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As mutações da fome

Desnutrição nos primeiros anos de vida provoca hipertensão, diabetes e obesidade em adolescentes e adultos

Com um 1 ano e 3 meses, Lia mal conseguia manter-se sentada enquanto a maior parte das crianças da mesma idade já começa a andar. O motivo do atraso no desenvolvimento era a carência de nutrientes desde a gestação, que, além de ser a principal causa de mortalidade infantil nos países em desenvolvimento, pode causar danos permanentes à saúde. Após quase duas décadas em que investiga os efeitos da desnutrição infantil, a bióloga Ana Lydia Sawaya, do Departamento de Fisiologia da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), hoje consegue explicar por que a alimentação insuficiente tem efeitos duradouros e produz adultos obesos, diabéticos e com problemas cardiovasculares. E, mais do que destrinchar a fisiologia da desnutrição, ela investiu em recuperar crianças como Lia e mostrou que tratá-las até os 6 anos de idade pode evitar boa parte desses problemas.

Lia mora numa favela da Zona Sul da cidade de São Paulo, onde Ana Lydia faz boa parte de sua pesquisa. Ela escolheu trabalhar com essa população não só porque é a que mais sofre as conseqüências da pobreza. “São pessoas excluídas, fora do mercado de trabalho e do alcance das políticas públicas que poderiam ajudá-las”, explica. Ao investigar a saúde de habitantes de favelas em São Paulo e em Maceió, onde cerca de 50% da população vive em situação de miséria, o grupo de Ana Lydia verificou que adolescentes desnutridos durante a infância apresentam taxas de obesidade e hipertensão muito mais altas do que o resto da sociedade brasileira, e maior risco de desenvolver diabetes quando adultos.

Alguns de seus resultados mais recentes mostram uma elevada prevalência de hipertensão em adolescentes que foram crianças desnutridas – que chega a 21% em São Paulo. É muito alto se comparado a adolescentes que não sofreram desnutrição (7%). Para adultos com baixa estatura em Maceió essa prevalência é de 28,5% e afeta mais as mulheres (44%) do que os homens (18%); em mulheres obesas pode chegar a 50%.

O grupo da Unifesp descobriu que essa alteração na pressão arterial surge por causa de lesões que reduzem a elasticidade dos vasos sangüíneos e da má-formação dos rins. Maria do Carmo Franco, bióloga especializada em hipertensão que integra a equipe de Ana Lydia, é uma das responsáveis por explicar o que acontece nas veias e artérias. Ela mergulhou a fundo no vínculo entre desnutrição e metabolismo. Examinou crianças entre 10 e 13 anos que já nasceram com baixo peso, indício de desnutrição intra-uterina, e viu que nessas crianças o colesterol do tipo LDL – que integra a membrana das células – reage mais do que deveria com radicais livres, moléculas de oxigênio altamente reativas. É o que se chama de estresse oxidativo, que dá origem a espécies ainda mais reativas de oxigênio que por sua vez danificam as células que revestem os vasos sangüíneos: um passo para desenvolver placas de gordura que alteram a pressão sangüínea e reduz a elasticidade dos vasos, como sugerem resultados publicados este ano na revista Pediatric Research.

Vasos sangüíneos danificados, com menos capacidade de se expandir para a passagem do sangue, são apenas parte do problema. A dificuldade maior parece estar na constituição dos rins, órgãos com a função de depurar o sangue de toxinas. A má nutrição do feto pode levar a uma formação inadequada dos rins, que acabam por conter menos unidades funcionais – os néfrons – do que o normal. A equipe de Ana Lydia usa formas indiretas – como a medição do teor de toxinas no sangue – para avaliar o número de néfrons. “O ideal seria uma biópsia, mas não vou tirar um pedaço do rim de uma criança que já está debilitada”, conta. Mesmo que cada néfron trabalhe mais, os rins funcionam como um filtro pouco eficiente que limita o fluxo de sangue e acaba por aumentar a pressão arterial. “Essa é a única seqüela da desnutrição que não conseguimos recuperar”, lamenta a bióloga. Como os néfrons se formam somente durante o desenvolvimento do feto, não há nada que se possa fazer para reparar esses rins. Também não há como restituir a elasticidade dos vasos sangüíneos danificados.

