EDUARDO CESAR E MARCIA MINILLOFoi o maior negócio já feito no Brasil envolvendo empresas de biotecnologia desenvolvidas por meio de capital de risco. Por US$ 290 milhões, o equivalente a R$ 616 milhões, a multinacional Monsanto comprou no dia 3 de novembro as empresas brasileiras Alellyx Applied Genomics e CanaVialis, ambas sediadas em Campinas (SP) e criadas pelo fundo de capital de risco Votorantim Novos Negócios para procurar soluções tecnológicas direcionadas ao cultivo de cana-de-açúcar, laranja e eucalipto.
A Alellyx foi fundada em 2002, com a reunião de um grupo de pesquisadores que participaram no final dos anos 1990 do seqüenciamento do genoma da Xylella fastidiosa – a bactéria causadora da praga do amarelinho nos laranjais –, financiado pela FAPESP. Tornou-se uma empresa de pesquisa aplicada dedicada à criação – com base na genética molecular – de produtos e tecnologias que beneficiem a agricultura. Alellyx é Xyllela ao contrário.
Para criar a CanaVialis, em 2003, a Votorantim Novos Negócios reuniu pesquisadores experientes em melhoramento genético de cana, com destaque para os da Rede Interuniversitária para Desenvolvimento do Setor Sucroalcooleiro (Ridesa). A CanaVialis é hoje a maior empresa privada de melhoramento de cana-de-açúcar do mundo, está desenvolvendo variedades da planta com vantagens genéticas e tem contratos com 46 usinas de cana. O investimento da Votorantim Novos Negócios na criação das duas empresas foi de cerca de US$ 40 milhões.
As duas empresas continuarão a ser administradas de forma independente e seus 250 funcionários serão mantidos. Em suas instalações, a Monsanto vai concentrar suas atividades mundiais de pesquisa e desenvolvimento em cana-de-açúcar. A chave do negócio foi o interesse da multinacional em investir no emergente mercado de cana e transformá-la na quarta cultura de seu portfólio de negócios, ao lado do milho, da soja e do algodão.
“A cana-de-açúcar está sendo eleita pela Monsanto como uma cultura global”, observou André Dias, presidente da Monsanto do Brasil. “As demandas mundiais por açúcar e biocombustíveis estão começando a crescer em um ritmo mais rápido do que os níveis de produção de cana-de-açúcar. Esperamos que a aquisição da CanaVialis e Alellyx nos permita combinar nossos conhecimentos em melhoramento de lavouras de soja, milho e algodão ao melhoramento da cana-de-açúcar. O objetivo é aumentar a produtividade desta cultura e reduzir a quantidade de recursos necessários para sua produção”, afirmou Dias. Segundo ele, o Brasil vai se transformar na plataforma de pesquisa e desenvolvimento de cana da Monsanto. “O país terá um papel de destaque não só como gerador de tecnologia, mas também como usuário das tecnologias.” Dos 20,2 milhões de hectares de cana plantados em todo o mundo, mais de 6,8 milhões de hectares estão no Brasil. A safra 2007/2008 deve colher 547 milhões de toneladas, 15,2% a mais do que a anterior. Metade dela é destinada à fabricação de etanol, o que faz do Brasil o segundo maior produtor do combustível no mundo. O primeiro lugar cabe aos Estados Unidos, que extraem etanol do milho.
A Monsanto investe atualmente US$ 800 milhões em pesquisa e desenvolvimento – a cana-de-açúcar passará a disputar um quinhão desse investimento. Para Ricardo Madureira, presidente da Alellyx e da CanaVialis, a aquisição permitirá às duas empresas dar mais velocidade a seu trabalho de pesquisa e desenvolvimento. Em 2009, por exemplo, a CanaVialis deve apresentar uma cana de ciclo precoce, colhida no início da safra e com mais sacarose, obtida por melhoramento genético tradicional. “Já vínhamos trabalhando há um ano e meio nesse projeto, inclusive em parceria com a Monsanto”, disse Madureira. A CanaVialis também desenvolve plantas transgênicas junto com a Alellyx. Em 2006, a primeira cana transgênica começou a ser testada numa propriedade agrícola no Paraná. Essa cana possui um gene retirado do vírus causador do mosaico, uma das doenças que atacam essa cultura. O gene manipulado pela Alellyx conferiu resistência à doença em laboratório.
