Um método simples e prático para avaliação de anemia, composto de um aparelho portátil que mede a concentração de hemoglobina no sangue e instantaneamente dá o resultado, está em fase final de validação. A hemoglobina, proteína existente nas hemácias e no plasma, responsável pelo transporte de oxigênio, é o principal parâmetro utilizado para indicação da falta de ferro no organismo, chamada de anemia ferropriva. O aparelho foi desenvolvido para atender aos programas de saúde pública, mas também poderá ser usado em clínicas. Uma picada no dedo é suficiente para retirar o sangue com uma pipeta, que em seguida é transferido para uma ampola com reagente. Depois de o conteúdo líquido estar homogêneo, a ampola é encaixada em um espaço apropriado no equipamento. A leitura é feita por um fotômetro, composto por um diodo emissor de luz, ou LED (da sigla em inglês light emitting diode), na cor verde – comprimento de onda que a molécula de hemoglobina absorve – e de um detector de luz do outro lado.
“O feixe de luz mede a fração de energia luminosa absorvida pela amostra”, explica Paulo Alberto Paes Gomes, físico de formação e coordenador do projeto apoiado pela FAPESP por meio do Programa Pesquisa Inovativa na Pequena e Micro Empresa (Pipe). Pela quantidade de luz que é absorvida é possível dosar a quantidade de hemoglobina na amostra. Basta apertar um botão que o resultado aparece em um mostrador. A leitura dos padrões de hemoglobina, que correspondem a valores normais ou baixos, é feita por um chip previamente programado. “A estimativa é que cerca de 17% das crianças brasileiras de 4 a 6 anos tenham anemia ferropriva, o que configura um grave problema de saúde pública, porque é a idade em que o sistema nervoso está se desenvolvendo e, com isso, o aprendizado fica prejudicado”, diz o professor Jair Ribeiro Chagas, do Departamento de Ciências da Saúde da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), que participa da pesquisa.
Um equipamento sueco portátil é atualmente a principal referência para medição de hemoglobina. Só que, em vez da ampola, uma pequena lâmina transporta a gota de sangue para dentro do aparelho que faz a leitura. O novo método de leitura e medição da proteína possibilitou um pedido de patente, depositado no Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI), com apoio da FAPESP. O preço do aparelho e o custo dos exames são citados pelos pesquisadores como pontos a favor do aparelho nacional. “O equipamento importado custa cerca de R$ 4 mil, enquanto o que desenvolvemos deverá ficar no máximo em R$ 2 mil, com impostos inclusos”, diz Chagas. “O exame com a ampola e o reagente fica em cerca de R$ 1,50, mesmo em pequena escala, enquanto outros métodos custam entre R$ 5,00 e R$ 7,00”, ressalta Gomes.
A primeira idéia dos pesquisadores era trabalhar no desenvolvimento de um equipamento para medir a enzima conversora de angiotensina, uma proteína importante no tratamento da hipertensão. “Queríamos um equipamento que facilitasse a medida dessa enzima no laboratório”, conta Chagas, que trabalha com enzimas proteolíticas. Nessa mesma época, em 2004, o pesquisador exercia o cargo de pró-reitor de pesquisa e graduação da Universidade de Mogi das Cruzes (UMC), após se licenciar na Unifesp. Foi na universidade que conheceu Gomes, que, após cursar física e concluir o doutorado em engenharia biomédica na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), formou um grupo de pesquisa em engenharia biomédica na área de eletrofisiologia do coração com apoio do Programa Jovens Pesquisadores da FAPESP. Quando efetivamente decidiram dar início ao desenvolvimento, Gomes, que já estava afastado da universidade, ficou responsável pelo projeto na empresa Sépia, abrigada na Intec, incubadora de base tecnológica de Mogi. O terceiro sócio na empresa, Maurício Marques de Oliveira, formado em veterinária pela Universidade de São Paulo e com mestrado em engenharia biomédica pela UMC, juntou-se ao grupo no início de 2006.