A desnutrição no início da infância provoca ainda deficiências no metabolismo do açúcar, comandado pelo hormônio insulina cuja carência é a principal causa do diabetes – doença que em 2000 atingia quase 5 milhões de adultos no Brasil, proporção que deve subir para mais de 11 milhões até 2030. Em artigo publicado em 2006 no British Journal of Nutrition, Ana Lydia e sua ex-aluna Paula Martins, agora professora no campus da Unifesp na Baixada Santista, mostraram que a produção de insulina é deficiente em crianças que sofreram de desnutrição no início da vida. Isso ocorre porque a escassez de alimento nas primeiras fases do crescimento leva o organismo a produzir menos células beta no pâncreas, que fabricam a insulina. Para compensar, o organismo dessas crianças é mais sensível à pouca insulina produzida. Em famílias pobres que consomem uma dieta moderna carregada de açúcar esse desequilíbrio fica ainda mais sério.

O corpo tenta suprir a deficiência e faz cada célula do pâncreas trabalhar mais. O preço desse esforço suplementar é alto. A nutricionista Telma Florêncio, da Universidade Federal de Alagoas, usou a baixa estatura como sinal de desnutrição nos primeiros anos de vida, pois outros estudos mostraram que a contribuição genética para o crescimento é menor do que a ambiental. Ela descobriu que o organismo desses adultos de baixa estatura acaba por se tornar resistente à insulina, de maneira que mesmo em altas concentrações o hormônio não consegue que o corpo aproveite o açúcar disponível.

Embora os resultados, publicados em edição recente do European Journal of Cardiovascular Prevention and Rehabilitation, ainda não permitam explicar com clareza o mecanismo que causa essa resistência, eles mostram que cada célula pancreática tem que trabalhar mais e mais, o que no longo prazo leva o pâncreas à exaustão. “Em seguida vem o diabetes”, conclui Ana Lydia.

O trabalho da equipe da Unifesp revelou mecanismos fisiológicos que causam hipertensão e diabetes, mas na base dessas doenças está também o excesso de peso. A dieta moderna, em que a publicidade e os preços acessíveis estimulam o consumo de alimentos calóricos de baixa qualidade nutricional – hambúrgueres industrializados, frituras, biscoitos, balas –, costuma ser acusada da ascensão da obesidade. Mas, de acordo com o trabalho de Telma, na população extremamente pobre o sobrepeso não se deve a excessos alimentares: as calorias consumidas pelos obesos de baixa estatura estavam abaixo do calculado como necessário para atingir suas necessidades nutricionais. Mesmo mal nutridas, essas pessoas engordam.

Telma examinou habitantes de um acampamento de sem-tetos próximo à universidade, em Maceió, onde as condições de vida eram subumanas: famílias com uma renda mensal per capita inferior a US$ 10 viviam em barracos de plástico com um único cômodo. Os resultados mostram que cerca de 20% dos adultos tinham baixa estatura. Entre estes, 30% estavam acima do peso ou obesos e 16,3% subnutridos. Assim, o problema nutricional mais sério naquela população era a obesidade associada à desnutrição infantil: tanto homens como mulheres de baixa estatura tinham maior tendência ao excesso de peso do que vizinhos que tiveram um crescimento normal.

