Imprimir PDF Republicar

Indicadores

Retrato mais nítido

Levantamento mostra quem financia e quem faz pesquisa e desenvolvimento no estado de São Paulo

Uma nova metodologia para calcular os investimentos em pesquisa e desenvolvimento (P&D) no estado de São Paulo produziu um retrato mais robusto desse tipo de esforço, que é associado à geração de conhecimento, inovação e riqueza. O desenvolvimento e a implantação dessa metodologia foram conduzidos pela Gerência de Estudos e Indicadores da FAPESP, em parceria com a Fundação Seade. A abordagem adota critérios mais próximos dos recomendados internacionalmente, amplia a cobertura do universo de instituições que realizam atividades de P&D, permite a produção de novos indicadores sobre o tema e refina métodos utilizados para produzi-los. Um de seus resultados, o que mede os recursos aplicados em P&D por universidades, institutos de pesquisa e hospitais instalados no estado, atingiu o valor de R$ 12,87 bilhões, em 2018. O montante não se afasta muito dos R$ 12,12 bilhões aferidos no mesmo período pela metodologia adotada anteriormente e divulgados no relatório anual de atividades da FAPESP, mas a nova análise tem maior acurácia e permitiu construir várias outras estatísticas, como matriz de financiamento versus execução das atividades de P&D no estado de São Paulo (ver quadro).

A diferença entre os valores obtidos segundo as duas abordagens se explica por três fatores principais. O primeiro é que o novo modelo utilizou dados obtidos de fontes primárias. As instituições que realizam atividades de P&D responderam a questionários eletrônicos fornecendo informações detalhadas sobre seu quadro de pessoal, suas receitas e suas despesas em 2018. Essas informações foram complementadas e cotejadas com as originárias de fontes públicas sobre orçamentos, agências de fomento, ensino superior, pós-graduação, entre outras. A metodologia anterior era calcada exclusivamente nessas fontes secundárias, que não permitem enxergar, na maior parte dos casos, de onde vieram os recursos e o montante de fato investido.

Em segundo lugar, o novo levantamento é mais representativo que o antecessor. O número de organizações contempladas é maior, pois houve a preocupação de incorporar, além das universidades e institutos estaduais e federais, também instituições privadas dedicadas a P&D e hospitais públicos ou filantrópicos que, além de prestar assistência à população, também fazem pesquisa.

Por fim, refinou-se a forma de estimar as atividades de P&D nas universidades e outras instituições de ensino superior. Em parceria com a Pró-reitoria de Desenvolvimento Universitário da Unicamp, foi feito um estudo-piloto para calcular a parcela de tempo que os professores universitários dedicam à pesquisa. A partir daí, estimou-se a proporção dos recursos executados pelas universidades que pode ser considerada investimento em P&D, procedimento semelhante ao adotado em muitos países. O estudo-piloto evidenciou algo que já se sabia:  a maioria dos docentes trabalha em regime de dedicação integral e sua jornada, além das atividades de pesquisa, também se desdobra em aulas, projetos de extensão e tarefas de gestão. Mas também constatou que a divisão do tempo varia de acordo com o campo do conhecimento. Em ciências exatas e da Terra, os docentes dedicam em média 57% de sua jornada à pesquisa, enquanto na área de humanidades a proporção é de 51% e em ciências sociais aplicadas 47%. Em ciências da saúde, o índice é o mais baixo, de 40%. Ocorre que os professores da área médica dedicam tempo significativo ao atendimento clínico, não contabilizado como atividade de P&D. Os percentuais obtidos foram aplicados às demais instituições de ensino superior e adequados às respectivas distribuições de seus professores por área de conhecimento. “A melhor segregação dos investimentos em P&D nas universidades foi um ganho importante do levantamento”, explica a economista Sandra Hollanda, que é consultora do programa da FAPESP voltado à construção de um sistema de Indicadores de Ciência, Tecnologia e Inovação para o estado de São Paulo e trabalhou na elaboração do trabalho.

Já em relação aos dispêndios em P&D do setor empresarial, ambas as metodologias compartilham a mesma fonte: os dados agregados sobre empresas paulistas extraídos da Pesquisa de Inovação (Pintec), divulgada a cada três anos pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Os investimentos em P&D das empresas paulistas alcançaram R$ 12,7 bilhões em 2018, de acordo com dados atualizados a partir da última edição da Pintec, divulgada em abril passado (ver Pesquisa FAPESP nº 291). A estimativa feita no relatório de 2018, baseada em projeções da Pintec divulgada há três anos, era de um dispêndio maior, de R$ 15,5 bilhões, que não se confirmou devido à recessão.

