Podcast: Riccardo Sturani
O choque e a fusão de buracos negros apresentados agora ocorreram a 3 bilhões de anos-luz da Terra. É o resultado da colisão de um buraco negro de 31,2 massas solares com outro de 19,4. Dela, nasceu um buraco negro com massa 48,7 vezes superior à do Sol. Na fração de segundo que durou o evento, foi liberada uma quantidade colossal de energia – equivalente à armazenada na massa de duas estrelas como o Sol – na forma de ondas gravitacionais. Previstas pela teoria da relatividade geral formulada em 1915 por Albert Einstein, essas sutis deformações no espaço-tempo se propagam no vácuo à velocidade da luz e viajaram por 3 bilhões de anos até aqui. No dia 4 de janeiro deste ano – precisamente às 10 horas, 11 minutos e 58 segundos no horário universal, eram duas horas mais cedo no horário de Brasília –, os dois detectores do Ligo, situados a 3 mil quilômetros de distância um do outro nos Estados Unidos, registraram quase simultaneamente a passagem dessa onda gravitacional pelo planeta.
A detecção atual ocorreu poucas semanas após o início da segunda campanha de coleta de dados do Ligo, depois que seus detectores passaram por um aprimoramento que os tornou mais sensíveis. Antes, duas outras detecções diretas de ondas gravitacionais haviam sido confirmadas: a primeira em setembro de 2015, resultado do nascimento de um buraco negro com 62 massas solares a 1,3 bilhão de anos-luz da Terra, e a segunda, em dezembro daquele ano, de um buraco negro de 21 massas solares que se formou um pouco mais longe, a 1,4 bilhão de anos-luz daqui (ver bit.ly/GravOndas e Pesquisa FAPESP nº 241).
“Temos mais uma confirmação da existência de buracos negros de origem estelar com massa superior a 20 massas solares”, informou o físico David Shoemaker, do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), no comunicado à imprensa que noticiou a terceira detecção de uma onda gravitacional. Ele foi eleito recentemente porta-voz da colaboração científica Ligo, que reúne quase mil pesquisadores de vários países, inclusive o Brasil. “Esses são objetos que desconhecíamos até o Ligo detectá-los.”
Origem incerta
Antes, só havia notícias de buracos negros estelares, resultado da morte explosiva de estrelas, com menos de 20 massas solares. “Eram objetos completamente diferentes, encontrados em nossa própria galáxia, a Via Láctea, que não haviam se originado da fusão de sistemas binários de buracos negros”, afirma o físico italiano Riccardo Sturani, professor da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, que, assim como o físico Odylio Aguiar e sua equipe no Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), integra a colaboração Ligo.
Sturani estuda a dinâmica de sistemas binários de buracos negros e as ondas gravitacionais que produzem ao se fundirem. “Os buracos negros detectados pelo Ligo devem se originar da explosão de estrelas com massa muito elevada”, supõe o físico italiano. “Mas ainda não sabemos se, nessas duplas, os buracos negros surgem da explosão de estrelas que se formaram e sempre viveram próximas ou se eles aparecem separadamente e depois se aproximam, capturados pela atração gravitacional um do outro.”
Os resultados apresentados no início de junho são incrementais e menos impactantes do que os publicados anteriormente pela colaboração Ligo. Ainda assim, trazem alguma pista sobre o que pode ter ocorrido com a dupla de buracos negros detectada neste ano.
A forma das ondas gravitacionais emitidas na fusão sugere que eles não giravam no mesmo sentido antes de colidir, o que seria de esperar se tivessem se formado juntos. Por essa razão, suspeita-se que tenham surgido independentemente no interior de um grande aglomerado de estrelas e apenas depois se unido. “Estamos começando a reunir estatísticas de sistemas binários de buracos negros”, contou à imprensa o físico Keita Kawabe, do Instituto de Tecnologia da Califórnia (Caltech). Para Sturani, ainda é preciso detectar outros 20 ou 30 eventos como esses para que se possa dizer, com algum poder estatístico, qual dos dois modelos descreve melhor o que ocorre na natureza.
“As três detecções de ondas gravitacionais feitas pelo Ligo começam a revelar que existe uma população desses objetos”, comenta o físico Rodrigo Nemmen, do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas da Universidade de São Paulo (IAG-USP), que não participa do Ligo. Ele estuda o comportamento de buracos negros estelares e afirma que os resultados do Ligo devem levar à revisão dos modelos de evolução estelar. “Importantes mudanças no conhecimento, como as produzidas por Galileu e Copérnico, foram consequência de avanços nos aparatos instrumentais”, lembra Nemmen. “O Ligo faz o mesmo ao permitir estudar esses fenômenos muito energéticos que não emitem luz e nos mostrar algo que não esperávamos.”
Projetos
1. Pesquisa em ondas gravitacionais (nº 13/04538-5); Modalidade Programa Jovens Pesquisadores; Pesquisador responsável Riccardo Sturani (IFT-Unesp); Investimento R$ 256.541,00.
2. Gravitational wave astronomy – FAPESP-MIT (nº 14/50727-7); Modalidade Auxílio à Pesquisa – Regular; Pesquisador responsável Riccardo Sturani (IFT-Unesp); Investimento R$ 29.715,00.
3. Nova física no espaço: Ondas gravitacionais (nº 06/56041-3); Modalidade Projeto Temático; Pesquisador responsável Odylio Denys de Aguiar (Inpe); Investimento R$ 1.019.874,01.
Artigo científico
ABBOTT, B. P. et al. GW170104: Observation of a 50-solar-mass binary black hole coalescence at redshift 0.2. Physical Review Letters. 1º jun. 2017.