Cálculos de uma equipe de físicos teóricos trabalhando em São Paulo e Cingapura sugerem que uma folha de óxido de estanho (SnO) com apenas um átomo de espessura pode adquirir propriedades mecânicas e magnéticas extraordinárias. Materiais formados por uma só camada de átomos são chamados de bidimensionais porque apresentam largura e profundidade, mas têm espessura desprezível. Nos últimos anos, eles vêm despertando o interesse de pesquisadores teóricos e experimentais por causa das propriedades elétricas, magnéticas, mecânicas e ópticas que podem apresentar. O óxido de estanho, por exemplo, cuja estrutura atômica está representada à esquerda nesta página, pode se tornar uma vedete da nanotecnologia, caso as suas propriedades recém-descobertas sejam confirmadas em laboratório. Uma das possibilidades seria usá-lo na fabricação de dispositivos de escala nanométrica para armazenar informações.
“As propriedades mecânicas e magnéticas da camada monoatômica de óxido de estanho dependem da quantidade de carga elétrica que o material recebe”, explica o físico Leandro Seixas, professor do Centro de Pesquisas Avançadas em Grafeno, Nanomateriais e Nanotecnologias (MackGraphe), da Universidade Presbiteriana Mackenzie, inaugurado oficialmente em março deste ano, em São Paulo. Seixas é o primeiro autor de um estudo teórico publicado em maio na revista Physical Review Letters mostrando que, ao alterar o potencial elétrico a que esse material é submetido, torna-se possível controlar o seu arranjo atômico e o grau de magnetização. “É a primeira vez que se prevê a existência de um material bidimensional com esse comportamento”, conta Seixas, que fez o trabalho em colaboração com Aleksandr Rodin, Alexandra Carvalho e Antônio Castro Neto, todos físicos do Centro para Materiais Avançados 2D e do Centro de Pesquisa do Grafeno da Universidade Nacional de Cingapura (NUS). Além de dirigir esses centros, Castro Neto é o pesquisador responsável pelo projeto “Grafeno: Fotônica e optoeletrônica. Colaboração UPM-NUS”, do programa São Paulo Excellence Chair (Spec) da FAPESP, sediado no MackGraphe.
Uma grande transformação ocorre quando blocos de certos materiais sólidos são fatiados em laboratório em camadas cada vez mais finas até chegar à menor espessura possível. Foi o que descobriram os físicos Andre Geim e Konstantin Novoselov, em 2004, quando esfoliaram a grafite, o mineral que constitui o lápis, até produzirem uma folha feita de uma única camada de átomos de carbono – essa camada é o grafeno. Embora seja flexível e liso como uma folha de papel, o grafeno é mais resistente do que o aço. Também é capaz de conduzir eletricidade com uma eficiência milhares de vezes superior à do silício, matéria-prima de toda a tecnologia eletrônica atual, embora não permita controlar bem o fluxo de corrente elétrica. Essa característica dificulta a fabricação de um transistor de computador usando grafeno. De 2004 para cá, no entanto, já se identificaram outros materiais que, sob condições especiais, são capazes de superar essas limitações. Também estão sendo estudadas formas de aperfeiçoar o encaixe de folhas de grafeno sobrepostas a outras estruturas bidimensionais e, assim, combinar as propriedades desses materiais.
Uma das alternativas ao grafeno mais estudadas são as camadas de sulfeto de molibdênio (MoS2), com três átomos de espessura, descobertas em 2005. Mais recentemente, em 2014, pesquisadores descobriram também que o fósforo negro, um material sintético composto unicamente de átomos de fósforo, pode ser esfoliado até formar uma camada monatômica, o chamado fosforeno. Assim como o MoS2, tanto o fosforeno quanto o fósforo negro constituído de poucas camadas atômicas possuem algumas propriedades ópticas e eletrônicas superiores às do grafeno.
