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Engenharia Naval

Mais petróleo em alto-mar

Dois projetos ajudam a Petrobras a cumprir metas em águas profundas

Um estudo do comportamento dinâmico dos navios-tanque fundeados, que funcionam como plataformas de exploração de petróleo no mar, permite melhorar sua eficiência e contribuirá para a Petrobras atingir suas metas de produção em águas profundas para os próximos anos – até 2005 a produção total da empresa no país deverá atingir 1,85 milhão de barris de petróleo por dia, contra 1,1 milhão atuais, na média de agosto. Iniciado em março de 1998 e com duração prevista de quatro anos, o projeto sobre sistemas de ancoragem é coordenado por Hernani Luiz Brinati, do Departamento de Engenharia Naval e Oceânica da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (USP).

É mais um reforço à liderança da Petrobras na tecnologia de exploração de petróleo em grandes profundidades. Um exemplo desse domínio é o campo Marlim Sul, na bacia de Campos, onde se extrai óleo a 1.709 metros, recorde mundial de produção em lâmina d’água.

O desenvolvimento dessa liderança tecnológica teve um estímulo forte: dos 9,8 bilhões de barris que compõem as atuais reservas de petróleo e gás da empresa, 75% estão em águas profundas (entre 400 e 1.000 metros) ou ultraprofundas (a mais de 1.000 metros). Os técnicos acreditam que o crescimento da produção depende muito da exploração bem-sucedida desses campos, onde os sistemas flutuantes – plataformas semi-submersíveis e navios-tanque fundeados – são as únicas formas viáveis de produção no mar.

O sucesso brasileiro na exploração em águas profundas só foi possível graças a um intenso programa de pesquisas, iniciado há mais de 20 anos, com cientistas e engenheiros de todo o país. Um dos estudos mais recentes é o que Brinati coordena, com foco nos navios-tanque fundeados ou FPSOs – sigla de floating production storage and offloading, ou sistema flutuante de produção, armazenamento e descarga.

Casco simples
Originalmente, os FPSOs eram superpetroleiros de casco simples e até 300 mil toneladas, que foram transformados em plataformas de produção de petróleo. É o caso do Vidal de Negreiros, de 320 metros de comprimento e 240 mil toneladas, fabricado nos anos 70 e que opera na bacia de Campos. No início dos anos 90, esses navios de casco simples começaram a sofrer restrições de navegação pelo risco que representavam ao meio ambiente – pela atual legislação internacional, os navios-tanque devem ter o casco duplo, mais resistente e menos sujeito a avarias e vazamentos.

A saída das empresas foi transformá-los em plataformas de produção em alto-mar, e hoje a Petrobras opera 12 FPSOs construídos nos anos 70. Eles têm uma vantagem sobre as plataformas normais: além de abrigar plantas de produção para separar óleo e gás, têm grande capacidade de armazenamento.

“O objetivo do projeto temático foi tentar encontrar um melhor domínio do comportamento do FPSO com as diferentes configurações de seus sistemas de ancoragem”, explica Brinati. Quando a exploração se faz em águas rasas, até 400 metros de profundidade, pode-se instalar como estrutura de produção uma plataforma fixa, enorme estrutura metálica presa ao fundo do mar. No caso de poços em águas mais profundas, contudo, a única alternativa é instalar sistemas flutuantes, que ficam amarrados ao solo submarino por correntes, cabos de aço ou de poliéster.

Forças marinhas
Aí começam os problemas. As forças ambientais incidentes sobre o sistema de amarração em águas profundas são muito altas: incluem ondas de até 15 metros, ventos de alta velocidade e correntezas de 2 metros por segundo. Por isso, as linhas de amarração do sistema flutuante, que chegam a ter 3 mil metros de extensão, movimentam-se muito e correm riscos de avarias. Ao mesmo tempo, podem desestabilizar a plataforma ou o navio, prejudicando a produção.

