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Agronomia

Silício na agricultura

Mineral é usado para controlar pragas, aumentar produtividade e qualidade de produtos agrícolas

Mais conhecido por ser o material básico da indústria eletroeletrônica, na composição de circuitos integrados ou chips, presentes em todos os equipamentos eletrônicos como computadores e celulares, o silício agora está presente também na agricultura brasileira para controlar pragas, aumentar a produtividade e melhorar a qualidade de produtos agrícolas.  Um dos estudos mais recentes no Brasil foi realizado por uma equipe de pesquisadores coordenada pelo engenheiro agrônomo Carlos Alexandre Costa Crusciol, professor do Departamento de Produção Vegetal da Faculdade de Ciências Agronômicas da Universidade Estadual Paulista (Unesp), na cidade de Botucatu.Eles finalizaram em maio deste ano um experimento que mostrou os benefícios da aplicação de silício na cultura de batata, na forma de adubação, incorporando o elemento ao solo.

Os resultados mostraram um aumento da produção total de tubérculos de 14,3% e da produção de tubérculos comercializáveis – a batata boa para o consumo – em 15,8%. Muito desses resultados positivos foi proporcionado por uma redução de 63% no acamamento das plantas. Esse comportamento do vegetal acontece quando os ramos e as folhas crescem e não ficam eretos, e sim deitados no solo causando uma série de problemas. A planta fica privada da fotossíntese em todo o seu potencial e torna-se mais facilmente suscetível a microorganismos patogênicos. O silício promove o fortalecimento da parede celular das folhas e dos caules ao deixar as plantas mais eretas e aumentar a área de exposição ao sol. “A redução no acamamento das hastes, proporcionada pela aplicação de silício, pode estar relacionada com a melhor condição hídrica nas células promovida pelo ajustamento osmótico (que confere melhor permeabilidade), o que resultou em células mais túrgidas (dilatadas) e com maior resistência mecânica”, explica Crusciol.

Elemento químico de símbolo Si, o silício ganhou grande status industrial no século XX por suas propriedades semicondutoras e preço baixo. É o segundo elemento mais abundante da crosta terrestre, logo após o oxigênio. Mas ele nunca é encontrado de forma isolada na natureza, e sim faz parte de minerais como argila, feldspato, granito, quartzo e areia. “Aparece geralmente na forma de dióxido de silício (SiO2) – também conhecido como sílica – e silicatos, que são compostos contendo silício, oxigênio e metais”, diz Crusciol. O silício tem um papel importante nas relações planta-ambiente, porque pode dar à cultura melhores condições para suportar adversidades climáticas, do solo e biológicas, tendo como resultado final um aumento na produção com melhor qualidade do produto. A batata é uma das espécies vegetais mais sensíveis ao déficit hídrico, fenômeno que ocorre em grandes extensões de áreas cultivadas e pode provocar reduções na produção, dependendo do momento de ocorrência e do período de duração.

Água e seca
A disponibilidade da água no solo é um dos fatores ambientais que mais afetam o desenvolvimento da cultura. “A presença de maior quantidade de silício disponível no solo parece trazer benefícios à cultura em relação ao déficit hídrico”, diz Crusciol. O acúmulo de sílica na parede celular reduz a perda de água por transpiração, podendo ser um fator de adaptação ao estresse hídrico.

A fertilização com silício pode também aumentar a resistência a várias doenças fúngicas e outras pragas. A maior absorção desse mineral proporciona uma proteção mecânica da epiderme da planta capaz de reduzir a infecção de fitopatógenos e aumentar a resistência à seca. “No caso das doenças, inúmeros trabalhos mostram que o aumento da resistência da planta ao patógeno pode ser devido a uma alteração das respostas do vegetal ao ataque do parasita, aumentando a síntese de toxinas (fitoalexinas), que podem agir como substâncias inibidoras ou repelentes, além de formarem uma barreira mecânica.” A pesquisa avaliou também os atributos químicos e o teor de silício no solo. Entre os resultados obtidos constatou-se que os corretivos aplicados elevaram os teores de cálcio e magnésio, em relação à análise inicial do solo.

O experimento com a batata foi realizado na casa de vegetação da Faculdade de Ciências Agronômicas no campus da Unesp, em Botucatu, e implicou tratamentos com a presença e ausência de silício, por meio da correção do solo com calcário dolomítico e agrossilício (silicato de cálcio e magnésio), além da mesma metodologia em relação ao déficit hídrico. O agrossilício é produzido pela empresa Recmix, da cidade de Timóteo, em Minas Gerais. A fonte desse tipo de silício para a agricultura tem origem nas escórias de alto-forno de siderúrgicas, principalmente da Companhia Siderúrgica Nacional (CSN) e da Usiminas. O material é coletado pela Recmix, empresa de origem norte-americana, reciclado e transformado em vários subprodutos como o agrossilício.

