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ENTREVISTA

Virginia Ciminelli: O território das minas

Hidrometalurgista da UFMG defende que os benefícios da exploração de recursos naturais deveriam ser mais compartilhados com as comunidades locais

Daniela Paoliello

Não se deixe enganar pela fala calma e pela cordialidade da engenheira química Virginia Sampaio Teixeira Ciminelli. Ela é boa de briga e vive propondo ideias novas. Há pelo menos 15 anos, ela argumenta que a exploração de recursos naturais deve promover a prosperidade, principalmente da população que vive naquele espaço. Uma mina, por exemplo, faz parte de um espaço cultural e político, enfim, um território. As dificuldades na defesa desse conceito de divisão de recursos não a fazem desistir dessa e de outras iniciativas, como um programa de formação de estudantes de engenharia que reforça as habilidades de trabalhar em ambientes multidisciplinares e multiculturais.

Especialidade Hidrometalurgia
Instituição Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG)
Formação Graduação em engenharia química e mestrado em engenharia metalúrgica e de minas pela UFMG, doutorado em processamento mineral pela Universidade do Estado da Pensilvânia, Estados Unidos (1987)
Produção 141 artigos científicos, 6 livros, 6 patentes concedidas

Mineira de Belo Horizonte, mãe de duas filhas – Camila, advogada, e Ana Luíza, cardiologista –, Ciminelli abriu caminhos. Em 1995, foi a primeira professora titular da Escola de Engenharia da UFMG; em 2009, a primeira mulher eleita para a seção de Engenharia da Academia Brasileira de Ciências (ABC); em 2013 foi eleita para a Academia Nacional de Engenharia (ANE) e no ano seguinte para a Academia Nacional de Engenharia dos Estados Unidos; em 2021 foi reconhecida como Engenheira do Ano pela Sociedade Mineira de Engenheiros. ”Gosto de ficar no meu canto, envolvida com o trabalho, mas não tenho medo de me posicionar e, quando inevitável, não fujo do confronto”, diz, ao contar as dificuldades e as conquistas nesta entrevista concedida por plataforma de vídeo.

Sua pesquisa, como você mesma já declarou, tem a água como fio condutor. O que isso quer dizer, exatamente?
Existem dois marcos, ao longo de minha carreira: o Instituto do Milênio Água: uma visão mineral e o INCT-Acqua [Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia]. Neles, propusemos olhar para a água desde o início da explotação [exploração comercial] do minério, durante a lavra, quando ocorre o rebaixamento da cava da mina. A água que surge nesse momento inicial é aproveitada no próprio ou em outros empreendimentos e, muitas vezes, pela comunidade. A água passa pelo processo industrial e deve retornar à natureza com qualidade. Com esse fio condutor, procuramos investigar o que acontece com a água e como poderia ser mais bem utilizada. Os processos industriais, de maneira geral, já trabalham com índices elevados de recirculação de água e devem atender aos limites de qualidade estabelecidos pela legislação, mas é importante chamar a atenção para a água como um ambiente que abriga organismos aquáticos, cuja riqueza e distribuição garantem uma série de serviços ecossistêmicos. A água deve ser vista também sob esses outros ângulos, como um meio que abriga biodiversidade e como elemento cultural e de integração social.

Poderia explicar essa relação entre recurso mineral e território?
O recurso mineral deve ser visto como uma riqueza a promover a prosperidade sustentável do território, transcendendo a vida útil do empreendimento. Há cerca de 15 anos meu marido, Renato Ciminelli, também engenheiro químico, e eu trabalhamos com esse conceito, que já existe em outros países. No Brasil é muito difícil fazer as articulações visando transformações mais perenes. Vimos isso na prática. Há alguns anos, selecionamos os municípios de Conselheiro Lafaiete, Congonhas e Ouro Branco, no interior de Minas, que têm grandes mineradoras de ferro, para um projeto-piloto. O objetivo era empoderar as comunidades para a diversificação econômica. Criamos um centro de referência para a agricultura em territórios minerários e fizemos atividades de educação ambiental para as crianças da região, mas o trabalho foi interrompido com as mudanças de governo.