Note-se que, pela própria concepção de projeto, os navios-tanque são naturalmente sujeitos a movimentos de grande amplitude. “O grande desafio dos engenheiros oceânicos é manter o posicionamento de embarcações de grande porte em lâminas d’água de mais de 1.000 metros, de modo confiável e com baixo custo”, diz Brinati. Para isso, há dois sistemas de ancoragem em uso.

O mais tradicional, adotado pela indústria petrolífera de todo o mundo, é o sistema torreta, que consiste de um enorme eixo vertical trespassado na proa do navio, de onde saem cabos de amarração e tubos – em alguns casos, são mais de 40 tubos – em direção ao fundo do mar. Nesse sistema, a embarcação pode movimentar-se livremente ao redor da torreta, orientando-se de acordo com o ângulo de incidência das ondas, do vento e da correnteza.

Já o sistema Dicas – abreviatura de differentiated compliance anchoring system, ou sistema de ancoragem de tensionamento diferenciado -, criado pela Petrobras, parte de um método de ancoragem convencional, com cabos de amarração ao redor do navio. A distribuição das amarras e o seu tensionamento, entretanto, são criteriosamente planejados de modo que a embarcação possa oscilar dentro de uma amplitude determinada.

“O bom desse sistema é o custo, bem inferior ao da torreta. A grande desvantagem é que ele só permite ao FPSO uma oscilação de aproamento (verificada na proa) próxima a 45 graus, tornando-o mais sujeito aos fatores ambientais”, explica Celso Pesce, do Departamento de Engenharia Mecânica da Politécnica e que faz parte do grupo de Brinati.

Lançamento de tubos
Embora as pesquisas do grupo venham com um forte conteúdo teórico e criação de modelos matemáticos não-lineares para a simulação numérica dos movimentos do sistema flutuante, há outras aplicações práticas, revela Pesce: “Além de participarmos ativamente de diversos estudos referentes ao projeto de FPSOs, como o do futuro P-50 (Petrobras-50), no início deste ano, nossa equipe concluiu um estudo de viabilidade e dimensionamento para a instalação de um sistema de posicionamento dinâmico numa barcaça lançadora de tubulações, a BGL-1. Graças a essas pesquisas, que incluem a formulação de modelos hidrodinâmicos, aerodinâmicos e de controle, a BGL-1 deixará de ser uma barcaça do tipo amarrada e passará a ser posicionada dinamicamente, com seis sistemas propulsores”.

A BGL-1,que atua na construção e manutenção de módulos no convés de plataformas, serve para lançar oleodutos no mar. Seu posicionamento preciso é essencial ao sucesso da operação de lançamento de tubos. Os propulsores, comandados por um sistema de controle, funcionam automaticamente para corrigir a posição e o rumo, de modo que as tubulações sejam lançadas no lugar correto.

Com o sistema de amarração tradicional, baseado no lançamento de âncoras e próprio para profundidades menores, a operação era muito mais lenta e complexa. Depois de lançadas algumas centenas de metros de tubos, a barcaça tinha que ser deslocada para a frente para continuar a operação, o que tornava o trabalho custoso e demorado, pois exigia o reposicionamento das âncoras ao longo do percurso, por meio de embarcações auxiliares, os “rebocadores de manuseio de âncora”.

Kazuo Hirata, do Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT), comenta: “Essa nova operação, que tornará o lançamento de tubulações muito mais eficiente, permitindo ampliar a operação da BGL-1 para águas profundas, só foi possível graças ao desenvolvimento de modelos computacionais confiáveis, criados na Escola Politécnica e calibrados a partir de experiências feitas nos laboratórios de hidrodinâmica do IPT”.

