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Rob DeSalle

Rob DeSalle

Genomas revelam lugar do homem e de cada organismo no planeta

Além da realidade: DeSalle contempla DNA Ilustrado

Marcia MinilloAlém da realidade: DeSalle contempla DNA IlustradoMarcia Minillo

Rob DeSalle não se limita a um tema de pesquisa. É especialista em estudar genomas – objeto e objetivo variam. Curador da Divisão de Zoo­logia de Invertebrados na parte de pesquisa do Museu de História Natural de Nova York, em seu laboratório inúmeros projetos examinam o material genético de organismos tão diversos quanto vírus e mamíferos. Com isso ele e seus colaboradores buscam caracterizar a biodiversidade, organizar a classificação, buscar caminhos para conservação e mais. Esse espírito aventureiro – num rosto com um quê de surfista – não podia deixar de se entusiasmar quando a curadoria de exposições públicas lhe pediu que projetasse uma mostra. Nasceu aí a Revolução genômica e o caminho para novos aprendizados: tornar concreto para o público leigo um tema abstrato e atravessar a fronteira entre as duas­ partes do museu – aquela onde crianças e adultos têm a imaginação e a curiosidade científica atiçadas, e a quase secreta, onde pesquisadores circulam por escadas estreitas entre caixas empoeiradas que abrigam coleções científicas.

“O DNA é uma coisa real”, afirmou logo no início ao mostrar fotografias de copos com um líquido transparente onde boiava uma massa esbranquiçada. Era material genético materializado na cozinha de sua casa. “Fiquei tentado a fazer o experimento no meu quarto de hotel ontem”, disse, dando a receita: basta lavar a boca com água salgada, cuspir num copo e misturar com um pouco de xampu. O xampu faz buracos nas células bucais dentro do copo e libera o DNA preso no núcleo. Em seguida basta abrir a garrafinha de vodca do frigobar e despejar na mistura.  O álcool faz o DNA se condensar e  se separar da água salgada, formando o tal grumo esbranquiçado.

Com isso quis mostrar que o DNA está em todas as células, mas é muito mais do que curiosidade demonstrada numa cozinha ou num quarto de hotel. “O genoma nos conta sobre nosso lugar neste mundo e também tem muito a contribuir para a saúde.” Para ouvir o que ele conta, a tecnologia tem dado saltos cada vez mais amplos e rápidos. Assim o genoma humano foi seqüenciado e agora o desafio é realizar o feito a custo mais baixo, a corrida pelo seqüenciamento de genomas a US$ 1.000.

Forma e função
Mas a genômica vai além de desvendar a seqüência do DNA nas células humanas. Um dos mais importantes desenvolvimentos da genômica, a tecnologia de microarranjos acusa a atividade genética de centenas de regiões do genoma ao mesmo tempo e permite caracterizar o funcionamento de tecidos ou doenças. Especialmente útil para estudar e diagnosticar doenças complexas e influenciadas por diversos genes como diabetes, câncer de mama ou melanoma, o microarranjo mapeia quais genes estão ativos e inativos na célula doente em comparação à normal. “É provavelmente a única maneira de entender algumas doenças”, afirmou.

O Projeto Genoma Humano tem um apelo óbvio para quem se reconhece nos resultados, mas o DNA está em todos os organismos. Por esse motivo, ele inveja a parte inicial da exposição Revolução genômica em cartaz no parque paulistano do Ibirapuera, acrescentada pelas curadoras brasileiras Mônica Teixeira e Eliana Dessen: uma réplica de floresta com plantas e animais variados. “Eu queria ter aberto a exposição com a biodiversidade, mas no museu de Nova York não foi possível”, lamentou. Vários animais já tiveram seus genomas seqüenciados, uns mais e outros menos semelhantes ao homem. DeSalle destacou as leveduras, fungos que têm 23% de seus genes em comum com o homem e são para o pesquisador essenciais, pois sem elas não se faz cerveja. “Eu gostaria de fazer cerveja a partir do meu DNA”, brincou, “mas não é possível – são os outros 77% do genoma da levedura que fazem essa tarefa”.

