Os efeitos combinados das mudanças climáticas, desmatamento e queimadas podem desencadear um grande processo de perda da biodiversidade da Amazônia quando se alcançar 20% de devastação do território. A previsão, feita por um relatório do Banco Mundial, é usada pelo biólogo norte-americano Thomas Lovejoy, um estudioso da Amazônia há quatro décadas que introduziu o termo biodiversidade na comunidade científica nos anos 1980, para tratar da urgência em resgatar ecossistemas em degradação. “A restauração de ecossistemas, como o reflorestamento da Amazônia, em escala planetária também estabelece a possibilidade de remover parte do CO2 da atmosfera e convertê-lo em sistemas vivos”, diz Lovejoy, que preside o Centro Heinz para Ciência, Economia e Meio Ambiente, é membro do Conselho Curador da Fundação Brasileira para o Desenvolvimento Sustentável e consultor do Banco Mundial.
Em 22 de maio, o Dia Internacional da Biodiversidade, Lovejoy estará em São Paulo, a convite do programa Biota-Fapesp, para proferir uma palestra sobre o 3º Global Biodiversity Outlook (GBO3), iniciativa da Convenção sobre a Diversidade Biológica que busca discutir indicadores para se monitorar a redução nas taxas de extinção de espécies, destruição de hábitats e de serviços prestados por ecossistemas. Na entrevista a seguir, Lovejoy trata desse tema e das perspectivas da preservação da biodiversidade.
A versão preliminar do relatório Global Biodiversity Outlook 3 informa que não foi atingida a meta combinada em 2002 de “obter uma redução significativa da taxa atual de perda da biodiversidade”. Por que isso aconteceu?
As metas não tinham sido estabelecidas até pouco depois de 2002 e sempre leva tempo para definir as atividades e organizar as instituições. Mas a consciência de que elas não estavam sendo atingidas levantou discussões sobre a necessidade de fazer da definição de metas um exercício mais sólido. Diria que o problema foi que a questão não estava sendo suficientemente levada a sério em termos globais.
Qual é a sua opinião sobre as políticas e as ações adotadas para proteger a Floresta Amazônica nos últimos 10 anos? A savanização da Amazônia foi apontada pelo Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC) como uma provável consequência do aquecimento global. Acredita neste cenário?
Houve uma mudança dramática e positiva na última década na Amazônia brasileira. Isso incluiu um abrupto declínio nas taxas de desmatamento, a criação de expressivas novas áreas de proteção, melhorias no processo de titulação de terras e uma mudança geracional nas lideranças dos estados da região. Trata-se, no entanto, de uma corrida contra o tempo. Um estudo recente do Banco Mundial mostrou que os efeitos combinados das mudanças climáticas, desmatamento e queimadas poderiam desencadear um processo de morte da floresta quando se alcançasse 20% de devastação na Amazônia. Isso traria implicações importantes para a agroindústria e a geração de energia hidrelétrica ao sul e a leste por causa das chuvas oriundas do ciclo hidrológico da Amazônia. Isso faz com que o reflorestamento agressivo da Amazônia para reconstruir uma margem de segurança seja uma prioridade urgente.
Como a redução na perda da biodiversidade pode ajudar a enfrentar a pobreza, promover o desenvolvimento e lidar com as mudanças climáticas?
Pavan Sukhdev, do Deutsche Bank, fez um importante estudo dois anos atrás no qual documentou a parcela significativa da renda dos pobres gerada por produtos e serviços da biodiversidade e dos ecossistemas. A biodiversidade é de enorme importância para os pobres. Mas todos nos beneficiamos dela, não apenas os pobres. A bacia hidrográfica de Nova York fornece água de alta qualidade para a cidade ao custo de um décimo do valor que seria gasto por uma estação de purificação de água criada para a mesma tarefa. A humanidade se beneficia regularmente das contribuições das espécies selvagens e dos ecossistemas, embora cometamos o erro de raramente contabilizarmos isso dessa forma. A restauração de ecossistemas, como o reflorestamento da Amazônia, feita em escala planetária estabelece a possibilidade de remover parte do CO2 da atmosfera, provavelmente o equivalente a 40 partes por milhão, e convertê-lo de volta em sistemas vivos.
