenos, de uso civil.

“O desafio era fazer, e ninguém fazia”, comenta Figueroa. O primeiro relato do SAR em drone remonta a 2016, da Universidade do Texas, Estados Unidos, mas essa versão era artesanal e gerava imagens de baixa qualidade. A empresa paulista apostou em um caminho próprio, com três bandas (ou faixas) espectrais, incluindo um sistema de navegação inercial avançado (ver infográfico abaixo).

Alexandre Affonso/Revista Pesquisa FAPESP

Com sua equipe, o pesquisador da Unicamp trabalhou para reduzir o porte de um equipamento de 100 quilogramas (kg), que só poderia ser utilizado em aviões, para um que pesa 5 kg e se ajusta a drones de pequeno porte. A engenheira eletrônica Laila Moreira, diretora-técnica da Radaz, que participou do desenvolvimento do aparelho na Unicamp, conta que outra modificação relevante foi a incorporação de programas de computador para processamento e interpretação das imagens, baseados em redes neurais artificiais.

O apoio da FAPESP, por meio do programa Pesquisa Inovativa em Pequenas Empresas (Pipe), facilitou a transformação do protótipo, concluído em 2017, em um equipamento comercial. Os primeiros resultados em monitoramento de plantações de eucalipto e cana-de-açúcar foram publicados em fevereiro e abril de 2020 na revista Remote Sensing.

O drone executa, basicamente, duas trajetórias de voo: linear, em uma única direção, e helicoidal, em forma de espiral descendente, simulando uma antena parabólica, o que aumenta a resolução do radar. Os pulsos emitidos pelo radar na trajetória helicoidal e refletidos pelas diferentes estruturas subterrâneas fornecem dados precisos do subsolo. Essas informações são processadas com o chamado algoritmo de retroprojeção, comum em tomografias, que reconstrói a reflexão dos pulsos em imagens tridimensionais.

O dispositivo carrega três antenas, cada uma operando em uma banda diferente. A banda C colhe informações sobre o topo da vegetação e informa sobre o crescimento das plantas. A banda L penetra até a vegetação abaixo das copas das árvores e pode ser usada para medir o volume de uma plantação ou, no voo helicoidal, captar dados sobre o solo. Já a P penetra o solo e extrai informações a até 50 cm de profundidade no voo linear e até 100 m no helicoidal. De acordo com a Radaz, não há outro aparelho no mundo com essa configuração.

Usada em um teste de campo em 2022, a banda P encontrou ninhos de formigas-cortadeiras em plantações de eucalipto e pínus da fabricante de papel Klabin, no Paraná. O equipamento identificou 29 formigueiros desconhecidos, com áreas entre 1 e 100 metros quadrados (m²), em uma plantação de eucaliptos em Ortigueira, no Paraná. Os ninhos de formiga, mostrou o aparelho, estavam em profundidades de até 7 m, como detalhado em um artigo preprint depositado no repositório arXiv em dezembro de 2024.

Esse foi “o primeiro registro mundial de um formigueiro no subsolo por meio dessa tecnologia”, afirmou o gerente de pesquisa e desenvolvimento florestal da Klabin, Bruno Afonso Magro, à Agência FAPESP em julho de 2022. Usualmente monitoradas por amostragem por área e por ação humana, as formigas-cortadeiras fazem ninhos que reduzem a produtividade em até 15%.

Em outro teste, também divulgado em dezembro no arXiv, o equipamento reconheceu a altura e o estágio de crescimento de 340 mudas de cana-de-açúcar plantadas em uma área experimental de 20 mil m² da Faculdade de Engenharia Agrícola (Feagri) da Unicamp. Em relato apresentado em 2024 em um congresso em Atenas, na Grécia, o equipamento obteve 100% de precisão na busca de carcaças de vacas e porcos enterradas a 1,5 m de profundidade. O aparelho também registra o afundamento, a erosão e a umidade do solo.

Divulgação RadazDetalhe do dispositivo acoplado ao drone (à dir.) e o radar em testes nos laboratórios da startupDivulgação Radaz

Demanda estrangeira
O sistema da Radaz também já foi usado, com bons resultados, para acompanhar o crescimento do canavial em uma fazenda de São Paulo e para localizar jazidas de minério de ferro, diz o engenheiro eletrônico Fernando Ikedo, diretor comercial da Radaz. Por questões contratuais, o nome dos clientes não pode ser revelado.

O mercado de sensoriamento remoto com drones parece ter potencial de crescimento. Segundo Ikedo, o faturamento da startup saltou de R$ 1,1 milhão em 2022 para R$ 5,1 milhões no ano seguinte. Em 2024, atingiu R$ 17,3 milhões, a maior parte resultante de vendas para interessados do exterior.