As diferenças entre o fósforo negro e o grafeno ainda não foram completamente descobertas. Experiências realizadas este ano no MackGraphe, conduzidas pelo grupo do físico Christiano de Matos, em colaboração com pesquisadores do Instituto de Física Teórica da Universidade Estadual Paulista (Unesp), do Departamento de Física da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e do Centro para Materiais Avançados 2D da NUS, revelaram que os átomos das bordas de camadas de fósforo negro podem vibrar de maneira bastante diferente dos átomos das bordas do grafeno. Descritas em artigo publicado em julho na Nature Communications, essas vibrações de borda podem afetar a maneira como o fósforo negro dissipa calor e espalha a luz. Ainda é difícil dizer se as alterações na vibração podem ajudar ou atrapalhar o design de um dispositivo nanotecnológico, como um transistor ou um sensor de luz. “O que se torna claro”, relata Matos, “é que o projeto de qualquer dispositivo terá de levar essas vibrações de borda em consideração”.
Memórias bidimensionais
Físicos experimentais têm obtido camadas cada vez mais finas de SnO em laboratório, demonstrando que o material, dependendo de sua espessura, pode ser um excelente semicondutor ou um isolante de eletricidade. “A expectativa é de que algum grupo experimental consiga uma monocamada atômica de SnO ainda este ano e que possamos verificar nossas previsões”, espera Seixas.
As simulações em supercomputadores do comportamento dos átomos mostraram que, dependendo da quantidade de carga elétrica presente em uma camada monoatômica de SnO, o material se transforma em um ímã cujos polos poderiam ser controlados. Caso esse controle se mostre viável em experimentos, talvez seja possível usar o magnetismo para armazenar informações em uma superfície de óxido de estanho, de maneira semelhante ao que ocorre no disco rígido dos computadores atuais. Seixas e seus colegas demonstraram ainda que essa propriedade não seria exclusividade do SnO. Eles preveem que outros materiais, como o sulfeto de gálio (GaS) e o seleneto de gálio (GaSe), também podem ser igualmente magnetizados se estiverem na forma de camadas bidimensionais.
“A magnetização de materiais bidimensionais é incomum”, relata Seixas. Ele explica que, embora materiais puros como o fósforo negro e o grafeno possam ter os átomos das bordas de suas camadas magnetizados em circunstâncias especiais, o centro de suas camadas só pode ser magnetizado com a adição de impurezas, como átomos de cobalto.
Os cálculos da equipe de Seixas também sugerem que, dependendo da quantidade de carga elétrica circulando pelo material bidimensional, o arranjo atômico da camada de SnO pode sofrer uma deformação espontânea, que também poderia levar a alguma aplicação tecnológica. Os quadrados formados pelo arranjo dos átomos de estanho e oxigênio podem ser esticados, formando retângulos. “Assim como a magnetização, essas deformações podem se tornar controláveis por meio da densidade de carga elétrica no material”, explica. “Mas, diferentemente do que ocorre com a magnetização, ainda não sabemos explicar a origem dessas deformações nem se elas apareceriam em outros materiais.”
Projetos
1. Grafeno: Fotônica e optoeletrônica. Colaboração UPM-NUS (nº 2012/50259-8); Modalidade Auxílio à Pesquisa – Programa SPEC; Pesquisador responsável Antonio Helio de Castro Neto (Universidade Presbiteriana Mackenzie); Investimento R$ 13.110.474,99 (para todo o projeto).
2. Efeitos plasmônicos e não lineares em grafeno acoplado a guias de onda ópticos (nº 2015/11779-4); Modalidade Auxílio à Pesquisa – Projeto Temático; Pesquisador responsável Christiano José Santiago de Matos (Universidade Presbiteriana Mackenzie); Investimento R$ 832.300,86
3. ICTP Instituto Sul-americano para Pesquisa Fundamental: Um centro regional para física teórica (nº 2011/11973-4); Modalidade Auxílio à Pesquisa – Projeto Temático; Pesquisador responsável Nathan Jacob Berkovits (Unesp); Investimento R$ 5.393.992,00.
Artigos científicos
SEIXAS, L. et al. Multiferroic Two-Dimensional Materials. Physical Review Letters, v. 116, p. 206803. 20 mai. 2016.
RIBEIRO, H. B. et al. Edge phonons in black phosphorus. Nature Communications. 14 jul. 2016.