Incertezas sobre os resultados da ciência do clima têm sido usadas para atacar as conclusões do IPCC. Como os cientistas enfrentam as críticas relacionadas à perda da biodiversidade?
Há inevitavelmente desacordo acerca de detalhes, mas essencialmente todos os cientistas que estudam a biodiversidade concordam que existe uma crise. Prevejo que em algum momento haverá um esforço coordenado para dizer que isso está acontecendo, mas que não é importante. Mas até mesmo o ex-governador do Mato Grosso Blairo Maggi sabe que seus campos de soja dependem das chuvas que vêm do Amazonas, um serviço que seria uma loucura ignorar ou permitir que deteriore.
Quais são as principais diferenças do GBO3 e dos relatórios anteriores em relação à quantidade e à qualidade de dados globais e ao uso de indicadores ligados à proteção e ao uso sustentável da biodiversidade? A ciência brasileira tem ajudado com bons dados?
O GBO3, assim como seus predecessores, é construído a partir de relatórios nacionais bem como de outros dados. Os relatórios nacionais estão claramente muito melhores e mais robustos hoje em contraste com os do GBO1 e do GBO2. Não vi o relatório brasileiro, mas suponho que também seja bom e robusto. O Brasil é muito forte cientificamente, inclusive em biologia da conservação. Certamente, o programa Biota e instituições como a FAPESP têm contribuído significativamente para esse relatório e para os próximos, assim como para a conservação em si.
Há uma tendência de organismos multilaterais de converter a proteção à biodiversidade em serviços ambientais, utilizando-os para quantificar avanços nas questões de conservação da biodiversidade. Concorda com isso? Há quem diga que se trata de uma simplificação antropocêntrica, pois os serviços considerados são benefícios para o homem.
Os serviços dos ecossistemas constituem uma perspectiva importante sobre o valor da natureza para a humanidade, mas há uma abundância de discretos “produtos” que emanam de uma única espécie ou de grupos de espécies que não devem ser ignorados. É fundamental reconhecer que as espécies são a estrutura de um ecossistema e é a soma de suas funções que fornece um serviço.
Qual a sua opinião sobre a ciência brasileira vinculada à conservação e ao uso sustentável da biodiversidade?
O Brasil tem ecologistas, especialistas em biodiversidade, biólogos da conservação e outros cientistas de classe mundial. Eles dão uma enorme contribuição em âmbito nacional, além de uma contribuição significativa em escala mundial. O mundo só pode se beneficiar se a influência científica do Brasil neste campo continuar a crescer.
Qual é a sua opinião sobre a política de combate à biopirataria no Brasil?
De modo geral, tem havido um considerável exagero na preocupação com a biopirataria no Brasil. Nós estamos em uma nova época na qual cientistas do mundo inteiro são sensíveis ao problema e estão sujeitos a autorizações nos países em que trabalham. Os reais biopiratas são aqueles que destroem a biodiversidade, porque, dessa forma, ela não poderá nunca contribuir para o conhecimento e o bem-estar dos cidadãos. Houve um momento na década passada em que as políticas de permissão tornaram-se pesadas para desencorajar os estrangeiros a participar da pesquisa. O progresso da ciência é maior quando a colaboração internacional é facilitada.
Considera justas as críticas sobre as estratégias brasileiras para obter energia? Usinas hidrelétricas e bioenergia são opções limpas, mas enfrentam críticas em relação a impactos na biodiversidade e a segurança alimentar.
O Brasil está em posição de fazer contribuições importantes no campo da energia, particularmente em biocombustíveis, embora os detalhes sejam sempre importantes. Ao mesmo tempo, existem oportunidades imensas para melhorar a eficiência energética. Eu acho que o Brasil precisa de um novo modelo nacional para ir ao encontro de suas necessidades de energia de uma maneira muito mais sustentável – capaz de incorporar eficiência, preocupação com o uso da terra e formas adequadas de fazer barragens em rios. Até que desenvolva esse novo modelo, estará sujeito a projetos problemáticos como esse da Usina de Belo Monte.