A obesidade é uma forma com que o organismo se defende da pobreza. De acordo com Ana Lydia, em situações adversas o sistema nervoso central regula o metabolismo para reter energia na forma de gordura. Ela demonstrou que o metabolismo de crianças com baixa estatura decompõe a gordura acumulada no corpo de forma menos eficiente. Além disso, o acúmulo de gordura é comandado pela diminuição no gasto de energia e queda na produção do hormônio IGF-1, que promove crescimento – as crianças ficam assim mais baixas. Os estudos de metabolismo mostraram que esse efeito é mais acentuado em meninas do que em meninos e faz com que essas crianças cresçam menos e armazenem a energia que ingerem na forma de gordura, provisões que podem ser essenciais para sobreviver. Ana Lydia explica por que o corpo feminino é ávido por calorias: “As mulheres precisam de mais energia para gestação e amamentação”. As reservas se acumulam sobretudo na região da cintura – reservas que liberam no sangue maiores quantidades de um tipo de gordura mais leve, que por sua vez se acumula nos vasos sangüíneos e dá origem a doenças cardiovasculares e diabetes.

A desnutrição deixa também seqüelas cognitivas. A psicóloga Mônica Miranda, da Unifesp, mostrou em artigo recente na   que crianças  entre 6 e 10 anos com má alimentação contínua desde o início da vida se lembram mal do que viram pouco tempo antes, têm um vocabulário mais restrito e sofrem de ansiedade. Outro estudo, liderado por Luciana Melo de Lima, da clínica Otomed, em Alagoas, mostrou que crianças com histórico de desnutrição têm maior dificuldade em aprender a falar.

Sem conseguir sustentar seu tronco e com o rosto inexpressivo, Lia chegou há pouco menos de um ano ao Centro de Recuperação e Educação Nutricional (Cren), a instituição brasileira de referência em tratamento de desnutrição ligada à Unifesp, fundada em 1994 por Ana Lydia. Dois meses depois a menina ensaiava seus primeiros passos e hoje caminha decidida com o olhar curioso e um cubo de brinquedo na mão para oferecer ao visitante na sala que funciona como creche para crianças de até 2 anos – outras salas abrigam três outras turmas, divididas por idade, com crianças até 6 anos. As unidades do Cren atendem cerca de 3 mil crianças por ano, das quais 70% já nasceram com peso abaixo do esperado – 2,5 quilos. Parte dessas crianças é enviada pelo sistema de saúde. A maioria, porém, é ativamente selecionada pela equipe que entra em contato com a liderança de cada favela em sua área de ação (o Cren da Vila Mariana atua na Zona Sul do município e o Cren da Vila Jacuí, inaugurado em 2006, na Zona Leste) e organiza mutirões de pesagem e medição. “É nas famílias mais desestruturadas que estão as crianças em estado de desnutrição grave. Não adianta esperar que venham a nós, essas pessoas não podem nem pagar o ônibus”, conta Ana Lydia. O grupo inclui as crianças desnutridas em seu programa e fornece vales-transporte para que compareçam ao Cren. “Em algumas dessas famílias o pai não existe e a mãe tem problemas com álcool ou drogas, de forma que temos que acionar outros laços sociais”, completa. A equipe de censos, que inclui médicos, nutricionistas, assistentes sociais e voluntários, elabora mapas da rede social de cada criança. São diagramas em que estão representados todos aqueles com quem a criança pode contar: parentes, vizinhos, amigos ou instituições como ONGs e programas do governo. Às vezes é preciso acionar elementos dessa rede para levar a criança ao Cren com regularidade.

Os pequenos pacientes são atendidos conforme o grau de desnutrição. Alguns são atendidos no ambulatório, onde recebem tratamento para infecções ou parasitoses, além de orientados para que se alimentem bem. Para os casos graves há o sistema de hospital-dia, em que a criança passa dias inteiros no centro onde recebe cinco refeições por dia, além de acompanhamento médico, nutricional, pedagógico e – quando necessário – psicológico. O serviço social e a equipe de nutrição oferecem oficinas de culinária, onde as mães aprendem não só a fazer refeições nutritivas a baixo custo, aproveitando ao máximo alimentos comuns como arroz, feijão e verduras, mas também a fazer suas compras de forma mais eficiente e econômica. Crianças também participam de oficinas de manipulação de alimentos, em que aprendem a reconhecer os itens de um cardápio equilibrado e, no caso das mais velhas, preparar algumas receitas.

