Uma equipe de pesquisadoras brasileiras usou duas espécies de liquens como ferramenta para avaliar a qualidade do ar da área urbana de Porto Alegre, no Rio Grande do Sul. O estudo, divulgado em janeiro de 2012 na publicação científica Environmental Pollution, avaliou as alterações causadas pela poluição na fisiologia e na morfologia de exemplares de Parmotrema tinctorum e de Teloschistes exilis. Nesses organismos, que são simbioses entre uma espécie de fungo e uma de alga, foram detectados metais pesados como cádmio, mercúrio, zinco e chumbo, além de enxofre, resultado da queima de combustíveis fósseis e prejudiciais à saúde e ao meio ambiente. Os liquens são usados como biomonitores principalmente em países europeus e nos Estados Unidos.
O estudo é o mais recente de cinco artigos resultantes da tese de doutorado de Márcia Isabel Käffer sobre o monitoramento da qualidade do ar na capital gaúcha por meio de liquens. O trabalho foi concluído no ano passado na Universidade Federal do Rio Grande do Sul com orientação da especialista em genética e biologia molecular Vera Maria Ferrão Vargas, do Programa de Pesquisas Ambientais, Fundação Estadual de Proteção Ambiental Henrique Luiz Roessler (FEPAM). “Os liquens absorvem da água e do ar os nutrientes para seu desenvolvimento. Se há algum poluente no ar, ele também é absorvido pelos liquens e se aloja em suas células, podendo até ser metabolizado”, explica Márcia. Por meio de análises em laboratório e ao microscópio, o grupo conseguiu analisar as concentrações dos metais pesados e de outros elementos químicos, além de danos morfofisiológicos nesses organismos.
As pesquisadoras, tendo como base os próprios trabalhos e os de outros grupos, sabiam quais eram as áreas com maior trânsito de veículos na cidade e, consequentemente, presumiam as que apresentariam maior poluição. A equipe acreditava que as regiões norte e central estariam mais poluídas e a menos urbanizada e mais arborizada, como a zona sul da cidade, em melhor condição. Realmente, o estudo demonstrou essas previsões.
Outro resultado inédito, segundo Márcia, é a comprovação de que as duas espécies absorvem produtos resultantes da queima dos combustíveis, os hidrocarbonetos policíclicos aromáticos (HPAs), que podem ser uma causa de alguns tipos de câncer humano.
As análises da qualidade do ar foram feitas por meio de duas metodologias: ativa e passiva. Na ativa, duas amostras de liquens foram instaladas em três bairros da cidade presos em telas fixas protegidas da chuva, do sol e de vento excessivos. Estes ficaram expostos ao longo de sete meses. Ambas as espécies acumularam poluentes, mas a Parmotrema tinctorum se revelou mais eficaz para a detecção de HPAs e os outros poluentes no ar, armazenando maior quantidade de poluentes quando comparada à Teloschistes exilis. Por isso, a primeira foi considerada mais adequada como bioindicadora.
A outra metodologia empregada, a passiva, avaliou a comunidade de liquens de 29 bairros da cidade, alguns deles mais populosos e com tráfego veicular intenso, e uma área no Parque Estadual de Itapuã, localizado a 57 quilômetros da capital gaúcha. De modo geral, para avaliar a qualidade do ar é empregado em muitos países o Índice de Pureza Atmosférica (IAP), método qualitativo desenvolvido em 1970. “Porém, ele foi feito para ser usado em comunidades liquênicas da Europa e dos Estados Unidos, onde a diversidade é menor”, alerta Márcia. As pesquisadoras adaptaram a fórmula à realidade brasileira e do Hemisfério Sul criando, assim, o Fator de Classificação Ambiental (FCA). “O FCA é um avanço importante nessa área”, ressalta Vera.
Estima-se que existam em torno de 13.500 espécies de liquens no mundo, sendo 2.874 no Brasil e destas, 912 registradas no Rio Grande do Sul. Calcula-se que cerca de 150 espécies habitam ambientes urbanos, sendo algumas delas resistentes à poluição. Dessa maneira, um ambiente com árvores ou postes repletos de liquens não necessariamente estão livres de poluição. “As espécies tolerantes à poluição podem ocupar o lugar das que desapareceram devido à ação dos poluentes”, diz Márcia.
Isso significa que os liquens podem servir como biomonitores em programas de monitoramento da qualidade do ar em outras cidades brasileiras? “Sim, mas a metodologia deve ser adaptada para outros casos”, responde Márcia. Para isso, o local a ser monitorado deve ter liquens. Mas não espere que eles funcionem como um ponteiro com indicação instantânea: os liquens não detectam mudanças rápidas, por isso são úteis para avaliar alterações anuais no teor de poluentes ou do ambiente. Por enquanto, Márcia verifica a possibilidade de desenvolver um programa de longo prazo para monitoramento da qualidade do ar na capital gaúcha usando esses organismos.
Artigos científicos
Käffer, M. I. et al. Use of bioindicators to evaluate air quality and genotoxic compounds in an urban environment in Southern Brazil. Environmental Pollution. V. 163 p. 24-31 jan 2012
Käffer, M. I. et al. Corticolous lichens as environmental indicators in urban areas in southern Brazil. Ecological Indicators. p. 1319-1332 fev 2011