Avaliação tecnológica
A idéia inicial foi ampliada para medição de outros parâmetros, como hemoglobina, sódio, potássio, glicose e colesterol, todos em um único equipamento. No final de 2006, durante o desenvolvimento do projeto, surgiu uma chamada de propostas para incorporação de novas tecnologias ao Sistema Único de Saúde (SUS), uma parceria entre o Ministério da Saúde, a Secretaria da Saúde do Estado de São Paulo e a FAPESP. Como as pesquisas estavam adiantadas e um primeiro protótipo para medição de hemoglobina já estava pronto, os pesquisadores apresentaram o equipamento para Mário Maia Bracco, médico responsável pelo Centro Assistencial Cruz de Malta, organização não-governamental que atua na região do Jabaquara, zona Sul de São Paulo, para que avaliasse a tecnologia empregada e a possibilidade de aplicação no SUS. A Cruz de Malta, conveniada com a Unifesp nas áreas de enfermagem, oftalmologia e pediatria, conta com um ambulatório clínico que atende mães e crianças do bairro. O projeto foi aprovado pela FAPESP e pelo comitê de ética da universidade.
“Na validação foram avaliadas mais de cem crianças entre 4 e 6 anos, com o nosso aparelho, o importado, comprado para a avaliação, e o equipamento normal de laboratório que eles já usavam no ambulatório”, relata Chagas. Participaram dessa etapa agentes do Programa de Saúde da Família da Unifesp. Além do exame de sangue, foram feitas medidas de peso e altura das crianças. “Elas apresentaram uma prevalência muito alta de anemia, entre 20% e 21%”, ressalta. Após a comprovação de que o equipamento efetivamente funcionava, foi feito um acordo com a prefeitura de Ilhabela, no litoral norte paulista, para avaliação de crianças também em idade pré-escolar. Nessa etapa foram avaliadas 670 crianças.
“Dessas, 18% apresentaram anemia”, relata Chagas. Todas as famílias de crianças que apresentaram anemia receberam uma carta com recomendações alimentares e após 45 e 90 dias foram feitos novos exames para avaliação do nível de hemoglobina no sangue. Encerrada essa etapa, os pesquisadores propuseram ampliar o estudo para outras localidades, como Santa Luzia do Itanhi, cidade no litoral de Sergipe, foz do rio Amazonas e para outras periferias de São Paulo. “Nosso objetivo era avaliar a utilização do equipamento em cenários e condições ambientais e sociais diversos”, diz Oliveira.
Em julho deste ano uma equipe composta pela médica pediatra Juliana Teixeira e por pesquisadores do grupo passou dez dias no município sergipano, avaliando todas as crianças em idade pré-escolar. “Foram 230 exames, com diagnóstico de anemia em 22% das crianças”, relata Gomes. Na segunda semana de agosto Bracco visitou de barco comunidades ribeirinhas na foz do rio Amazonas, no Amapá, para testar a eficácia do equipamento. Nesse caso foram avaliadas 370 pessoas, entre adultos e crianças, amostragem que apresentou mais de 40% de incidência de anemia.
Pelos resultados apresentados, o equipamento respondeu bem a todas as demandas em diferentes ambientes. “Embora seja um efeito colateral do projeto principal, este aparelho é muito interessante do ponto de vista da saúde pública”, diz Chagas. Quanto ao equipamento multifunção para medir potássio, sódio e outros parâmetros, está pronto um primeiro protótipo, mas ainda falta a validação, que engloba dez diferentes exames.
Os Projetos
1. Fluorímetro simplificado para medição da atividade da enzima conversora de angiotensina (ECA) em fluidos biológicos (nº 04/14274-6); Modalidade Programa Pesquisa Inovativa na Pequena e Micro Empresa (Pipe); Coordenador Paulo Paes Gomes – Sépia; Investimento R$ 326.778,35 (FAPESP)
2. Solicitação de auxílio para registro de patente para o hemoglobinômetro portátil HB-010 e método associado (nº 06/61239-7); Modalidade Programa de Apoio à Propriedade Industrial; Coordenador Paulo Paes Gomes – Sépia; Investimento R$ R$ 6.000,00 (FAPESP)
3. Avaliação da tecnologia empregada no homoglobinômetro HB-010 e possibilidade de aplicação pelo Sistema Único de Saúde convênio FAPESP-CNPq-SUS (nº 06/61907-0); Modalidade Programa Pesquisa para o SUS – Políticas Públicas; Coordenador Mário Bracco – Cruz de Malta; Investimento R$ 178.185,00 (FAPESP)