Os dados coletados ao longo dos 13 anos do Cren mostram que até os 6 anos de idade a recuperação é bastante eficaz, mas o ideal é que aconteça até os 2 anos. “É aí que se estabelecem gostos alimentares”, explica Ana Lydia, “é só comendo fruta e verdura desde cedo que se firmará o reflexo condicionado que cria o desejo de consumir alimentos saudáveis”. As crianças tratadas recuperam a estatura mais depressa do que ganham peso. Até a densidade óssea, que perde qualidade com a desnutrição, se normaliza com o tratamento no Cren. A melhora, porém, é mais marcada em meninas do que em meninos. “Fisiologicamente somos o sexo forte”, diz Ana Lydia. “O corpo feminino é esperto, se recupera rapidamente.”

O tratamento do Cren não normaliza só o tamanho. Ana Lydia mostrou que é possível recuperar o pâncreas e evitar a obesidade. Com isso, boa parte das doenças crônicas que a desnutrição causa no adulto pode também ser evitada. Após o tratamento a equipe acompanha as crianças para verificar se os efeitos se mantêm. O resultado das pesagens e medições periódicas é animador: mostra que a melhora física e a alteração nos hábitos alimentares persistem em casa, mesmo que as condições de renda e moradia não mudem.

O Cren representa uma experiência de sucesso em São Paulo que será em breve implementada em Maceió. Mas não é a única. Já foram criadas iniciativas com alcance nacional, mas elas têm duração curta ou não conseguem atingir toda a população. Em 1999 o governo federal instituiu o Incentivo ao Combate às Carências Nutricionais (ICCN), em que deveriam ser inscritas crianças com deficiência de peso. Pelo menos em alguns locais a iniciativa foi bem-sucedida, como mostra o artigo encabeçado por Rita Goulart, da Universidade São Judas Tadeu (São Paulo), nos Cadernos de Saúde Pública. Os pesquisadores avaliaram 724 crianças de até 2 anos que foram atendidas pelo ICCN no município paulista de Mogi das Cruzes entre 1999 e 2001. O programa incluía avaliar e tratar problemas de saúde das crianças, orientar as mães quanto à alimentação e fornecer leite em pó e óleo de soja (para aumentar o teor calórico do leite) às crianças inscritas. Elas cresceram, mais rápido quanto mais grave era o estado inicial de desnutrição.

Apesar das experiências bem-sucedidas, o ICCN foi substituído por outros programas sociais do governo, como a Bolsa-Alimentação e o Bolsa Família. De acordo com Ana Lydia, o Programa de Saúde da Família, que prevê visitas domiciliares, é a iniciativa do governo, que poderia funcionar na prevenção da desnutrição.  No entanto, na prática isso não acontece. “A estrutura do programa não permite visitas domiciliares sistemáticas em favelas, e não é possível tratar desnutrição mais grave sem uma estrutura de hospital-dia como a do Cren”, lamenta.

Em contraposição à realidade dolorosa da fome nas favelas, dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) indicam que o Brasil está passando por uma transição nutricional, em que a desnutrição infantil se torna cada vez mais rara e a obesidade a partir da adolescência cresce de forma alarmante.  A pesquisa, cujos dados foram analisados por Carlos Augusto Monteiro e Wolney Conde, da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (USP), seguiu a metodologia padrão do IBGE para inquéritos domiciliares – sorteiam-se conjuntos de moradias em zonas urbanas e rurais, inclusive favelas e cortiços. Os resultados mostram nos últimos 30 anos uma queda contínua na prevalência de desnutrição na idade mais vulnerável – até 5 anos – de 16,6% em 1974-1975 até 4,6% em 2002-2003. A pesquisa mostrou também que a situação ainda é preocupante nas regiões Norte e Nordeste, sobretudo em áreas rurais da Região Norte, onde a desnutrição infantil atinge 11% da população. Nas demais regiões, porém, a pesquisa detectou desnutrição em 3,5% da amostra, valor que para Monteiro indica que o problema está quase controlado.