Estudo de vórtices
André Paiva Leite, pesquisador do Departamento de Engenharia e Produção da Petrobras, revela que o trabalho da equipe da USP tem sido de grande valia para a empresa. “Independentemente de qualquer resultado direto, esses projetos têm o mérito de manter a Petrobras em contato com pesquisas de ponta”, afirma. “Além disso, as pesquisas estão auxiliando na formação de mão-de-obra especializada, essencial para o desenvolvimento da tecnologia nacional na exploração de petróleo offshore (no mar).”

Um segundo projeto, coordenado por José Augusto Penteado Aranha, da Engenharia Naval e Oceânica da Politécnica, está intimamente ligado ao primeiro. Visou ao estudo de um dos fenômenos mais complexos da mecânica clássica: as vibrações induzidas por vórtices. “Esse fenômeno ainda não está bem entendido do ponto de vista experimental e de modelagem teórica”, explica Pesce, responsável pela parte experimental.

Vórtices são movimentos turbilhonares, como os redemoinhos, que podem acontecer tanto no ar (o turbilhão gerado na ponta das asas dos aviões, por exemplo) quanto na água (o redemoinho que se forma no ralo das pias).

Vibrações intensas
Na exploração de petróleo no mar, os vórtices surgem da interação das correntes marinhas com as tubulações de perfuração e produção (os risers) que pendem das plataformas. Quando isso ocorre, cabos e tubos vibram devido à excitação produzida pela emissão alternada de vórtices, e isso gera tensões que podem causar até a ruptura do material por fadiga. “É vital que as características críticas de uma nova estrutura que esteja sujeita a vibrações induzidas por vórtices sejam conhecidas numa fase inicial do projeto”, diz Penteado Aranha.

A síntese do projeto, concluído depois de cinco anos de pesquisas, era o desenvolvimento de um método de análise que permitisse estimar a vida útil de tubos sujeitos a correntes marítimas. “Esses sistemas de risers chegam a custar dezenas de milhões de dólares e sua integridade é ameaçada pelas intensas vibrações geradas por vórtices”, diz o pesquisador. “É, portanto, importante compreender o fenômeno, pois ele tem um impacto econômico muito grande na exploração de petróleo em alto-mar.”

Para ter uma idéia da amplitude da pesquisa – que se valeu de estudos computacionais da dinâmica dos fluidos, de ensaios com modelos reduzidos feitos no tanque de provas do IPT, bem como de simulações do comportamento dinâmico de uma tubulação ou riser -, basta saber que a estrutura dos vórtices é tão complexa que atualmente os computadores só são capazes de simular numericamente uma pequena parte delas.

“Temos avançado de forma consistente. Estamos muito próximos de poder simular o fenômeno de vibrações induzidas por vórtices em risers, com inclusão de efeitos tridimensionais no escoamento”, salienta Julio Meneghini, responsável pela fluido-dinâmica computacional. “Foi possível criar o LIFE – Laboratório de Interação Fluido-Estruturas – equipando-o com estações de trabalho de última geração, de grande capacidade de processamento”, acrescenta Clóvis Martins, da Engenharia Mecânica.

Compreensão acurada
“O projeto foi essencial para colocar juntas pessoas de diferentes departamentos que trabalhavam em torno de um campo comum. Com isso, procuramos chegar a uma compreensão física mais acurada do fenômeno da vorticidade, na tentativa de construir modelos capazes de reproduzir o fenômeno observado em laboratório”, diz Penteado Aranha. “Acredito que em dois anos vamos atingir esse objetivo.”

Dos dois projetos temáticos participaram cinco pesquisadores do IPT, 11 da Politécnica e dos institutos de Física e de Matémática da USP, além de cerca de 20 alunos de iniciação científica e pós-graduação. Também colaboraram cientistas do Imperial College de Londres e das universidades de Michigan e Cornell, nos Estados Unidos.

A produção acadêmica a partir das pesquisas incluiu 60 documentos apresentados em conferências internacionais, 15 artigos em revistas científicas no exterior, além de monografias, dissertações de mestrado e teses de doutorado.

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