Lisa Spindler Photography Inc. / Getty Images Os medicamentos corticoides têm sido usados há mais de 10 anos para apressar o amadurecimento de bebês prematuros, que nascem com seis a sete meses de gestação (24 a 34 semanas), e assim reduzir seus problemas respiratórios. Para os chamados prematuros tardios, que nascem entre 34 e 36 semanas, os médicos também usavam corticoides, mas havia dúvidas se essa estratégia realmente funcionava. Agora um estudo com 320 gestantes atendidas no Instituto de Medicina Integral Prof. Fernando Figueira (Imip), de Recife, mostrou que é indiferente dar ou não medicamento: não houve ganhos relevantes no estado de saúde dos bebês das 157 mulheres que tomaram placebo e das 163 que tomaram corticoide. Os bebês cujas mães tomaram corticoide apresentaram apenas um pouco menos icterícia que o outro grupo.
Esse trabalho, o primeiro desse tipo realizado no Brasil, pode ajudar os médicos a repensarem as estratégias para lidar com as gestações que terminam entre 34 e 36 semanas – os bebês que nascem depois de 37 semanas, chamados de termo, já são considerados normais. “Antes chamávamos os prematuros tardios de quase-termo, achando que não teriam muitos problemas”, diz Melania Amorim, professora da Universidade Federal de Campina Grande (UFCG), médica no Imip e coordenadora desse estudo. “Depois vimos que eles apresentam menos problemas de saúde que um prematuro, mas mais do que um bebê normal, e precisam de cuidados especiais.”
Os prematuros – e, em menor intensidade, os prematuros tardios – costumam ter, principalmente, problemas respiratórios, já que o pulmão não está maduro, além de distúrbios metabólicos, dificuldade em digerir e icterícia. A prematuridade, que costuma vir com esses problemas, responde por cerca de 40% da mortalidade infantil. De acordo com o Instituto Nacional da Saúde da Criança (NICH) dos Estados Unidos, a mortalidade de bebês prematuros que nascem com 501 a 750 gramas (g) é de 60%; de 750 g a 1 quilograma (kg) é de 23%; de 1 kg a 1,2 kg é de 10%; e acima de 1,250 kg é de 7%. Um bebê normal nasce com peso entre 2,8 kg e 3,2 kg.
“Desde os anos 1990 o corticoide ajuda bastante a reduzir as consequên-cias da prematuridade”, diz Melania, atenta para a eficácia desse tipo de medicamento desde o doutorado, concluído em 1998. “Achávamos que seria efetivo também para os prematuros tardios, mas infelizmente não foi. É indiferente dar ou não dar. O corticoide não vai melhorar o desconforto respiratório. Temos de pensar outra estratégia para enfrentar esse problema.” Embora ineficaz, o corticoide, por causa da dosagem baixa, segundo a pesquisadora, não deve prejudicar o sistema imune – em adultos, corticoides podem às vezes enfraquecer as defesas do organismo contra microrganismos e tumores.
Das 320 gestantes que participaram do estudo no hospital de Recife, 163 tomaram corticoide e 157 placebo, entre abril de 2008 e junho de 2010. Os líquidos que lhes eram aplicados em dose única tinham a mesma cor, volume e embalagem; eram identificados por meio de um código e apenas o farmacêutico que os havia preparado sabia qual era qual. Em cada grupo nasceram 143 e 130 bebês prematuros tardios, cujo estado de saúde se mostrou bastante próximo, de acordo com o artigo que detalha esse estudo, publicado em abril na British Medical Journal (BMJ). A taxa de síndrome do desconforto respiratório foi baixa (dois bebês no grupo cujas mães tomaram corticoide e um no grupo controle), mas a de respiração ofegante, a taquipneia, foi alta (34 e 29 em cada grupo).
A necessidade de respiração artificial foi de cerca de 20% nos dois grupos. Não houve diferença expressiva na morbidade neonatal (88 bebês nas mães-corticoides e 93 nas mães-placebo) ou no tempo em que os bebês permaneceram nos hospitais (5,1 dias no primeiro grupo e 5,2 no segundo). Melania ressalta que esses resultados, embora tenham merecido um comentário positivo em um dos editoriais da BMJ, ainda precisam ser reiterados por outras equipes em estudos mais abrangentes. Um estudo amplo, com 2.800 mulheres, está em andamento nos Estados Unidos, com resultados previstos para 2013.
Partos antecipados
“Os resultados são clinicamente e cientificamente importantes”, comentou o médico brasileiro Jaques Belik, professor de pediatria da Universidade de Toronto, Canadá. “Em minha opinião esse estudo definitivamente confirma que corticosteroides não estão indicados em gravidez com ruptura de bolsa além das 34 semanas.” Ruth Guinsburg, professor de pediatria da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), alerta que a prematuridade tardia preocupa no mundo inteiro. “No Brasil”, diz ela, “com as alarmantes taxas de cesáreas sem uma indicação definitiva, antes de 39 semanas, a preocupação com a prematuridade tardia é ainda maior”.
O elevado número de cesáreas eletivas fora de trabalho de parto, após uma gestação de 37 e 38 semanas, e, muitas vezes, a interrupção programada entre 34 e 36 semanas por morbidade da mãe e do bebê, segundo ela, “resultam em um número absoluto de recém-nascidos preocupante”. Os bebês que nascem nessas circunstâncias geralmente permanecem sob tratamentos intensivos, precisam de fototerapia, têm dificuldade para amamentar e permanecem internados por cinco a 10 dias, “gerando custo emocional para as famílias, custos financeiros para o país e possibilidade de sequelas para as crianças”.
Entre as 34ª e 40ª semanas de gestação, lembra ela, é quando ocorre boa parte do crescimento do cérebro. Essa é uma das razões pelas quais a prematuridade tardia pode prejudicar a capacidade de aprendizagem na idade escolar. “É lógico que uma parte dessas gestações apresenta indicações indiscutíveis para a resolução do parto”, diz ela. “Mas há outra parte em que o prolongamento da gestação ou a resolução do parto após o início do trabalho de parto seria benéfico em todos os sentidos.” O que os médicos de Recife viram bastou para repensarem as estratégias de atendimento às mulheres gestantes de prováveis prematuros. “Agora, sempre que possível, procuramos sustentar a gravidez e adiar o parto, para que o bebê nasça após 37 semanas”, diz Melania. “Já estamos mudando a rotina do serviço de obstetrícia para atendermos melhor os prematuros tardios.”
Artigo científico
PORTO, A.M.F. et al. Effectiveness of antenatal corticosteroids in reducing respiratory disorders in late preterm infants: randomized clinical trial. BMJ. 2011. On-line