Um dos clientes é o físico Henrik Persson, da Universidade Sueca de Ciências Agrícolas, que usa o drone com radar para avaliar a biomassa e o metabolismo de árvores, a umidade do solo, os lençóis freáticos e as camadas rochosas subterrâneas. “As medições tomográficas permitiram novas pesquisas sobre condições do solo, geralmente ainda feitas por retiradas de amostras, algo caro, tedioso e demorado”, comentou a Pesquisa FAPESP.

Já a empresa britânica Surveyar adquiriu a inovação para mapear tocas de castores, que causam prejuízos aos agricultores por construírem diques em cursos de água que inundam plantações. Segundo informou à reportagem o diretor da empresa, William Kirk – que descobriu a Radaz lendo artigos de pesquisadores brasileiros sobre detecção de formigueiros –, a experiência deu certo e motivou o uso para detecção de umidade de solo e vegetação, monitoramento de deformação de solo, medidas de biomassa e identificação de objetos enterrados.

Desafios pela frente
Sem similares no mercado nacional, a nova tecnologia enfrenta o desafio de explorar mercados inéditos. Considerando o custo dos componentes eletrônicos e a alta tecnologia envolvida, o equipamento completo não é vendido por menos de R$ 1 milhão, sem contar o valor do drone. Também pesa a existência de outras tecnologias complementares de menor custo que atendem a demandas específicas de produtores rurais – nenhuma delas, contudo, oferece as funcionalidades do aparelho da Radaz.

Dependendo do objetivo, o monitoramento das lavouras pode ser feito com câmeras convencionais simples, do tipo RGB, que captam apenas o espectro visível e são vendidas por R$ 12 mil a R$ 60 mil. Já as multiespectrais, que abrangem outras frequências, como o infravermelho, custam até US$ 300 mil (cerca de R$ 1,6 milhão). Aparelhos desse tipo podem fornecer dados satisfatórios sobre o crescimento, biomassa e estado de saúde das plantas, de acordo com o engenheiro ambiental Lucas Osco, da Universidade do Oeste Paulista (Unoeste) e da unidade Instrumentação da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), em São Carlos, que trabalha com sensoriamento remoto.

Outra alternativa, segundo Osco, é a tecnologia Lidar (detecção de luz e medida de distância), que usa feixes de laser no lugar de sinais de radar. Com preços a partir de R$ 100 mil e podendo chegar a cerca de R$ 1 milhão, ela faz mapeamentos detalhados tridimensionais, porém apresenta restrições de visibilidade, dando espaço para o uso do SAR.

Tecnologias inovadoras voltadas ao campo também precisam superar questões relacionadas à regulamentação e capacitação dos operadores. Além disso, há resistência dos agricultores brasileiros que, no passado recente, obtiveram resultados aquém do esperado dos drones que prometiam aumentar a produção. “Os produtores optam por tecnologias que já estão estabelecidas, com retorno alto e garantido. Isso dificulta a venda de produtos inovadores”, observa o engenheiro-agrônomo José Marques Júnior, da Universidade Estadual Paulista (Unesp), campus de Jaboticabal, especialista em análises de solos (ver Pesquisa FAPESP nº 336).

A reportagem acima foi publicada com o título “Visão profunda do campo” na edição impressa nº 349 de fevereiro de 2025.

Projetos
1. Radar de sensoriamento remoto transportado por drone (n° 19/22222-1); Modalidade Programa Pesquisa Inovativa em Pequenas Empresas (Pipe); Pesquisador responsável Dieter Lubeck (Radaz); Investimento R$ 902.269,23.
2. Metasurfaces totalmente dielétricas fortemente ressonantes baseadas em modos quase-escuros e toroidais (n° 21/06506-0); Modalidade Auxílio à Pesquisa – Regular; Acordo de Cooperação Consiglio Nazionale delle Ricerche (CNR), Itália; Pesquisador responsável Hugo Enrique Hernández Figueroa (Unicamp); Investimento R$ 225.357,66.

Artigos científicos
LUEBECK, D. et al. Drone-borne differential SAR interferometry. Remote Sensing. v. 12, n. 5, 778. 29 fev. 2020.
ORÉ, G. et al. Crop growth monitoring with drone-borne DInSAR. Remote Sensing. v. 12, n. 4, 615. 12 fev. 2020.
ORÉ, G. et al. Predicting sugarcane harvest date and productivity with a drone-borne tri-band SAR. Remote Sensing. v. 14, n. 7, 1734. 4 abr. 2022.
ORÉ, G. et al. Soil moisture estimation of bare and vegetation-covered areas using a P/L/C-band SAR. ArXiv. 16 dez. 2024.
ORÉ, G. et al. Ant nest detection using underground P-band TomoSAR. ArXiv. 16 dez. 2024.
ORÉ, G. et al. Locating buried bodies using SAR tomography. IEEE International Geoscience and Remote Sensing Symposium. 7-12 jul. 2024, Atenas.

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