Preocupante também é o aumento do sobrepeso e obesidade a partir da adolescência – de 5,7% em 1974-1975 para 16,7% em 2002-2003 –, que segundo Monteiro ocorre em todas as regiões e estratos econômicos e resulta de alimentação inadequada e pouca atividade física. Esses e outros dados estão num inquérito nacional feito em 2006 por um consórcio de instituições acadêmicas liderado pelo Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap), cujos resultados Monteiro está ainda analisando.

Porém Ana Lydia argumenta que esses dados não resumem a realidade brasileira. “Censos são feitos por endereço ou outros localizadores oficiais. Quando se trabalha com miséria e favelas, são pessoas que não existem – não têm endereço, não têm emprego, não têm carteira de identidade. Trabalhar com médias nacionais não faz sentido no Brasil, com desigualdade de renda e exclusão social tão grandes.” Para ela, desnutrição e obesidade não são doenças opostas. Ao contrário, o fato de que a primeira causa a segunda indica que elas estão associadas aos mesmos mecanismos fisiológicos. “Desnutrição e obesidade coexistem nas favelas, dentro das mesmas famílias”, completa a pesquisadora, que ressalta que ninguém sabe bem quantos desnutridos há no Brasil. “Não sabemos nem quantas pessoas moram em favelas em São Paulo – as estimativas variam entre 1,1 milhão e 2 milhões –,  o que  dirá no resto do país. Como poderíamos dizer que cobrimos sua situação nutricional?”

ALTO DO TRAPUÁ
João Cabral de Melo Neto 

Já fostes algum dia espiar
do alto do Engenho Trapuá?
Fica na estrada de Nazaré,
antes de Tracunhaém.
Por um caminho à direita
se vai ter a uma igreja
que tem um mirante que está
bem acima dos ombros das chãs.
Com as lentes que o verão
instala no ar da região
muito se pode divisar
do alto do Engenho Trapuá.

Se se olha para o oeste,
onde começa o Agreste,
se vê o algodão que exorbita
sua cabeleira encardida,
Se olha para o oeste,
onde começa o Agreste,
se vê o algodão que exorbita
sua cabeleira encardida,
a mamona, de mais de altura,
que amadurece, feia e hirsuta,
o abacaxi, entre sabres metálicos,
o agave, às vezes fálico,
a palmatória bem estruturada,
e a mandioca sempre parada
na paisagem que o mato prolixo
completa sem qualquer ritmo,
e tudo entre cercas de avelós
que mordem com leite feroz
e ali estão, cão ou alcaide,
para defesa da propriedade.

Se se olha para o nascente,
se vê flora diferente.
Só canaviais e suas crinas,
e as canas longilíneas
de cores claras e ácidas,
femininas, aristocráticas,
desfraldando ao sol completo
seus líquidos exércitos,
suas enchentes sem margem
que inundaram já todas as vargens
e vão agora ao assalto
dos restos de mata dos altos.

Porém se a flora varia
segundo o lado que se espia,
uma espécie há, sempre a mesma,
de qualquer lado que esteja.
É uma espécie bem estranha:
tem algo de aparência humana,
mas seu torpor de vegetal
é mais da história natural.

Estranhamente, no rebento
cresce o ventre sem alimento,
um ventre entretanto baldio
que envolve só o vazio
e que guardará somente ausência
ainda durante a adolescência
quando ainda esse enorme abdome
terá a proporção de sua fome.

Esse ventre devoluto,
depois, no indivíduo adulto,
no adulto, mudará de aspecto:
de côncavo se fará convexo
e o que parecia fruta
se fará palha absoluta.

Apesar do pouco que vinga,
não é uma espécie extinta
e multiplica-se até regularmente.
Mas é uma espécie indigente,
é a planta mais franzina
no ambiente de rapina,
e como o coqueiro, consuntivo,
é difícil na região seu cultivo.

São lentes de aproximação
as que instala o verão
no mirante do Engenho Trapuá.

Tudo permitem divisar
com a maior precisão:
até uma espiga sem grão,
até o grão de uma espiga,
até no grão essa formiga
de ar muito mais racional
que o da estranha espécie local.

 

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