Uma das grandes contribuições da nova metodologia é a possibilidade de calcular os dispêndios sob duas óticas: a da execução, mostrando as categorias de instituições que fazem P&D de modo efetivo, e a do financiamento, mapeando a participação dos governos federal e estadual e das empresas nos investimentos e as organizações que mais os utilizam. Quem mais patrocinou os esforços de P&D no estado em 2018 foram as empresas (49% do total). Em seguida vem o governo, com 44% (ver quadro). E quem mais executou esses recursos foram, novamente, as empresas (50% do total). As universidades realizaram 31% dos dispêndios; outras instituições públicas, 13%, e organizações sem fins lucrativos, 6%. “Essa matriz de financiamento e execução é semelhante à da maioria dos países, onde a P&D realizada nas universidades públicas é custeada sobretudo pelo governo e as empresas são as principais patrocinadoras da pesquisa que elas próprias fazem”, explica Hollanda.

Essa forma de analisar os dispêndios segue as normas da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), que reúne 37 países entre os mais industrializados do mundo. “Os critérios que estamos adotando se baseiam no Manual de Frascati, criado pela OCDE, que é referência para quem trabalha com estatísticas sobre P&D em todo o mundo”, explica o economista Sinésio Pires Ferreira, gerente de Estudos e Indicadores da FAPESP. Uma vantagem do trabalho é que os resultados são comparáveis com estatísticas internacionais, já que boa parte dos países adota os princípios da OCDE. A desvantagem é que, seguindo esses critérios, os dados sobre São Paulo não podem ser confrontados com os produzidos pelas outras unidades da federação e pelo Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), que seguem usando informações secundárias para medir o esforço público em P&D. “A FAPESP está avaliando a possibilidade de manter a divulgação dos dados também com a metodologia anterior, para não descontinuar a série histórica e ter um indicador compatível com o adotado nacionalmente, ainda que o MCTI não utilize exatamente os mesmos moldes que a Fundação costumava usar”, diz Ferreira. Os novos critérios foram apresentados ao ministério. Em tese, o modelo poderia ter utilidade para o governo federal se o Brasil ingressar na OCDE – o processo de adesão está em curso – e precisar produzir estatísticas alinhadas com as da entidade.

A divulgação de indicadores de esforços e resultados das atividades científicas e tecnológicas no estado faz parte das atribuições da FAPESP. Entre 1998 e 2010, a Fundação publicou quatro livros sobre o tema. Nos últimos anos, as estatísticas passaram a ser divulgadas em boletins e na seção Dados, de Pesquisa FAPESP. Em anos recentes, a Fundação tem realizado mapeamento detalhado das organizações científicas e tecnológicas e contabilizado, a partir da Pintec, as empresas inovadoras em atividade no estado. Segundo a última atualização, o sistema de ciência e tecnologia do estado de São Paulo atualmente é composto por 73 instituições de ensino superior (19 públicas, inclusive quatro hospitais universitários, e 54 privadas), 12.831 empresas que fazem inovação (das quais 3.420 com atividades internas de P&D), 40 instituições públicas de pesquisa, inclusive sete hospitais, além de 24 institutos de pesquisa privados sem fins lucrativos, dos quais sete são de atendimento à saúde. Esse mapeamento serviu como bússola para a coleta de dados sobre P&D em um conjunto de instituições mais abrangente do que se fazia anteriormente.

A Fundação Seade, centro de produção de estatísticas socioeconômicas e demográficas ligada ao governo paulista, deu apoio para a elaboração e execução do levantamento. “Eles têm experiência em obter dados primários como os que queríamos apurar”, diz Ferreira, que já foi diretor-adjunto do órgão. A parceria envolveu a formulação de um questionário eletrônico inspirado em modelos aplicados em outros países e adaptável à realidade de cada instituição. “Há diferenças na forma como universidades e institutos de pesquisa se organizam e registram suas atividades. O questionário permitiu extrair dados confiáveis e padronizados em meio a essas variações”, explica Ferreira. A expertise da Fundação Seade em trabalhar com regras que envolvem a preservação do sigilo de dados fornecidos também foi importante. Cada participante declarou dados sobre seus dispêndios e atividades em P&D, mas acertou-se que muitas dessas informações só serão divulgadas de forma agregada. “Várias instituições tinham receio de que suas informações se tornassem públicas e nós garantimos que apenas o conjunto de dados seria divulgado, de modo que não fosse possível identificá-las”, afirma.

Republicar