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Gênero

Territórios femininos

Pesquisa mostra que mulheres já publicam mais artigos, mas avanço é lento em algumas áreas e em posições de prestígio

032-035_Genero_212-1Ana Paula CamposUm estudo realizado por um grupo de pesquisa sediado na Universidade de Washington, Estados Unidos, indica que a participação de mulheres na publicação de artigos científicos está crescendo em praticamente todas as áreas do conhecimento no mundo, mas o aumento da presença feminina tem menos fôlego quando se analisam em separado os artigos com um único autor, aqueles que resultam do esforço individual de um pesquisador. Também no caso de papers com várias assinaturas, em diversos campos do conhecimento, há menos mulheres na posição de autor principal, o responsável pela contribuição mais destacada entre o conjunto de coautores, do que no índice geral. O estudo debruçou-se sobre o acervo de um repositório digital que contém mais de 1.900 periódicos de vários países publicados nos últimos quatro séculos, o Jstor (acrônimo para Journal Storage).

As mulheres representam 21,9% de todos os autores identificados na base Jstor. Mas entre os papers com um único autor 17% foram elaborados por mulheres e 83% por homens. “A porcentagem segue muito baixa”, diz Jevin West, autor do estudo e professor do Departamento de Biologia da Universidade de Washington. A proporção, é verdade, melhorou nos últimos anos. “Podemos dizer que para as pesquisadoras não há melhor momento do que o presente”, propõe Jennifer Jacquet, professora do Programa de Estudos do Meio Ambiente da Universidade de Nova York e também autora do estudo.

A pesquisa faz parte do Projeto Eigenfactor, desenvolvido pela Universidade de Washington com o objetivo de produzir dados e mapeamentos da produção científica, e seus resultados foram organizados em uma plataforma na internet (www.eigenfactor.org/gender/#). West e colegas das universidades de Nova York, Stanford e do Instituto Santa Fé, nos Estados Unidos, fizeram o levantamento dos autores de cerca de 2 milhões de artigos vinculados ao Jstor, representando 1.765 áreas e subáreas do conhecimento e abrangendo o período entre 1665 e 2011. O estudo também mostra quais são os grandes temas e as áreas do conhecimento em que as mulheres mais se destacam e em quais são francamente minoritárias. “As áreas que tendem a ter maior participação feminina são aquelas relacionadas a educação, sociologia e família”, observa Jevin West. As categorias com maior participação feminina, entre 1665 e 2011, são, entre outras: divisão do trabalho doméstico (68,4% do total); literatura do século XIX (65,5%); aborto (63,6%); e usos da linguagem (59,8%). Já os campos do conhecimento com menor participação das mulheres na publicação de artigos são matemática (6,6%), filosofia (9,4%) e metodologia econômica (4%), entre outras (ver gráfico). Algumas áreas, como engenharias e física, não foram mapeadas no estudo, pois não estão bem representadas no acervo do Jstor.

A posição ocupada por mulheres na lista de coautores de artigos escritos por várias pessoas recebeu atenção especial no estudo. Constatou-se que, em muitas áreas, elas estão sub-representadas tanto na primeira posição da lista, que em geral indica o autor principal, quanto na última, usualmente reservada para o orientador ou coordenador do grupo de pesquisa. No caso da biologia molecular e celular, por exemplo, a participação da mulher como autora principal ou única do artigo foi de 15,8% entre 1665 e 2010 – diante de 26,7% de participação feminina sem levar em conta a posição.

Ana Paula CamposOs pesquisadores levantaram um conjunto de hipóteses para explicar o número inferior de mulheres nas posições mais destacadas. Ampararam-se, por exemplo, em estudos segundo os quais as pesquisadoras seriam menos propensas que os homens a se envolver em projetos colaborativos, aqueles que rendem papers com vários autores. Num desses trabalhos, realizado em 2001, Mary Frank Fox, do Georgia Institute of Technology, observou que as mulheres colaboravam menos do que os homens, tanto na graduação quanto em estágios mais avançados de pesquisa e também na publicação de artigos, depois de aplicar um questionário a 5 mil estudantes de 22 universidades.

Negociação
Outra hipótese é que, nas negociações informais para discutir a posição de cada um na lista de autores, os homens negociem com mais assertividade. West e sua equipe mencionam o livro Women don’t ask: the high cost of avoiding negotiation – and positive strategies for change (2007), de Linda Babcock e Sara Laschever. A obra reúne centenas de depoimentos de mulheres para propor que os homens seriam quatro vezes mais propensos a pedir aumento salarial e a expor o desejo de ser promovido do que as mulheres com as mesmas qualificações. Nos anos 1990, Sara participou do Project Access, um estudo da Universidade Harvard sobre as mulheres em carreiras científicas financiado pela National Science Foundation. A pesquisa mostrou, entre outras conclusões, que as pesquisadoras norte-americanas geralmente preferiam trabalhar em problemas de pesquisa considerados nichos, em vez de mergulhar em temas emergentes que atraíam a competição de muitos pesquisadores.

