Laura DaviñaPesquisadores da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), em parceria com a empresa Cargill Agrícola, desenvolveram uma gordura com baixo teor de ácidos graxos saturados e isenta de ácidos graxos trans, que já é utilizada pela indústria alimentícia como recheio de biscoitos e na formulação de diversos produtos. Desde agosto de 2009 a gordura, com depósito de patente no Brasil e no exterior, está sendo fabricada e comercializada pela Cargill. As matérias-primas usadas para a obtenção do produto, provenientes de fontes vegetais, não são novas. “Elas são utilizadas em produtos já estabelecidos no comércio brasileiro”, diz a professora Lireny Aparecida Guaraldo Gonçalves, do laboratório de Óleos e Gorduras da Faculdade de Engenharia de Alimentos da Unicamp (FEA), que coordenou a pesquisa em parceria com o pesquisador Renato Grimaldi, do mesmo laboratório. “A novidade é o processo de cristalização, que atende a uma necessidade tecnológica da indústria.” Ou seja, os pequisadores conseguiram obter um produto com menor teor de ácidos graxos saturados e isento de gorduras trans sem perder as características sensoriais, de textura e de estabilidade. Além disso, para sua fabricação não foi necessária nenhuma mudança nas linhas de produção.
As pesquisas que resultaram na nova gordura tiveram início ainda na década de 1990. “Na época não havia nenhum levantamento de como era essa distribuição de gordura trans no mercado alimentício, nem tampouco se fazia sua quantificação”, diz Lireny. As primeiras pesquisas na Unicamp abrangeram metodologias para quantificação por diferentes técnicas analíticas, que já se mostravam eficientes na literatura internacional. “Com o domínio dessas técnicas, foram avaliados os teores de trans das gorduras hidrogenadas, que reinavam absolutas no mercado nacional, produzidas por grandes indústrias”, relata Grimaldi. Essas indústrias preparavam gorduras endereçadas a indústrias processadoras de alimentos com teores que variavam de 20% a 50% de gorduras trans. A metodologia universal para obtenção desses produtos era a hidrogenação parcial, em que o óleo insaturado proveniente de soja, milho, algodão, canola e outras fontes vegetais se transforma em uma massa pastosa, com o auxílio de gás hidrogênio.
Os processos de interesterificação química, alternativa para a produção de gorduras sem trans, já eram conhecidos na ocasião. “A interesterificação baseia-se na reação de óleos com um catalisador para produzir gorduras novas, em que há uma alteração da posição química dos ácidos graxos”, diz Lireny. Um dos pioneiros nesses estudos no Brasil e hoje parceiro de pesquisa do grupo da Unicamp é o professor Luiz Antonio Gioielli, da Faculdade de Ciências Farmacêuticas da Universidade de São Paulo, responsável pela seleção de várias matérias-primas que contribuíram na busca de novas gorduras sem trans. “Uma solução proposta por Gioielli é o uso de gorduras que são interesterificadas a partir da mistura de óleos líquidos interesterificados com óleos totalmente hidrogenados”, diz Lireny. Como esses produtos obtidos são mais consistentes, eles se destinam apenas a aplicações específicas, como o mercado de cobertura de sorvetes e frituras. E representam muito pouco perto das necessidades do mercado, que precisa de uma grande gama de produtos com diferentes perfis de derretimento, consistência, textura e estabilidade. A partir do caminho aberto por Gioielli, diferentes propostas foram criadas e testadas, entre as quais a dos pesquisadores da Unicamp. Em 2008, após avanços na pesquisa, houve interesse industrial pelo trabalho desenvolvido na Faculdade de Engenharia de Alimentos. Foi então estabelecido um convênio de cooperação industrial em parceria com a Agência de Inovação (Inova) e a Fundação de Desenvolvimento (Funcamp), ambas da Unicamp.
Azeite de dendê
A necessidade de declarar, a partir de julho de 2006, as gorduras trans, gorduras saturadas e outros nutrientes nos rótulos de alimentos embalados fez com que as empresas investissem em novos processos de produção. No caso da gordura saturada e dos ácidos graxos trans os valores declarados como “zero” ou “não contém” devem ser menores ou iguais a 0,2 grama do componente por porção do alimento. Um dos produtos que mais têm sido utilizados em substituição à gordura trans é o óleo de palma, também conhecido como azeite de dendê. O grande entrave para o uso em larga escala do óleo de palma é que a produção brasileira, concentrada principalmente no estado do Pará, é insuficiente para atender à demanda do produto utilizado tanto pela indústria alimentícia como pela cosmética. Os grandes fabricantes e fornecedores mundiais são a Malásia e a Indonésia, mas importar o óleo vegetal para uso geral no Brasil encareceria muito a fabricação desses produtos. Por isso as gorduras interesterificadas têm se mostrado como uma interessante alternativa ao uso do óleo de palma.
“Dados divulgados pela Associação Brasileira das Indústrias de Alimentação (Abia) indicam que, desde 2006, quando começou a vigorar a legislação, até 2010, a redução de ácidos graxos trans na alimentação do povo brasileiro foi excelente do ponto de vista nutricional”, diz Lireny. Um estudo divulgado pela Abia em novembro de 2010 apontou que, dentro das categorias de produtos analisadas, 94,6% das empresas associadas, em média, conseguiram reduzir o índice de gordura trans para o patamar estabelecido como meta em 2008 durante a 2a Reunião do Fórum da Alimentação Saudável, instituído por meio do Acordo de Cooperação Técnica firmado entre a entidade e o Ministério da Saúde. As metas de redução tiveram como base a recomendação da Organização Pan-americana da Saúde, que estabelece um limite de 5% de presença de gordura trans sobre o total de gorduras em alimentos processados e 2% do total em óleos e margarinas.
O estudo foi realizado entre março e outubro do ano passado, dentro do universo de empresas associadas, que representam 73% da produção de alimentos no Brasil. Foram avaliadas 12 categorias de alimentos, que incluíram salgadinhos, massas instantâneas, sorvetes, caldos, chocolates, sopas, panetones, óleos, pratos prontos, biscoitos e bolos, além de margarinas e cremes vegetais. A escolha se deu em função de serem os grupos de alimentos que apresentavam teores mais elevados de gorduras trans. Fabricantes de salgadinhos, massas instantâneas e panetones alcançaram integralmente a meta estabelecida, seguidos pelas indústrias de sorvetes, com 99,7%, e caldos e sopas, com 98,8%. Nas demais categorias, sete empresas alcançaram entre 90% e 99,7% da meta.
O projeto
Produção de gordura low trans e sua aplicação em alimentos (nº 2005/54796-4); Modalidade Auxílio Regular a Projeto de Pesquisa; Coordenadora Lireny Guaraldo Gonçalves – Unicamp; Investimento R$ 267.760,00 (FAPESP)