André Dias, o presidente da Monsanto, disse esperar que a aquisição propicie o lançamento de novas tecnologias por volta de 2016. “Embora seja um investimento de longo prazo que completa nosso portfólio de pesquisa e desenvolvimento, esperamos levar germoplasmas para outras áreas de plantio ao redor do mundo em meados da próxima década”, afirmou. A Monsanto não está sozinha no interesse pela cana. No final de outubro, a multinacional suíça Syngenta AG informou que está entrando no mercado de cana e desenvolvendo uma nova tecnologia capaz de reduzir os custos do plantio por hectare em torno de 15%. A inovação deve ser lançada em 2010.
Transferência de tecnologia
Fernando Reinach, diretor-executivo da Votorantim Novos Negócios, afirma que a venda aconteceu um pouco antes do que se previa inicialmente. “Imaginávamos que isso fosse demorar pelo menos uns oito anos para acontecer”, afirmou. “Mas esse é o princípio do venture capital. Você investe em pesquisa científica com potencial tecnológico e faz a parte mais arriscada. Transforma num negócio e mais tarde vende para quem terá fôlego para investir na sua expansão. É comum que a transferência de tecnologia para a sociedade seja feita por grandes empresas”, explicou Reinach, que é professor da Universidade de São Paulo e foi um dos coordenadores, no final da década de 1990, do seqüenciamento da Xylella fastidiosa.
Ele ressalta que, apesar da venda para uma empresa estrangeira, o complexo de pesquisa e desenvolvimento da Alellyx e da CanaVialis permanecerá no Brasil. “Trata-se do primeiro grande caso de empresa de venture capital de pesquisa científica no Brasil que tem sucesso, o que pode abrir espaço para novas iniciativas e investimentos”, afirmou. Ele lembra que, quando o genoma da Xylella fastidiosa foi publicado na revista Nature, em 2000, um dos pesquisadores do programa, João Paulo Kitajima, da Unicamp, monitorou as empresas que fizeram o download do seqüenciamento assim que as informações foram disponibilizadas na internet. Nenhuma empresa brasileira se interessou, ao contrário de diversas multinacionais. “Me lembro que, na época, escrevi um artigo dizendo que estávamos despreparados para o sucesso, pois havíamos alcançado um feito científico, mas o país não tinha estrutura para se beneficiar daquele ganho”, disse. Embora as duas empresas tenham sido vendidas para uma multinacional, Reinach vê hoje uma situação bem diferente. “Ainda não temos empresas brasileiras com fôlego para investir, mas teremos um centro de pesquisa mundial localizado no Brasil e isso faz muita diferença”, afirma Reinach. “A Monsanto não tem conhecimento em cana-de-açúcar. É uma cultura nova para eles”, diz o pesquisador.
De acordo com Reinach, as negociações para a venda duraram oito meses e havia outras empresas estrangeiras na disputa. “Foi um leilão”, afirma. Desde o ano passado a Monsanto tinha uma parceria tecnológica com a CanaVialis e a Alellyx para desenvolver e comercializar as tecnologias da Monsanto aplicadas à cana-de açúcar, como a tecnologia BT, com a propriedade de tornar a planta resistente a pragas, e a Roundup Ready (RR), que torna plantas resistentes ao herbicida glifosato.