O estudo da Universidade de Washington apresenta um panorama da publicação científica, mas não esmiúça as diferenças entre países. No Japão, por exemplo, as mulheres compunham apenas 11,1% da força de trabalho acadêmica do país em 2004, enquanto Portugal apresentava uma taxa de 40%, segundo dados da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE). No Brasil, a situação é considerada mais favorável na comparação com outros países. “Aqui, a entrada de mulheres é cada vez maior em todos os níveis acadêmicos”, diz Jacqueline Leta, professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e estudiosa das questões de gênero na ciência. Dados do Diretório de Grupos de Pesquisa do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) mostram que as mulheres ampliam seu espaço na pesquisa científica, mas esse crescimento é mais lento no topo da carreira. Em 2010, elas alcançaram a maioria entre estudantes de doutorado no Brasil, com cerca de 55% do total – em 2000 eram 49%. Já em número de pesquisadores, respondem pela metade do contingente brasileiro. Entre os líderes de grupos de pesquisa, as brasileiras também vêm conquistando espaço: eram 45% do total de líderes em 2010, ante 39% em 2000. Jacqueline Leta observa, no entanto, que os homens recebem mais bolsas de produtividade do CNPq do que as mulheres. “Isso não deixa de ser um complemento salarial”, diz ela.

Na avaliação de Maria Conceição da Costa, pesquisadora do Núcleo de Estudos de Gênero Pagu, da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), a dificuldade da mulher de atingir o topo da carreira científica no Brasil mostra os limites do discurso segundo o qual o ambiente acadêmico é meritocrático. “À medida que elas sobem na carreira, independentemente da área, mais preconceito têm de enfrentar”, afirma. Já a geneticista Mayana Zatz, da Universidade de São Paulo (USP), não considera o preconceito um problema. “Não acredito que no Brasil as pesquisadoras sejam discriminadas. Já não posso dizer o mesmo dos Estados Unidos, onde até o salário delas é inferior ao dos homens. Lá elas nem sequer têm direito à licença-maternidade”, diz. Para Mayana, a grande dificuldade enfrentada pelas pesquisadoras está no conflito entre as ambições da carreira e o desejo de ser mãe, o que geralmente ocorre entre os 35 e 40 anos.

“Hoje os homens participam mais da educação do filho, mas a amamentação é algo que só pode ser feito pela mulher. Por mais que o pai participe, a carga da mulher é sempre maior. Após esse período, a mulher pode voltar à pesquisa”, diz. Mayana, que teve dois filhos entre o mestrado e o doutorado, antes de completar os 30 anos, revela que contou com a ajuda de uma babá, o que lhe permitiu abreviar o período em que ficou afastada da universidade. “Hoje, certamente é mais difícil contar com esse tipo de retaguarda aqui no Brasil, mas ainda temos mais opções do que nos Estados Unidos”, completa. Maria Conceição da Costa, da Unicamp, diz que muitas mulheres acabam desistindo de competir pelo topo da carreira científica porque, com vários interesses na vida, “não veem sentido em dedicar-se integralmente a um esquema ultracompetitivo”.

032-035_Genero_212-3Ana Paula CamposA baixa participação das mulheres em certas áreas do conhecimento, como as ciências exatas e as engenharias, é um problema mundial, atribuído, em grande medida, a fatores culturais. Suely Druck, professora do Instituto de Matemática da Universidade Federal Fluminense (UFF), acredita que a origem da baixa participação feminina na pesquisa em áreas de exatas esteja no ensino básico. Segundo Suely, conforme avançam para o ensino médio, as meninas perdem o interesse pela matemática. “É nesta fase que elas precisam ser aceitas em grupos de amigos, e por isso não querem ser identificadas como nerds”, diz. A pesquisadora foi mentora, em 2005, da Olimpíada Brasileira de Matemática das Escolas Públicas (OBMEP). Ela verificou que, desde a realização da primeira edição da competição, as meninas correspondem a 45% dos premiados no nível 1, que compreende alunos do 6º e 7º anos do ensino fundamental. No nível 2 da competição (8º e 9º anos) a participação entre os premiados cai para 20%. E no último nível (ensino médio) as garotas representam só 7% dos vencedores.

Gosto pela escrita
No caso de Beatriz Barbuy, professora do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas da USP, o gosto pela escrita científica é determinante para a qualidade do trabalho. “É quando consigo organizar as ideias e o rumo da minha pesquisa”, diz Beatriz, que já publicou cerca de 210 artigos em revistas científicas internacionais, que foram alvo de citação em 8 mil trabalhos de pesquisadores. Ela, no entanto, faz uma ressalva: “Sinto que muitos pesquisadores evitam citar mulheres em seus trabalhos”.

Mayana Zatz reconhece que as mulheres são menos agressivas para se autopromover. “O homem se vende melhor no ambiente de pesquisa”, afirma. Um estudo da Universidade da Califórnia, divulgado recentemente, mostra que as pesquisadoras da área de ciência política evitam usar seus trabalhos anteriores como referência nos novos artigos – uma prática mais comum entre homens. De acordo com a pesquisa, comandada por Barbara Walter, da Universidade da Califórnia, San Diego, mulheres não são tão incisivas como os homens em relação à autopromoção. O estudo analisou 3 mil artigos publicados entre 1980 e 2006 em 12 periódicos. Os papers assinados apenas por homens foram citados cinco vezes a mais do que aqueles assinados unicamente por mulheres. Isso acontece, segundo a pesquisa, porque as mulheres evitam a autocitação – e também porque os homens citam outros homens com uma frequência maior do que se esperaria.

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