Na carta da edição de janeiro, por uma série de razões e bem fincada nas reportagens que então destacava, falei de meu apreço pelos começos. E agora, espicaçada pela capa desta edição, corro o risco da repetição inevitável porque não há como fugir da idéia de que começos, em especial daqueles projetos raros, preciosos por sua admirável grandiosidade e ousadia, são mesmo extraordinariamente excitantes. Imagino que para qualquer ser humano a sensação, ou melhor, a clara consciência de estar em dado momento participando do nascimento de algo fundamental, em termos individuais ou coletivos, pode ter uma dimensão tão espantosa que até atinge o inebriante. Mas em relação a essa categoria mais ou menos particular de pessoas que são os jornalistas, mais do que imaginar, sei que esse se ver no ponto de origem das coisas e poder relatá-lo em caráter público cria um sentimento poderoso de participação na própria tessitura da história dos homens. E esse sentimento, por exagerado que possamos achá-lo, para o bem ou para o mal, termina por moldar uma certa faceta do orgulho profissional que marca jornalistas que se lançam com afinco ao exercício pleno de seu ofício, mesmo que eles não o confessem nem sob tortura.
Fico a pensar como nosso editor de ciência, Ricardo Zorzetto, se sentiu ao deparar o LHC, sigla de Large Hadron Collider, o maior acelerador de partículas do mundo, ou os quatro gigantescos detectores de partículas que dele fazem parte, tudo isso e muito mais num túnel subterrâneo com 27 quilômetros de extensão a 100 metros da superfície, no Centro Europeu de Pesquisas Nucleares, o famoso Cern, em Genebra, Suíça. Fico curiosa a respeito do que pensou então sobre o futuro da física de partículas amparada por tão portentosa infra-estrutura. Anteviu-o luminoso a revelar os segredos da origem de nosso Universo? Ele não detalhou seus sentimentos daquele momento, mas estou convencida de que irrigam muito positivamente a reportagem que produziu, preocupando-se inclusive com as possibilidades da participação brasileira no LHC. Vale conferir, a partir da página 18.
Dentro dessa preocupação de observar o país no cenário internacional da produção de conhecimento – e de riquezas – foi que se estruturou a pesquisa Mobit – Mobilização Brasileira para a Inovação, cujo resultado, divulgado no final de abril, é um verdadeiro diagnóstico sobre o que aproxima e o que separa os ambientes acadêmico e empresarial no Brasil daqueles de sete países investigados que produzem hoje pesquisa e inovação de classe mundial. Os detalhes mais importantes do estudo são relatados pelo editor de política, Fabrício Marques, a partir da página 34, incluindo o conceito de inovação a que o coordenador da pesquisa dá destaque, muito além da idéia apenas de tecnologia a que de hábito é associado.
Alguns conceitos de fato parecem estreitos e velhos para conter a mobilidade do conhecimento entre ciência, tecnologia e inovação. Sob que rubrica tratar, por exemplo, os animais transgênicos que mais e mais são criados já não apenas como modelos para o estudo aprofundado de doenças que acometem os seres humanos, mas como verdadeiras miniusinas de determinadas substâncias, especialmente fármacos? A reportagem sobre o tema, procurando localizar os grupos de pesquisa que no Brasil estão já nesse front, elaborada pelo editor de tecnologia, Marcos de Oliveira, abre exatamente a seção de tecnologia na página 84. Mas poderia transitar por outras editorias da revista sem maiores problemas.
Para finalizar, recomendo a leitura muito atenta da entrevista do sociólogo José de Souza Martins, a partir da página 8, da qual vale a pena pular para a página 102, ler um pouco sobre Lévi-Strauss e sair com uma visão mais gratificante das produções das ciências humanas entre nós. Atenção depois à reportagem de Carlos Haag, editor de humanidades, sobre um estudo que revela muito da riqueza do passado nas fazendas paulistas de café, na página 96, e, claro, ao segundo suplemento especial Revolução genômica.
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