Léo Ramos Chaves / Revista Pesquisa FAPESPMina da CBMM, em Araxá: projeto de reciclagem do nióbio de ânodos, polo negativo de uma bateriaLéo Ramos Chaves / Revista Pesquisa FAPESP

Como promover a visão territorial da mineração?
Precisamos gerar dados, utilizar todas as tecnologias possíveis e envolver as empresas, o poder público, instituições de pesquisa e principalmente a comunidade local. A mudança é lenta, mas os ODS [Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, propostos em 2015 pela Organização das Nações Unidas, ONU] e a ESG [sigla para governança ambiental e social] induzem a mudança de mentalidade. Os grandes empreendimentos, não apenas da área mineral, mas também da construção civil, da agricultura, do setor elétrico e de outros setores têm de reavaliar as formas de compartilhar os benefícios de uso dos recursos naturais. É comum que grandes empreendimentos atraiam milhares de trabalhadores e formem núcleos populacionais que expõem um contraste inadmissível entre a riqueza das obras e a miséria das periferias, que crescem rapidamente.

Como sua área, a hidrometalurgia, pode ajudar a viabilizar essas propostas?
Aprimorando processos e lançando um olhar mais abrangente para a mineração. Isso é fundamental porque a mineração em si não é uma atividade sustentável. O recurso mineral é finito e se esgota uma vez retirado da natureza. À medida que os minérios provêm de fontes cada vez mais complexas e se torna necessário aproveitar os rejeitos e resíduos para reduzir os impactos ambientais, a hidrometalurgia passa a ser uma rota bem interessante, sem deixar de lado a pirometalurgia, que envolve processos em altas temperaturas, e a eletrometalurgia, baseada na aplicação direta de corrente elétrica. Com frequência as rotas são complementares, como na extração do zinco e do lítio. A primeira etapa é a rota pirometalúrgica e depois vem a hidrometalúrgica. A última é a eletrometalúrgica.

Como funciona a rota hidrometalúrgica?
Ela engloba processos realizados em meio aquoso com vistas à obtenção de produtos metálicos, por exemplo, de alumínio, cobre, ouro, terras-raras, zinco, lítio, níquel e cobalto, e insumos para a fabricação de fertilizantes, como o ácido fosfórico. Os produtos da hidrometalurgia têm aplicações diversificadas em materiais usados no nosso cotidiano e no meio industrial. O óxido de alumínio, ou alumina, é utilizado na produção de alumínio metálico, mas também para materiais refratários, cerâmicas, abrasivos, medicamentos e cosméticos. Duas etapas caracterizam os processos hidrometalúrgicos: uma de dissolução seletiva, na qual o elemento de interesse é separado dos demais presentes nos minérios ou em outras fontes, como sucatas, rejeitos, lixo eletrônico. Na segunda etapa, o metal dissolvido é recuperado do meio aquoso na forma metálica ou de um produto metálico. A hidrometalurgia começou a se destacar com os processos de produção de óxido de alumínio e de ouro implementados industrialmente ao final do século XIX.

O que faz da hidrometalurgia uma opção atrativa?
Primeiro, sua capacidade de extrair seletivamente quantidades ínfimas de metais de diversas fontes, mesmo quando muito heterogêneas e complexas. Esses são adjetivos que caracterizam os minérios disponíveis atualmente, em geral cada vez mais pobres e complexos. De 1 tonelada de minério normalmente se consegue extrair 0,4 grama de ouro ou 10 a 20 quilos de cobre. Os componentes eletrônicos, como as placas de circuito impresso, são fontes de ouro e cobre, mas, também nesse caso, o metal de interesse é uma parte menor em uma matriz muitas vezes complexa e heterogênea. A extração deve ser feita com precisão, de forma seletiva. A demanda de materiais de base mineral de alto desempenho, por vezes feitos sob medida para aplicações tecnológicas, exige um maior controle de características morfológicas, de pureza e tamanho, em faixas nanométricas, e de homogeneidade do produto. Processos em meio aquoso, típicos da hidrometalurgia, atendem a essas demandas.

