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Imunologia

Resposta controlada

Anti-inflamatórios podem combater reação exagerada do sistema imune à malária

DR GOPAL MURT/SCIENCE PHOTO LIBRARY/SPL DC/ LATINSTOCKInvasores no sangue: glóbulos vermelhos infectados por PlasmodiumDR GOPAL MURT/SCIENCE PHOTO LIBRARY/SPL DC/ LATINSTOCK

Quando o parasita microscópico que causa a malária invade o sangue de uma pessoa, ele ataca e destrói os glóbulos vermelhos, causando anemia. As células danificadas aderem às paredes dos vasos e, nos casos mais graves, podem obstruir o fluxo sanguíneo e causar danos ao cérebro. Em resposta, o sistema imunológico é ativado e completa o quadro de sintomas com febre, dores musculares, fortes tremores e até convulsões. Um dos maiores desafios de saúde pública, essa doença, que infecta cerca de 250 milhões de pessoas no mundo a cada ano, é ainda mal conhecida em seres humanos. Uma medida desse desconhecimento é a descoberta feita pelo grupo do imunologista Ricardo Gazzinelli, do Centro de Pesquisas René Rachou, em Minas Gerais: o sistema imunológico tem uma resposta exacerbada a esse parasita, o plasmódio. Exatamente o contrário do que se pensava. Os resultados indicam também que drogas que controlem essa reação inflamatória excessiva – hoje fora do arsenal dos médicos contra a malária – podem ser aliadas valiosas contra a doença.

As expectativas de como o sistema imunológico reagiria à infecção vinham do que se sabe a respeito da sepse bacteriana, um quadro de infecção e inflamação generalizadas considerado semelhante à malária em diversos aspectos. Nos casos extremos, o sistema imunológico entra no que os especialistas chamam de “paralisia imune”, um estado em que as células de defesa deixam de reagir, de maneira semelhante a um músculo que se contrai a ponto de impedir os movimentos. Os suspeitos em comandar esse processo são proteínas protagonistas na resposta imune inata, os receptores conhecidos como TLR, abreviação do inglês toll-like receptors. Na membrana das células de defesa, os TLR têm a função de reconhecer microrganismos invasores e enviar sinais para outras células que participam da reação inflamatória que ajuda a combater a infecção.

Em artigo publicado em abril na revista Proceedings of the National Academy of Sciences (PNAS), o grupo de Gazzinelli mostra o que aconteceu quando cultivaram células de pacientes com infecção aguda por Plasmodium falciparum, causador da forma mais letal da malária, na presença de compostos que ativam os TLR, ou agonistas. “Esperávamos observar uma tolerância das células aos agonistas desses receptores”, conta o pesquisador, uma expectativa coerente com a hipótese de paralisia imune. Mas o que observaram foi o oposto: “Na fase aguda da malária, a resposta dos TLR ao agressor estava superaumentada, e detectamos níveis circulantes muito elevados de mediadores inflamatórios, como várias citocinas”.

Como parte de uma colaboração com o parasitologista Luiz Hildebrando Pereira da Silva, as células vinham de 57 pacientes atendidos na clínica de malária do Centro de Pesquisas em Medicina Tropical de Rondônia, em Porto Velho – agora um braço da Fundação Oswaldo Cruz, como o René Rachou. Apesar de surpreendente, a equipe não teve dúvidas sobre o achado. “O resultado era muito reprodutível entre os pacientes”, explica Gazzinelli, “o que mostrou que o entendimento inicial estava incorreto”. Ao medir no sangue o teor de substâncias inflamatórias, as citocinas, o grupo viu também que, quando os pacientes eram tratados e curados dos parasitas, essa resposta imunológica e inflamatória voltava ao seu limiar normalmente baixo.

O passo seguinte foi entender como a estratégia de defesa contra a malária é orquestrada pelos genes do paciente. Para isso, o grupo de Gazzinelli usou microarranjos, chips em que puderam analisar de uma vez o nível de atividade de 20 mil genes por paciente, antes e depois do tratamento. E descobriram nas pessoas infectadas por malária uma expressão maior dos genes que controlam a expressão dos receptores toll-like. Mais do que isso, viram que essa atividade genética é induzida por uma citocina chamada interferon-gama (γ).

Durante a pesquisa, que rendeu o doutorado a Bernardo Franklin sob orientação de Gazzinelli, o grupo também infectou camundongos com Plasmodium chabaudi, a espécie de parasita causadora da versão da malária que acomete roedores. Ao analisar as células do baço dos camundongos sete dias depois da infecção, os pesquisadores verificaram uma produção de interferon-gama 20 vezes maior em relação aos camundongos que não contraíram malária – um resultado muito semelhante ao detectado no sangue dos pacientes humanos. Finalmente, por meio de camundongos geneticamente modificados, o estudo caracterizou a sequência de eventos que leva à resposta exagerada pelo sistema imunológico. Quando o parasita entra no sangue, ele ativa um dos tipos de receptor toll-like, os TLR-9, que por sua vez induzem os linfócitos T – uma das células de defesa – a produzir o interferon-gama. Essa substância transmite às células imunes um sinal para expressarem os genes de outras variedades de TLR, fazendo o sistema de defesa responder fortemente ao plasmódio.

Próximos passos
Não acaba aí. Em busca de tomar o controle da doença, o imunologista de Minas Gerais selecionou genes mais ativos em pacientes com a febre da malária e a partir dele espera desenvolver marcadores biológicos que permitam prever a resistência ou a suscetibilidade de cada pessoa à malária. Na outra vertente do projeto, o estudo da malária em roedores pode revelar estratégias para bloquear a ativação excessiva do sistema imunológico diante da doença. Por enquanto, os resultados indicam que drogas com atividade anti­-inflamatória que interfiram com a via de sinalização dos receptores toll-like podem ser potentes aliados na luta contra a malária. Anti-inflamatórios desse tipo ainda não estão no mercado, mas alguns compostos já estão em fase de testes pré-clínicos e clínicos.

A possibilidade de se recorrer a anti­-inflamatórios é mais uma diferença entre a doença causada pelo plasmódio e a sepse, que é também caracterizada por uma reação inflamatória exacerbada. Mas, no caso da sepse, sem essa inflamação a invasão bacteriana que deu origem ao problema pode sair vitoriosa (ver Pesquisa FAPESP nº 146); já na malária, Gazzinelli e Franklin mostraram, em artigo publicado em 2007 na Microbes and Infection, que em camundongos a reação causada pelos receptores toll-like não é importante para controlar a infecção pelo plasmódio. Dessa maneira, embora não curem a malária, esses medicamentos podem ajudar a evitar os sintomas da doença.

Artigos científicos
FRANKLIN, B.S. et al. Malaria primes the innate immune response due to interferon-γ induced enhancement of toll-like receptor expression and function. PNAS. v. 106, n. 14, p. 5.789-5.794. abr. 2009.
FRANKLIN, B.S. et al. MyD88-dependent activation of dendritic cells and CD4+ T lymphocytes mediate symptoms, but is not required for the immunological control of parasites during rodent malaria. Microbes and Infection. v. 9, p. 881-890. jun. 2007.

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