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Biotecnologia

Turma da limpeza

Fungos e bactérias são a base de detergentes usados em equipamentos hospitalares

Enzimas produzidas por um fungo e uma bactéria são a base de novos detergentes desenvolvidos no Brasil destinados a higienizar instrumentos cirúrgicos, desobstruir sondas com resíduos coagulados e digerir e dissolver restos orgânicos, como manchas de sangue e outras. O desenvolvimento dos produtos foi feito no Centro de Biotecnologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (CBiot/UFRGS), coordenado pela professora Marilene Henning Vainstein. A utilização de detergentes que contêm enzimas – proteínas produzidas por seres vivos capazes de estimular reações químicas sem sofrer alterações em sua composição – não é novidade. Mas até hoje o Brasil não dominava o processo de produção industrial das enzimas para fabricação de detergentes e, por isso, importa a matéria-prima para formular o produto. “A principal vantagem da formulação de detergentes contendo enzimas é sua característica biodegradável, ideal para substituir produtos cáusticos, ácidos e solventes, que agridem o ambiente e provocam o desgaste de materiais e instrumentos”, diz Marilene.

A primeira etapa da pesquisa consistiu na escolha dos microorganismos mais adequados para a formulação industrial, já que os pesquisadores estavam à procura de bactérias produtoras de protease, uma enzima com ampla aplicação na indústria de alimentos e na formulação de detergentes, e de amilase, responsável por degradar as moléculas de amido. Para chegar até elas, várias linhagens de espécies citadas na literatura científica com as características procuradas foram testadas. “Sabemos que algumas espécies do fungo Aspergillus são boas produtoras de amilase”, diz Marilene. “Isso facilitou a nossa busca.” A seleção do melhor microorganismo para produzir a protease também foi feita da mesma forma. “Foi testada uma coleção de bactérias do gênero Bacillus para a escolha de um excelente produtor de proteases, que era o que precisávamos.”

Com a escolha do fungo e da bactéria, os pesquisadores precisavam desenvolver um processo de produção que, ao mesmo tempo, apresentasse um rendimento satisfatório e fosse de baixo custo, para poder ser aplicado na indústria. Foram testadas várias substâncias para compor o meio de cultura, que contém nitrogênio, carbono, além de sais minerais e complementos nutricionais que não podem ser revelados. Assim que essa etapa foi encerrada, o grupo de pesquisa gaúcho requereu a patente do processo de produção da protease e da amilase para aplicação industrial.

As proteases representam 60% do total do comércio de enzimas no mundo em um mercado estimado em US$ 1 bilhão. Além da indústria de detergentes e de alimentos, elas têm sido utilizadas no tratamento do couro, em substituição aos compostos tóxicos e poluentes. A adoção de processos biológicos nos curtumes tem como principal finalidade reduzir os custos com o tratamento dos efluentes resultantes dos processos químicos. Já as amilases são empregadas na indústria para quebrar as moléculas do amido, originando substratos que são importantes na preparação de xaropes de glicose, maltose ou mistos, panificação, cervejaria e produção de etanol. Na formulação de detergentes, elas são utilizadas para remover resíduos. O uso diversificado das enzimas está relacionado às suas características de atuar como biocatalisadores especializados, que são substâncias que modificam a velocidade de uma reação química.

O desenvolvimento na universidade originou-se de um pedido feito por empresários de Cachoeirinha, no Rio Grande do Sul. Newton Mário Battastini e Ivete Casagrande Battastini são sócios das empresas Tecfarm e Tecpon, que importam enzimas de uma empresa da Dinamarca para produzir detergentes para higienização hospitalar vendidos aqui no Brasil. A proposta para o estudo e a produção dessas enzimas foi feita para o veterinário Sydnei Mitidieri Silveira, que já havia publicado trabalhos sobre o tema. Ele ia começar a fazer doutorado no Programa de Pós-Graduação em Biologia Celular e Molecular do Centro de Biotecnologia da UFGRS e levou a idéia para a professora Marilene. Na mesma época, no ano 2000, foi publicado um edital da Fundação de Amparo à Pesquisa do Rio Grande do Sul (Fapergs) apoiando interações entre universidades e empresas. A coincidência de interesses levou à apresentação de um projeto à fundação para o desenvolvimento das enzimas, que foi aprovado. As empresas entraram com parte dos recursos necessários para a pesquisa. “A idéia inicial era trabalhar no desenvolvimento de mais uma enzima, a lipase, que degrada lipídios, mas ainda não conseguimos os resultados esperados”, diz Marilene.

Toda a parte de desenvolvimento das enzimas para aplicação industrial já está pronta. A Enzi-Far, braço da Tecfarm e Tecpon abrigada na Incubadora Empresarial do CBiot da universidade, trabalha agora na otimização da escala de produção. “A empresa está produzindo 400 litros semanais dessas enzimas que estão sendo usados para as formulações e os testes de estabilidade”, diz Marilene. “Assim que acelerarmos a produção, as empresas poderão começar a vender os detergentes biodegradáveis para os hospitais.” No futuro, outras formulações poderão ser feitas utilizando as mesmas enzimas para tratamento de esgotos, de couros e na limpeza de resíduos de padaria. Para que isso ocorra, precisam ser feitos apenas alguns ajustes no processo de formulação porque todo o processo de produção em escala já está dominado.

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