A utilização do produto aumentou o desempenho da batateira, o que não foi constatado nas plantas tratadas apenas com calcário. “O aumento da produção também pode estar relacionado com a elevação do teor de fósforo no solo e a redução do acamamento devido à aplicação de silicato, que pode ter favorecido a eficiência de interceptação da luz solar e, conseqüentemente, favorecendo o enchimento das batatas.”

Cana e soja
A absorção do silício no solo ocorre quando ele se encontra na forma de ácido monossilícico, proveniente da decomposição de resíduos vegetais, da liberação de silício dos óxidos e hidróxidos de ferro e alumínio, da dissolução de minerais cristalinos e não-cristalinos, da adição de fertilizantes silicatados e da água de irrigação. A maior parte desse mineral é incorporada na parede celular, principalmente nas células da epiderme. Os benefícios do silício na batata também podem ser propagados para outras culturas. Para isso a Faculdade de Ciências Agronômicas da Unesp, em Botucatu, realiza estudos com outras culturas, como soja, arroz e cana-de-açúcar. No caso das gramíneas, como a cana, o silício diminui a transpiração e aumenta a resistência a veranicos. Na soja, a aplicação de silício aumenta a formação de nódulos e a fixação do nitrogênio nas raízes da planta.

“Os resultados obtidos são animadores e evidenciam que a aplicação desse elemento, em muitos casos, gera grandes benefícios para outras culturas”, diz Carlos Crusciol. “Uma das primeiras culturas a usar comercialmente o silício foi a cana-de-açúcar. Duas usinas de açúcar e álcool paulistas já aplicam silicatos em suas plantações. Uma é a Usina Colombo, no município de Ariranha, que aplica silicato em 35 mil hectares de um total de área plantada de 60 mil hectares. A outra é a Usina Guaíra, no município de mesmo nome, que o emprega em 10% dos seus 33 mil hectares de área plantada. As duas ficam na região de Ribeirão Preto. A vantagem para a cana está principalmente no fortalecimento de toda a planta, que fica mais resistente aos insetos e outras pragas. Ao se alimentarem das folhas, colmos e raízes, eles enfrentam um desconforto bucal, ao mastigar ou picar essas partes, provocado por um efeito mecânico originário do silício, que torna a planta mais dura”, explica Crusciol.

Os benefícios do silício na cana-de-açúcar já foram muito bem estudados na África do Sul no combate à broca-da-cana (Eldana saccharina), um inseto cujas larvas se desenvolvem no interior dos colmos. Em experimentos recentes conduzidos pelos pesquisadores Malcolm Keeping e Olivia Kvedaras e outros do Instituto de Pesquisa para o Açúcar da África do Sul (Sasri na sigla em inglês), foi demonstrado que o silício torna os colmos da cana mais resistentes à penetração dos insetos. O uso do silicato de cálcio impediu de 20 a 30% a perda de biomassa e do produto final, o açúcar. “No Brasil existe a broca-da-cana-de-açúcar (Diatraea saccharalis), que é uma das principais pragas da cultura e se parece com a E. saccharina“, diz Crusciol. O uso do silício na agricultura também é estudado e aplicado principalmente no Japão, no cultivo do arroz. Nos Estados Unidos, ele já mostrou também que pode tornar os canaviais (usados para a produção de açúcar) mais resistentes à geada, no estado da Flórida.

A importância do silício está bem definida para algumas culturas, mas muitas de suas funções ainda não estão bem esclarecidas pela ciência, segundo o professor Crusciol. “O silício acumula-se nos tecidos de todas as plantas, representando entre 0,1% e 10% da matéria seca, mas ele não é considerado parte do grupo de nutrientes essenciais ou funcionais do ponto de vista fisiológico para o crescimento e desenvolvimento dos vegetais.” Mas existe a certeza de que cada vez mais vai ser usado na agricultura depois de ser utilizado como o principal componente na fabricação de vidros e cristais, nas células solares, além de ser a base da indústria eletroeletrônica atual e, ainda, compor o silicone usado na medicina para implantes em próteses, fabricação de lentes de contato e servir na produção do concreto armado e de cerâmicas.

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