O desempenho ambiental se tornou determinante na competividade do produto no mercado. É um caminho irreversível

É possível extrair ouro com água e não com mercúrio?
Sim, utilizando um processo hidrometalúrgico. O garimpo ilegal é um fenômeno ligado à desigualdade e à pobreza, a interesses econômicos, à ausência de poder público e, muitas vezes, a contravenções. A técnica predominante na mineração artesanal, com mercúrio, envolve a formação de uma liga, ou amálgama, mercúrio-ouro, para separar o ouro dos outros minerais e, a seguir, a eliminação do mercúrio pela queima. O problema é que o mercúrio, mesmo em quantidades ínfimas, pouco superiores às de ocorrência natural, leva a impactos ambientais, à biota e à saúde humana de enormes proporções. Na prática, como não há tecnologia de uso amplo adotada para a recuperação do mercúrio usado nos garimpos, ele é liberado para o meio ambiente. O aumento do garimpo ilegal, particularmente na região Amazônica, tanto no Brasil como em países vizinhos, deve ser enfrentado com a maior firmeza. Existem tecnologias como a abordagem hidrometalúrgica via lixiviação [processo de extração de uma substância de um meio sólido por sua contínua dissolução] em meio aquoso, que é feita com maior eficiência e menor impacto ambiental.

A hidrometalurgia é ambientalmente mais sustentável que as outras técnicas?
Não. Todas as rotas, se forem bem planejadas e executadas, podem alcançar um elevado desempenho ambiental, mas sempre haverá impacto. A escolha por uma ou outra rota depende da relação entre custos e benefícios. A mineradora AngloGold Ashanti emprega um processo pirometalúrgico em Nova Lima [MG] e um hidrometalúrgico em Santa Bárbara [MG] com o mesmo objetivo, extrair ouro dos chamados minérios refratários. Nos dois casos, ela busca o melhor desempenho econômico e ambiental, pensando não só nos produtos principais, mas também nos rejeitos. A mina de Morro Agudo, da Nexa Resources, é rejeito zero. O produto principal é o concentrado de zinco, mas o processo gerava resíduos, inclusive com metais tóxicos. Otimizou-se o processo para recuperar o chumbo, que hoje é exportado. O que sobra, o rejeito contendo predominantemente dolomita, é utilizado como corretivo de acidez em solos para a agricultura. Nem sempre isso é possível, mas esse é o horizonte: maximizar o uso dos recursos naturais, otimizar o uso de energia e minimizar o impacto ambiental.

O que você tem feito com empresas?
Temos projetos de longo prazo em temas ambientais com empresas como a Kinross Brasil Mineração e AngloGold Ashanti, em eletrorrecuperação de zinco com a Nexa Resources e um consórcio de empresas do exterior, gerenciado pela Amira International. Iniciamos um projeto com a CBMM [Companhia Brasileira de Metalurgia e Mineração] para reciclagem do nióbio de ânodos [polo negativo de uma bateria]. O desempenho ambiental, por exemplo, na reciclagem e na descarbonização, passa a ser cobrado em toda a cadeia produtiva e, dessa forma, dos fornecedores e clientes. Ou seja, o desempenho ambiental se tornou determinante na competitividade do produto no mercado. Esse é, a meu ver, um caminho irreversível. Vários projetos de pesquisa com alunos de empresa levaram a melhorias em processos industriais. É o caso de um projeto de longa duração, gerenciado pela Amira Internacional com um consórcio de empresas do Brasil e do exterior em eletrometalurgia. Por causa dessa experiência e de excelentes resultados científicos para a empresa, a Nexa Resources, acabamos de assinar um contrato com a Befesa Zinc Metal, que produz zinco apenas de fontes recicláveis, visando melhorias na usina da empresa nos Estados Unidos.

