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Metalurgia

União selada

Técnica inédita permite soldar ligas de titânio e de aço para uso na indústria aeronáutica

MIGUEL BOYAYANSolda a laser: fonte de alta energia faz a soldagem com precisãoMIGUEL BOYAYAN

A fabricação de aviões e a produção de equipamentos para a indústria petroquímica ganharam uma nova tecnologia que vai permitir a soldagem do titânio e do aço, dois materiais importantes para essas áreas e, ao mesmo tempo, incompatíveis quimicamente. O novo método baseia-se no uso de uma liga de níquel entre esses dois materiais e no emprego de uma solda a laser. A inovação é importante porque permitirá ampliar o uso desses materiais na produção de peças da fuselagem, das turbinas e no trem de pouso de aeronaves, além de compor tubulações e tanques de armazenamento na área química e petrolífera. A novidade é resultado de uma parceria entre pesquisadores do Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares (Ipen), do Centro Tecnológico da Marinha em São Paulo (CTMSP) e do Centro Técnico Aeroespacial (CTA) que já depositou uma patente sobre o novo processo no Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI).

“Trata-se, provavelmente, de uma inovação mundial. Até onde sabemos, nenhum grupo no Brasil ou no exterior conseguiu soldar com êxito esses dois materiais”, diz o físico Milton Sérgio Fernandes de Lima, do Instituto de Estudos Avançados (IEA) do CTA. Segundo o pesquisador, o titânio e suas ligas são cada vez mais usados como materiais estruturais em muitas aplicações industriais em substituição ao aço e ao alumínio. As vantagens do titânio estão, principalmente, no fato de ele ser um material inerte que possui uma camada superficial impermeável a várias substâncias ácidas, alcalinas, além de fluidos do corpo humano. Assim, ele se torna mais resistente à corrosão e é biocompatível.

“O titânio possui também uma excelente relação entre resistência mecânica e peso e suas ligas têm substituído o alumínio quando a temperatura de operação situa-se acima de 130°, no momento em que esse material não pode mais ser usado”, diz ele. “No entanto, um obstáculo à ampla utilização do titânio como material estrutural reside na sua baixa resistência ao desgaste. Para suprir essa deficiência, é necessário o emprego de ligas com melhores propriedades relacionadas ao atrito, ao desgaste e à fadiga, como o aço.” O níquel foi escolhido como material intermediário porque tem propriedades que o tornam metalurgicamente compatível com o aço e com o titânio.

Até agora a única forma industrial de unir esses dois materiais era pelo uso de rebites, pequenas peças cilíndricas e metálicas semelhantes a parafusos. A junção mecânica com essas peças, no entanto, apresenta problemas sérios que resultam da perfuração da estrutura. Além de provocarem tensões no material, os rebites deformam a região em torno do furo. Isso faz com que ocorra uma redução do tempo de vida da junção. A nova técnica desenvolvida pelos pesquisadores brasileiros soluciona esses problemas. Com o uso de uma fina lâmina de níquel, de 0,1 a 0,3 mm de espessura, entre as peças de aço e titânio, e a aplicação de um laser pulsado, desenvolvido no Ipen, é possível soldar os dois materiais.

“Na verdade, a junção mecânica de titânio e aço com níquel já era conhecida. Nossa inovação foi usar uma fonte de alta energia, como o laser, para fazer a solda”, conta o engenheiro mecânico José Roberto Berreta, do Centro Tecnológico da Marinha em São Paulo. “Com o laser, é possível controlar melhor os parâmetros de soldagem, como a focalização do feixe de luz e a taxa de aporte térmico, o que é muito difícil de fazer em outros processos.”

Depois de demonstrarem a viabilidade técnica de obtenção dessa solda em corpos-de-prova, os pesquisadores estão trabalhando no desenvolvimento de dois protótipos de interesse da indústria para comprovar o sucesso de sua descoberta. O primeiro demonstrador será um dispositivo de encapsulamento de um circuito eletrônico composto de uma cúpula de aço inoxidável sobre uma base espessa (de 1 a 3 mm) de titânio. Esse dispositivo tem largo emprego na indústria aeronáutica e costuma ser fixado na fuselagem do avião. O segundo protótipo é uma tubeira feita com 1,27 cm de diâmetro de aço inoxidável e 0,6 cm de diâmetro de titânio para uso em indústrias dos setores químicos e petroquímicos. “Esperamos estar com os dois protótipos prontos no começo deste ano”, afirma o físico Wagner de Rossi, do Centro de Lasers e Aplicações do Ipen.

Transferência de tecnologia
O projeto para desenvolvimento dessa nova técnica de soldagem a laser contou com apoio da FAPESP e foi realizado no âmbito do Instituto Fábrica do Milênio (IFM), uma organização apoiada pelo Ministério da Ciência e Tecnologia que reúne 600 pesquisadores de 31 grupos de pesquisas, entre eles o Ipen e o CTA. O perfil de atuação do IFM é focado na pesquisa em manufatura voltada para as necessidades da indústria nacional. Segundo Milton Lima, do CTA, no início, as pesquisas para fusão do aço e do titânio eram puramente teóricas. “Eu queria estudar as reações metalúrgicas que ocorriam entre o ferro e o titânio. Era um trabalho científico, mas logo percebi que tinha um forte apelo comercial”, diz ele.

“Estamos otimistas quanto à aplicabilidade dessa nova técnica.” Em maio de 2005 Lima apresentou os resultados do projeto no 38º Seminário Internacional de Sistemas de Produção do Conselho Internacional para a Pesquisa Tecnológica de Produção, Cirp na sigla em inglês, realizado em Florianópolis, Santa Catarina. “É um dos mais prestigiados congressos internacionais em processamento de materiais, e nossos estudos foram muito bem recebidos”, diz Lima.

O objetivo do grupo é licenciar uma ou mais empresas para que explorem essa tecnologia. “Pretendemos fazer a transferência para o setor industrial, mas ainda não iniciamos os contatos com empresas. Primeiro, vamos preparar os protótipos de demonstração. Imaginamos que os principais interessados no processo serão companhias dos setores químico, petroquímico e, principalmente, aeroespacial, uma vez que as fuselagens, provavelmente, terão sua matéria-prima trocada de alumínio para titânio.” Essa é uma área em que as exigências de testes e certificações são extremas. “E a existência de um processo que solde com sucesso esse material ao aço será fundamental.”

Os projetos
1.
Transformações de fases no sistema ferro-titânio induzidas por lasers de potência (nº 02/10009-0); Modalidade Linha Regular de Auxílio à Pesquisa; Coordenador Milton Sérgio Fernandes de Lima – IEA-CTA; Investimento R$ 33.275,00 e US$ 835,23 (FAPESP)
2. Processo de soldagem a laser entre aço e titânio; Modalidade Instituto Fábrica do Milênio; Coordenador Milton Sérgio Fernandes de Lima – IEA-CTA; Investimento R$ 18.500,00 (IFM-MCT)

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