Os nanossatélites não são nano. Afinal, medem até 10 centímetros de aresta ou, se têm formato cilíndrico, até 10 centímetros de altura, quando a escala nanométrica de fato refere-se a medidas da ordem do milionésimo do milímetro. Mas, tenha sido por razões de marketing ou por outras insondáveis motivações de quem os nomeou, o batismo como nanossatélites desses pequenos, leves e multifuncionais artefatos – cujos inventores reconhecidos são Bob Twiggs e Jordi Puig-Suari, professores respectivamente das universidades Stanford e Politécnica da Califórnia – pegou. E parece-me pouco sensata agora qualquer insurgência contra essa falsificação semântica. Aos nanossatélites, pois. E, neste caso, aos brasileiros, que são o tema da reportagem de capa desta edição de Pesquisa FAPESP.
Antes de tudo, numa visão que reconheço como completamente parcial, devo dizer que nada me surpreendeu e encantou tanto nesta reportagem quanto a participação de 150 estudantes de ensino fundamental de uma escola de Ubatuba, São Paulo, na construção de um dos nanossatélites que estão sendo preparados no país para ganhar em breve o espaço. Por isso sugiro particular atenção aos trechos em que essas crianças invadem com graça o texto, mesmo que o satélite Tancredo-1 não seja o mais importante nesse empreendimento do ponto de vista tecnológico – já em termos educacionais, com certeza o é.
São quatro os nanossatélites do tipo cubesat que têm lançamentos previstos para este ano, 10 anos depois de pesquisadores do Inpe, com apoio da Agência Espacial Brasileira, terem iniciado o programa nacional para construção de satélites de pequeno porte, muito valorizados para objetivos de pesquisa científica. Suas finalidades, observa Dinorah Ereno, nossa editora assistente de tecnologia e autora da detalhada reportagem que começa na página 16, vão da detecção de sinais eletromagnéticos que antecedem os terremotos aos testes de sistemas biológicos, como a produção de proteínas bacterianas no espaço, passando por uma variadíssima gama de outras aplicações. Diga-se logo que no plano internacional os primeiros lançamentos de cubesats ocorreram há 11 anos. Desenvolvendo-se a atividade em velocidade crescente, até o presente aconteceram 130 lançamentos, dos quais 65 no ano passado. E, se o Brasil está pouco ou muito defasado neste campo no cenário internacional, é uma conclusão a que os leitores poderão chegar com mais dados a embasá-la, assim esperamos, ao fim da leitura do texto em questão.
Gostaria de destacar também aqui duas reportagens da seção de ciência, ambas envolvendo questões da complexa e sempre desafiadora fisiologia do organismo humano. A primeira, elaborada pelo editor especial Marcos Pivetta, aborda estudos recentes de dois grupos, um liderado por uma pesquisadora brasileira radicada em Londres e o outro coordenado por um pesquisador da Unicamp, que estabelecem conexões importantes entre processos inflamatórios e depressão. Em particular, esses trabalhos articulam inflamação, problemas no sistema imunológico e respostas insatisfatórias ao tratamento com antidepressivos, ao tempo em que acenam com a possibilidade de se encontrar marcadores biológicos que respondam, de saída, se determinado paciente responderá bem ou não a uma dada categoria de antidepressivo. A segunda reportagem, elaborada pelo repórter Rodrigo de Oliveira Andrade, aborda um estudo do grupo da Unifesp liderado por Helena Nader que permitiu diferenciar as estruturas das heparinas de baixo e de ultrabaixo peso molecular, lançando novas luzes a respeito de sua ação como anticoagulante. Como se sabe, no âmbito médico a heparina é a substância básica para enfrentar trombos, coágulos e todas as situações em que se precisa evitar uma coagulação indesejável do sangue. E, de novo, o que aqui está no horizonte prático são vias terapêuticas mais eficientes para tratar esses episódios.
O peso bioquímico desta edição se completa com a entrevista instigante do professor Walter Colli, premiado em março pelo CNPq, pelo conjunto de sua obra, com destaque especial para as pesquisas com o T. cruzi . E por fim, meu espaço já estourando, recomendo a reportagem sobre a importante questão das doações nas universidades brasileiras, elaborada pelo editor assistente de política, Bruno de Pierro.
Boa leitura!
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