Saber a semelhança consigo próprio, porém, é um dos aspectos da genômica de animais que menos lhe interessa. Ele acredita que no futuro próximo é possível que exista um pequeno aparelho capaz de desvendar em minutos o material genético de qualquer organismo para identificá-lo. Seria como fazer trabalho de campo levando no bolso um leitor de código de barras. Um problema que ainda existe, e que a genômica pretende ajudar a solucionar, é que grande parte da biodiversidade é desconhecida. Estima-se que as 47 mil espécies de vertebrados que já ganharam nome representem cerca de 97% da diversidade total desse grupo, mas outros são menos privilegiados. As 6 mil bactérias conhecidas pelo nome não passam de uma fração dos 6 milhões de espécies que especialistas acreditam existir.

Genoma na prática
Para DeSalle, o genoma como código de barras ajudará a revelar a riqueza de espécies mas não é uma panacéia. O ideal será associar essa informação a espécimes de museu, que preservam características físicas dos organismos. Mas para microor­ganismos, que são muitíssimo diversos e pouco conhecidos, não há outro jeito a não ser usar técnicas como microarranjos para seqüenciar e descrever geneticamente o maior número possível.

Identificar o código de barras ajuda a manter o armazém da natureza em ordem, mas o pesquisador de Nova York ressalta que é também uma maneira eficaz de identificar tráfico de animais silvestres ou de caça ilegal. Ele ajudou, por exemplo, a desenvolver um teste genético para identificar a espécie de peixe que dava origem ao caviar comercializado nos Estados Unidos. Ficou provado que as saborosas ovas vinham de três espécies de esturjão gravemente ameaçadas de extinção, que foram por isso declaradas protegidas.

A informação genética tem sido essencial para organizar a árvore genealógica da vida. Desde que o DNA começou a auxiliar a anatomia e a aparência externa em reconhecer parentescos entre seres diferentes, foram várias as surpresas. Hipopó­tamos são parentes mais próximos de baleias do que de porcos; chimpanzés são mais aparentados conosco do que com gorilas. Com a possibilidade de extrair DNA de seres extintos, agora se sabe que os homens de Neandertal foram a linhagem humana mais próxima da que deu origem ao homem moderno. Que, com toda a sua diversidade, representa uma porção ínfima da árvore da vida – insignificância representada no Museu de História Natural de Nova York pelo Passeio da Vida, um corredor em espiral onde o visitante avança 75 milhões de anos a cada passo. Ao final dos 110 metros de comprimento se passaram 3,5 bilhões de anos – a idade estimada para o início da vida na Terra – e debaixo de uma lente de aumento está um fio de cabelo, cuja espessura representa o tempo que o Homo sapiens já passou no planeta.

Analisar em detalhe o genoma humano vem permitindo reconstruir as rotas de migração humana ao longo dos milênios que compõem o fio de cabelo do Passeio da Vida: o DNA mitocondrial, transmitido pelas mães, revela linhagens maternas; já o cromossomo Y, presente só em homens, segue de pai para filho geração após geração. Embora digam muito sobre os caminhos da humanidade, essas informações não revelam as origens de cada pessoa, advertiu o geneticista. “Se o seu cromossomo Y veio da África, isso não quer dizer muito sobre você”, afirmou. Com toda a miscigenação que acontece há milhares de anos não é possível, por exemplo, encontrar um único ancestral para cada continente. “A única coisa que sabemos é que a origem de todos os humanos está na África”, concluiu.

Voltando ao seqüenciamento do genoma humano, DeSalle incitou a platéia a pensar cuidadosamente sobre o conhecimento que vem dessas pesquisas. A genômica ensina muito sobre os animais que habitam o planeta. E também faz revelações sobre nossas origens e nosso lugar no mundo. Para ele, exposições como a Revolução genômica contribuem para que esse conhecimento se estenda para além das esferas científicas e chegue à sociedade inteira.

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