Segundo Carlos Henrique de Brito Cruz, diretor científico da FAPESP, a venda das duas empresas é um raro e alentador exemplo no país de criação de valor e riqueza a partir de pesquisa científica competitiva internacionalmente. “Nesse formato, que consiste em criar uma pequena empresa, criar propriedade intelectual nesta empresa e vendê-la a um valor superior ao investido, só me lembro do caso da empresa mineira Akwan Information Technologies, adquirida pelo Google”, diz Brito Cruz. A Akwan, um site de buscas criado por professores da Universidade Federal de Minas Gerais, foi comprada em 2005 e se tornou o centro de pesquisa e desenvolvimento do Google na América Latina. “Esse caso demonstra uma possibilidade importante que o Brasil precisaria explorar mais. O fato de a Monsanto operar sua plataforma de pesquisa e desenvolvimento em cana no Brasil também é um elemento positivo, porque de novo demonstra que pesquisa competitiva atrai investimento e atividade de grandes empresas mundiais.”
Para o físico José Fernando Perez, diretor científico da FAPESP entre 1993 e 2005 e articulador do Programa Genoma FAPESP, cujo primeiro fruto foi o seqüenciamento da Xylella fastidiosa, a venda da Alellyx e da CanaVialis é expressiva também por ocorrer num momento de retração dos investimentos internacionais. “A aquisição não acontece num momento em que há dinheiro sobrando, o que reforça a sua importância. A venda permite que o país receba investimento quando poucos estão recebendo. Quem sabe quais outros países estavam competindo conosco?”, indaga Perez, que hoje é presidente da empresa de biotecnologia Recepta Biopharma. Para ele, a aquisição da Alellyx e da CanaVialis é um indicador de sucesso da visão que formou o Programa Genoma FAPESP. “As lideranças que formaram o programa se envolveram com a Alellyx. O retorno é sem precedentes. Não conheço projeto científico que tenha propiciado um investimento desse porte no Brasil”, disse Perez, que emenda: “A venda mostra que fazer ciência no nosso país pode ser um ótimo negócio”.
Investimento fértil
Perez afirma que o sucesso da venda das empresas mostra o acerto da política de investir nelas – além do investimento em pesquisa genômica da FAPESP e do governo federal, as empresas vinham recebendo recursos públicos para projetos de pesquisa da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep) e do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). “Tanto o investimento público foi fértil que permitiu uma venda em condições vantajosas. A biotecnologia é uma área que exige investimento alto e tem retorno demorado. Em certo momento, as empresas precisam de uma injeção de capital maior e só grandes empresas conseguem isso. É um ciclo que se cumpre para que a pesquisa redunde em produtos de alto valor comercial e cheguem à sociedade.” Perez lembra que, desde a primeira apresentação ao conselho superior da FAPESP, o grande objetivo do Programa Genoma da FAPESP era a formação acelerada de recursos humanos para o desenvolvimento da biotecnologia no país.
O fato de uma multinacional ter arrematado as duas empresas emergentes causou desconforto no governo federal. Em entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo no dia 5 de novembro, o ministro da Ciência e Tecnologia, Sérgio Rezende, disse que ficou “surpreso e decepcionado” com a notícia da venda. “Não sei quanto a Votorantim colocou nessas empresas ao longo desses anos, mas o setor público colocou muito dinheiro”, afirmou Rezende. “A venda para qualquer grupo estrangeiro é decepcionante.” O ministro lembrou que a Finep aprovou R$ 49,4 milhões em subvenção econômica para pesquisas nas empresas nos últimos três anos – dos quais R$ 6,4 milhões já foram desembolsados. “São duas empresas que receberam investimentos do governo e, justo quando esse investimento estava amadurecendo, foram vendidas por um preço bastante módico”, disse.
José Fernando Perez também lamentou que não existam empresas nacionais com apetite para investir nas empresas. “Mas a frustração é pequena em comparação aos indicadores de sucesso”, disse. Brito Cruz, diretor científico da FAPESP, diz que, naturalmente, teria sido melhor se a compra fosse efetivada por um grupo brasileiro. “Mas infelizmente não faz parte da tradição dos investidores brasileiros apostar em atividades relacionadas à ciência e à tecnologia muito avançadas, mesmo que haja algumas honrosas exceções que confirmem a regra”, afirmou.
Republicar