Como é o diálogo com a iniciativa privada?
Depende muito do interlocutor. Uma boa relação começa com o respeito de ambas as partes. A empresa deve me respeitar como pesquisadora e eu compreender e respeitar os interesses da empresa deve também estar disposta a trabalhar conosco em problemas científicos relevantes e compartilhar informações. Infelizmente, isso nem sempre ocorre, por receio de compartilhar o que são considerados segredos tecnológicos, entre outras razões. Mas essa situação tem mudado e hoje muitas empresas querem os resultados dos trabalhos em parceria divulgados em publicações científicas de alto impacto, como forma de elevar sua reputação junto aos acionistas e à sociedade em geral. Vou dar um exemplo. Eu nunca havia trabalhado com arsênio quando a então Rio Paracatu Mineração, hoje Kinross Brasil Mineração, me convidou, no final da década de 1990. A empresa produz ouro, associado a minerais contendo arsênio, um elemento químico muito tóxico. A empresa queria identificar uma forma segura de fazer a disposição final de um concentrado de sulfetos com arsênio gerado no processo de extração do ouro. A ideia era utilizar solos da região que pudessem servir como uma barreira química à mobilização do elemento para o meio ambiente. Começamos a trabalhar e identificamos solos ricos em ferro e alumínio, que são muito eficientes para reter o arsênio. Esse problema foi também o tema de trabalho de uma aluna de doutorado, que identificou no Laboratório Nacional de Luz Síncrotron em Campinas a forma como o arsênio se ligava a óxidos de alumínio. Foi um dos estudos pioneiros que associou modelagem molecular experimental e teórica, reconhecido no exterior, e serviu também para começarmos uma parceria com o grupo de Hélio Anderson Duarte, da química teórica [da UFMG], que perdura até hoje.

Acervo pessoalCiminelli com Kwadwo Osseo-Asare, seu orientador de doutorado, durante a posse dela na Academia Nacional de Engenharia dos Estados Unidos, em 1994Acervo pessoal

Como resolveram o problema do arsênio?
Examinamos recentemente amostras do solo por microscopia de alta resolução e vimos que havia, de fato, concentrações elevadíssimas de arsênio nos solos, mas estava preso em nanocristais de oxi-hidróxidos de ferro, com baixa biodisponibilidade. Ou seja: mesmo se alguém for exposto ou inadvertidamente ingerir o material, apenas pequenas quantidades de arsênio serão liberadas no organismo, em níveis que não representam riscos significativos à saúde. Para a empresa que atua na região, essa informação é importantíssima, porque evitou que a extração de ouro fosse interrompida. A contaminação por arsênio poderia também prejudicar o município, dependente da agricultura. As informações foram levadas aos moradores de Paracatu, em Minas Gerais, que temiam o risco de contaminação por causa da exposição ao arsênio e ao poder público. Como é comum em pesquisas de médio a longo prazo com o setor privado, um trabalho que começou para atender a uma questão específica da empresa avançou como pesquisa e o conhecimento retornou às partes interessadas. As diretorias nacional e internacional da Kinross Gold, sediada no Canadá, incentivam publicações em revistas de alto impacto científico. É uma forma de divulgar as boas práticas para os interessados e fortalecer a imagem da companhia.

