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Batalhas imunológicas

Células matadoras podem controlar o vírus da Aids

Pesquisadores norte-americanos e brasileiros testam com sucesso a eficácia de linfócitos T no combate ao HIV

Na guerra contra o HIV, vírus que causa a Aids, a busca por desenvolver uma vacina costuma se concentrar nos anticorpos, as proteínas do sistema imunológico responsáveis por atacar invasores. Um grupo de pesquisadores norte-americanos e brasileiros pode ajudar a mudar esse panorama – ou pelo menos ampliá-lo –, de acordo com resultados publicados neste domingo (30/9) na Nature. Eles mostraram que um tipo específico de linfócitos T – as células que orquestram o combate a infecções – tem um papel importante no combate aos vírus e estimular a sua produção pode vir a ser uma arma eficaz.

As estrelas do estudo são as células T CD8+, responsáveis por controlar a carga viral nos pacientes conhecidos como “controladores de elite” – pessoas que, apesar de infectadas com o HIV, não desenvolvem os sintomas da doença. “Uma em cada 300 pessoas infectadas consegue controlar a replicação do vírus”, explica o patologista David Watkins, da Universidade de Miami, coordenador do estudo. Em 70% dessas pessoas, segundo ele, é possível detectar uma assinatura genética especial, que agora se sabe estar relacionada ao funcionamento das células CD8. Falta ainda entender exatamente como funciona essa relação.

O importante é que esses linfócitos conseguem, por meio de uma ação tóxica, aniquilar as células do organismo invadidas pelo HIV. “O vírus precisa de células para se replicar, e as CD8 matam essas fábricas”, explica o pesquisador norte-americano, fluente em português graças a uma longa e frutífera colaboração com colegas brasileiros.

Um vírus aparentado ao que causa Aids em seres humanos, o vírus da imunodeficiência símia (SIV), foi usado para testar a eficácia dessas células imunológicas. Nas mãos da geneticista Myrna Bonaldo, do Instituto Oswaldo Cruz (Fiocruz), no Rio de Janeiro, a vacina contra febre amarela produzida na própria instituição ganhou fragmentos de DNA do SIV e foi aplicada em macacos rhesus infectados. O resultado foi marcante: “todos os macacos estão conseguindo controlar a replicação do vírus”, comemora Watkins. A eficácia é um mistério, porque nem todos os controladores de elite humanos conseguem combater tão bem a infecção. “Precisamos entender como isso funciona antes de podermos pensar numa vacina contra Aids”, ele completa, cauteloso.

Para o norte-americano, a colaboração com o grupo carioca é essencial pela experiência em produzir uma vacina segura que já imunizou mais de 400 milhões de pessoas. “A Fiocruz é líder nessa área, está produzindo a maior parte da vacina contra febre amarela usada no mundo”, afirma. O segredo do sucesso deve estar, em sua opinião, no fato de ser uma vacina viva, com vírus ativos embora atenuados – e por isso incapazes de causar a doença. Algum elemento dessa atividade viral, que ainda precisa ser desvendado, pode também ser responsável pelo sucesso da vacina modificada em ajudar os macacos a combaterem o SIV.

“Nosso estudo aponta um novo caminho possível, não mais focado em anticorpos, mas em controle da replicação do vírus mediante a indução da produção de células T CD8 protetoras pelo organismo”, explicou Myrna à assessoria de imprensa da Fiocruz. “É como se, na rodovia do estudo de vacinas para a Aids, estivéssemos fixando uma placa nova, apontando para um novo caminho, baseado na abordagem celular.”

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