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Física

Sólidos bem maleáveis

Simulações em computador ajudam a entender a flexibilidade dos cristais de hélio

No hélio sólido, os defeitos (esferas azuis, brancas e verdes) se deslocam ao longo das camadas do cristal

maurice de koning / unicamp No hélio sólido, os defeitos (esferas azuis, brancas e verdes) se deslocam ao longo das camadas do cristalmaurice de koning / unicamp

Cristais compostos de átomos do elemento químico hélio-4 apresentam um comportamento espantoso. Quando atingem temperaturas próximas do zero absoluto (-273 °C), esses cristais, criados em laboratório, adquirem inesperada plasticidade. Deixam de ser rígidos como uma rocha para se tornarem tão maleáveis quanto massa de modelar.

Descoberta em 2013, essa propriedade – a plasticidade gigante do hélio sólido – ainda é pouco entendida. Simulações em computador do comportamento dos átomos de hélio começam a revelar como ela surge. “Nossas simulações sugerem que pequenos defeitos na estrutura do cristal desempenham um papel importante em definir a capacidade do hélio sólido de se deformar plasticamente”, diz o físico Maurice de Koning, da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), um dos autores do estudo publicado em julho na Physical Review Letters.

O hélio é o elemento químico mais leve, depois do hidrogênio. À temperatura ambiente e sob a pressão atmosférica, ele existe na forma de gás. Só quando resfriado a temperaturas próximas ao zero absoluto, o hélio se transforma em líquido. Essa mudança de estado ocorre tanto com a sua variedade de massa atômica 3, em que o átomo é formado por dois prótons e um nêutron, quanto com a de massa atômica 4, contendo dois prótons e dois nêutrons. Se, além de resfriado, ele também for submetido a altas pressões, o hélio-4 congela, transformando-se em um sólido cristalino. No cristal, seus átomos se arranjam em um padrão geométrico mais ou menos uniforme, formado por camadas planas empilhadas.

Como todo cristal, porém, essa estrutura possui defeitos ou discordâncias: ausência de átomos em alguns pontos ou átomos deslocados da posição ideal em outros. Alguns desses defeitos têm a forma de linhas finas e alongadas. Quando determinada força é aplicada sobre o cristal, essas discordâncias podem migrar ao longo de uma mesma camada, fazendo os planos se deslocarem uns em relação aos outros e deformando o material. “Quanto mais facilmente essas discordâncias puderem se mover, menos força é necessária para deformar o material”, explica De Koning.

Aplicando as leis da mecânica quântica, De Koning e dois colaboradores dos Estados Unidos simularam em computador o que ocorre em um cristal de hélio-4 contendo 8 mil átomos (um cristal de milímetros crescido em laboratório contém bilhões de átomos). O cristal virtual era formado por camadas perfeitas, exceto por duas discordâncias, cada uma com algumas dezenas de átomos de comprimento.

As simulações indicaram que, mesmo a temperaturas tão baixas, flutuações na posição dos átomos de hélio fazem as discordâncias mudarem de lugar o tempo todo de modo espontâneo, mesmo quando nenhuma força age sobre o cristal. “A mobilidade delas é extremamente alta”, diz De Koning. “Em temperaturas baixas o suficiente, não é preciso muita força para que elas comecem a se mover.”

“Os cálculos deles concordam precisamente com o observado [em testes com amostras reais de cristal]”, diz o físico Sébastien Balibar, da Escola Normal Superior de Paris, na França, cuja equipe descobriu a plasticidade gigante do hélio. Segundo Balibar, o deslocamento de discordâncias no cristal é o mesmo fenômeno que faz ligas metálicas convencionais, como o aço, tornarem-se maleáveis a altas temperaturas. “Enquanto nesses materiais as discordâncias precisam de altas temperaturas e grandes forças para se moverem, efeitos quânticos fazem as discordâncias do hélio sólido se moverem rapidamente em condições opostas”, observa.

Projeto
Centro de Engenharia e Ciências Computacionais – Cecc (nº 2013/08293-7); Modalidade Programa Centros de Pesquisa, Inovação e Difusão (Cepid); Pesquisador responsável Munir Salomão Skaf (Unicamp); Investimento R$ 14.009.150,98 (para todo o projeto).

Artigo científico
BORDA, E. J. L.; CAI, W. E DE KONING, M. Dislocation structure and mobility in hcp 4He. Physical Review Letters. 22 jul. 2016.

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