Como é fazer acordos com empresas estando em uma universidade pública?
Quando iniciei, em 1988, havia uma resistência muito grande na própria universidade, mas isso mudou. Agora o próprio governo lança editais promovendo essa colaboração e exige que o pesquisador mostre como sua pesquisa impactou outras esferas da sociedade. Também está claro que as empresas trazem problemas desafiadores, que melhoram nosso trabalho e nos permitem avançar, e recursos para o grupo de pesquisa. Minhas maiores contribuições científicas vieram de questões originalmente trazidas por empresas. Meu grupo sempre foi multidisciplinar, com alunos que vieram da farmácia, da biologia, da química, da engenharia mecânica, da química e metalúrgica. Em 1987, quando voltei do doutorado, nos Estados Unidos, eu disse, com a devida ingenuidade: “Quero fazer igual”. A despeito das diferenças, o capital humano é da mesma qualidade. Sempre investi na experiência internacional dos meus alunos, muito antes do Ciência sem Fronteiras [programa do governo de intercâmbio de universitários brasileiros no exterior que vigorou de 2011 a 2017]. Sempre trouxe muitos professores do exterior e tive muitas parcerias frutíferas com empresas, que me permitiram avançar no conhecimento científico e na formação dos alunos.

Que trabalhos multidisciplinares já fez?
Ao voltar dos Estados Unidos, investi em bio-hidrometalurgia, que se vale de microrganismos para catalisar reações químicas de produção de metais. Trabalhei com materiais à base de algas e resíduos de avicultura como biossorventes para o tratamento de efluentes. A primeira planta-piloto do país empregando bio-hidrometalurgia foi construída na antiga mina de Morro Velho, em Nova Lima, e rendeu uma dissertação de mestrado de um aluno que hoje é um empreendedor de sucesso. Participei do projeto de implantação da primeira unidade industrial no Brasil utilizando um sistema chamado wetland para o tratamento de drenagem ácida de mina. São lagos artificiais, com plantas e microrganismos que tratam os efluentes ácidos de uma mina. O empreendimento, também nessa antiga mina, operou até há pouco tempo. A atuação mais abrangente veio a partir da colaboração com colegas da área de ecologia e biologia, liderados por Francisco Barbosa, da UFMG, e José Galizia Tundisi, da UFSCar [Universidade Federal de São Carlos], no INCT-Acqua.

Suas propostas de mudanças são bem aceitas pelas companhias mineradoras e metalúrgicas?
Várias mudanças fazem parte de movimentos mais amplos em curso em todo o mundo. A preocupação ambiental e a transição enérgetica são grandes propulsoras de inovação em todos os setores industriais. Os impactos do setor mineral não serão resolvidos de forma eficiente se focarmos apenas em uma cadeia produtiva. O reaproveitamento de rejeitos, por exemplo, pelo grande volume e características, requer a interação com outros setores, como a indústria de materiais, agricultura e construção civil. Cada vez mais empresas veem que o uso de tecnologias ambientalmente mais amigáveis e o uso mais eficiente do uso de água e de outros recursos naturais trazem retorno financeiro. Foi assim, por exemplo, nos períodos de escassez hídrica. Ou seja, o investimento em processos sustentáveis se paga e gera ganhos de governança ambiental e de competitividade. Como cidadã, gostaria de ver a implantação de projetos nacionais de desenvolvimento ambiciosos, que aproveitassem mais a nossa ciência, nossos engenheiros e pesquisadores, e agregassem maior valor aos nossos recursos minerais, na produção de aço, baterias ou dispositivos eletrônicos, por exemplo. Temos também de reavaliar algumas premissas. A mineração tem o que chamamos de rigidez locacional, pois não é possível mudar uma mina para outro lugar. Mas nem por isso uma decisão sobre o uso dessa riqueza pode negligenciar outras riquezas naturais e valores culturais da região. É realmente necessário extrair metais na serra do Curral, um símbolo de Belo Horizonte, ou nas serras do Complexo Santuário do Caraça, um patrimônio natural e cultural? Ou em terras indígenas? Não só a mineração, mas todos os grandes empreendimentos de engenharia, urbanos inclusive, pelas suas grandes repercussões de longo prazo e impactos, devem ser avaliados considerando esses limites e valores.

Sempre me posiciono, mas o reconhecimento se deve também a pessoas que enxergam você na multidão e veem valor em seu trabalho

Do que mais se orgulha?
Certamente ver a trajetória e realizações de ex-alunos. Consegui formar engenheiros e pesquisadores de classe mundial, que estão em empresas do país e do exterior, em centros de pesquisa, em seus próprios negócios. Até agora foram 61 orientações de mestrado e doutorado e 20 supervisões de trabalhos de pós-doutorado, aqui representados pela Claudia Lima Caldeira e Daniel Majuste, colegas de departamento. Cláudia é parceira de toda minha vida de pesquisadora nesses projetos de que já falei. Daniel consolidou a eletrometalurgia e ampliou a atuação do grupo com a mineração urbana, para reaproveitar os metais de resíduos dos aparelhos eletroeletrônicos. Há muitas abordagens possíveis. Em visitas à Europa, vi que era frequente moer e processar todo o material, mas pensamos diferente. Procuramos segregar os constituintes ainda na forma sólida para minimizar as etapas químicas posteriores. Queremos reaproveitar também o plástico e o vidro.

Um de seus projetos recentes trata da formação de engenheiros.
Sim. A Escola de Engenharia da UFMG integra desde 2019 a rede internacional GCSP, Grand Challenges Scholar Program, criada pela Academia Nacional de Engenharia dos Estados Unidos. A busca de soluções para os desafios do século XXI requer engenheiros que tenham sólida base de conhecimento e espírito empreendedor, mas também capacidade de trabalhar em equipes multidisciplinares, ambientes multiculturais e, sobretudo, clareza da responsabilidade social da engenharia. O programa já está na segunda turma de 30 alunos e a experiência tem sido muito enriquecedora, pois estabelece um locus de convivência de professores de diferentes áreas da engenharia em torno de objetivos comuns de formação de profissionais. Além disso, atrai jovens com experiências e competências diversificadas, que muitas vezes ficam escondidas e inexploradas ao longo dos cursos. O programa da UFMG propôs algo novo, que é uma atividade de imersão de alunos e mentores em um município ou empresa para entender seus problemas e propor soluções. É fascinante ver como em um curto período os alunos descobrem a multidisciplinaridade requerida para a solução dos problemas reais e percebem sua própria capacidade de analisar e propor soluções para questões novas. Já assinamos um convênio com a Vale que irá propiciar essas experiências aos alunos no seu hub de inovação. Pretendemos ampliar essas parcerias e apoios.

Como avalia a situação das mulheres em sua área?
Tenho observado um crescimento significativo nos últimos anos, não só de mulheres, mas também de outras minorias, no acesso à universidade, por meio dos programas de inclusão. Muitos desses alunos se revelam estudantes excepcionais e profissionais que se destacam depois de deixarem a universidade. No meu grupo de pesquisa, sempre predominaram as meninas, mas engenheiras ainda estão em desvantagem em termos de reconhecimento, se observarmos, por exemplo, representatividade nas academias de ciência e de engenharia ou nas categorias mais elevadas de pesquisadores do CNPq [Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico]. Ainda há muito o que avançar.

Você enfrentou resistência até conquistar seu espaço próprio?
Tive e tenho que enfrentar resistências. Tanto a estrutural, que cria barreiras para pessoas, projetos ou ideias, como aquela que recrudesce em um ambiente de competição, e até mesmo a que tenta atingir pessoas próximas. Mas por característica pessoal posso dizer que cresço nos desafios. Sempre me posiciono e defendo minhas ideias e princípios, com independência, e, quando inevitável, não fujo do confronto. O reconhecimento se deve também a pessoas que enxergam você na multidão e veem valor em seu trabalho.

Quem foram?
Várias pessoas me inspiraram, ensinaram e me apoiaram em momentos especiais, mas destaco duas. A primeira é o Evandro Mirra [1943-2018], que foi presidente do CNPq, um homem de cultura e brilho ímpares. A outra é o meu orientador de doutorado, Kwadwo Osseo-Asare, que me ensinou o que é fazer ciência. Uma mente brilhante, instigante, exigente e com grande senso de humor.

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