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Pragas

Grupo estuda bloquear digestão de insetos para controlar pragas

Extensa pesquisa do Instituto de Química da USP amplia o conhecimento sobre diferentes insetos por meio de uma abordagem peculiar

Vlieg//WIKIMEDIA

Estudo feito por pesquisadores da USP observou doenças podem ser controladas uma vez que o processo de digestão dos insetos seja bloqueadoVlieg//WIKIMEDIA

Agência FAPESP– Diversas enfermidades humanas, como dengue, doença de chagas e leishmaniose, e pragas que destroem lavouras de algodão, cana-de-açúcar e bananeira são problemas que têm como ponto comum o fato de serem provocadas por insetos.

Uma extensa pesquisa feita no Instituto de Química (IQ) da Universidade de São Paulo (USP) ampliou o conhecimento sobre diferentes insetos por meio de uma abordagem peculiar: a investigação da função intestinal. Com isso, abriu espaço para métodos inovadores de controle.

O trabalho compôs o projeto “A digestão dos insetos: uma abordagem molecular, celular, fisiológica e evolutiva”, conduzido de 2008 a 2012 e apoiado pela FAPESP por meio da modalidade Auxílio à Pesquisa – Projeto Temático.

O projeto, coordenado por Walter Ribeiro Terra, professor titular do IQ-USP – com a professora Clelia Ferreira como investigadora principal e vice-coordenadora –, é uma continuação de Temáticos sobre o mesmo tema desenvolvidos desde 1991. O novo projeto teve início em 2012 com conclusão prevista para 2017.

Entre as principais descobertas do projeto concluído este ano foi a de que mosquitos hematófagos da ordem Díptera têm em comum tripsinas especiais, fundamentais para a digestão de proteínas. “Essa informação torna esse tipo de tripsina um possível alvo de controle para todos os mosquitos desse grupo”, diz Terra.

Trata-se de um alvo bastante relevante, uma vez que a ordem Díptera engloba os gêneros Anopheles, Aedes e Culex, os quais agrupam insetos vetores de importantes doenças como malária, febre amarela, dengue e filariose.

De acordo com Terra, inibir a tripsina poderia ser um método eficaz de controle dessas doenças, uma vez que bloquearia o processo de digestão dos insetos. Para isso, o trabalho também envolveu a busca por inibidores químicos das enzimas encontradas.

O método utilizado foi o da modelagem computacional a partir de imagens tridimensionais dessas moléculas. Em um modelo digital em 3D da enzima a ser inibida são testadas virtualmente moléculas inibidoras que se encaixam no maior número possível de reentrâncias, ou sítios funcionais.

“Em quanto mais sítios funcionais o reagente atracar, mais forte será a ligação e mais eficiente será o inibidor”, disse Terra à Agência FAPESP, explicando que a modelagem molecular 3D é amplamente usada na indústria farmacêutica.

A enzima bloqueada não consegue se recombinar e cumprir sua função no processo de digestão, o de quebrar outras moléculas. Sem conseguir absorver os nutrientes de que precisam, os mosquitos morrem.

O estudo da fisiologia do barbeiro Rhodnius prolixus, vetor da doença de chagas, sempre foi difícil e a observação de sua função intestinal um obstáculo para os pesquisadores.

A equipe de Terra contornou o problema encontrando um inseto similar, o Dysdercus peruvianus, percevejo que ataca o algodão. Transcriptomas (partes do genoma que codificam proteínas) desse inseto mostraram detalhes que podem ser válidos também para o barbeiro, podendo gerar alvos de controle naquele inseto.

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O método utilizado pela equipe de cientistas foi o da modelagem computacional a partir de imagens tridimensionais das moléculas de tripsinaDivulgação/USP

O agronegócio da cana-de-açúcar também poderá se beneficiar do estudo. A catepsina L, enzima digestiva típica de muitos besouros, foi isolada no Sphenophorus levis, besouro cuja fase larval ataca o sistema radicular da cana. Essa enzima foi clonada, expressa e caracterizada com substratos sintéticos e inibidores. A mesma enzima encontrada no Tenebrio molitor, besouro conhecido como bicho-da-farinha, teve sua estrutura tridimensional resolvida.

“O maior desafio em identificar a estrutura tridimensional é a cristalização da proteína, porque se ela não cristaliza não conseguimos obter o modelo”, explica o professor do IQ-USP e  coordenador do projeto científico. Ele esclarece que várias proteínas não conseguem formar cristais, inviabilizando a sua visualização tridimensional.

Estrutura do desenvolvimento
Uma estrutura particular do sistema intestinal dos insetos recebeu atenção especial no Projeto Temático conduzido no IQ-USP: a membrana peritrófica.

Em formato de um minúsculo tubo, sabe-se que seu papel está ligado à eficiência digestiva, porém suas funções ainda não são totalmente conhecidas pela ciência. Algumas dessas funções hipotéticas foram testadas em insetos modelos e descobriu-se que ela possui participação preponderante no desenvolvimento dos insetos.

Insetos cujas membranas peritróficas foram inibidas tiveram o seu desenvolvimento prejudicado. Ao mesmo tempo, algumas plantas possuem reagentes naturais que atacam essa membrana, o que as protege de serem devoradas por insetos. “Essas informações tornam essa estrutura um importante alvo para processos inovadores de controle”, observa Terra.

O Projeto Temático também promoveu avanços consideráveis no conhecimento da evolução das espécies. Além de possível alvo de controle das moscas domésticas, a enzima catepsina D também está presente em humanos e em outros animais que possuem sistemas digestivos muito ácidos voltados a processar alimentos ricos em bactérias.

“O interessante dessa descoberta foi constatar que a mesma adaptação evolutiva ocorreu duas vezes e de maneira independente na mosca e na espécie humana”, afirma Terra.

Outro avanço importante foi sobre a morfofisiologia dos insetos. Um estudo com o percevejo Podisus nigrispinus, predador de outros insetos, mostrou que a então chamada digestão extraoral daquele inseto é uma dispersão dos tecidos da presa por ação de uma substância salivar. A digestão propriamente dita ocorre no interior do intestino do inseto.

A descoberta, publicada no Journal of Insect Physiology, provocou uma menção especial de um parecerista da revista. “Ele escreveu que a partir desse trabalho deve-se repensar os conceitos de digestão fora do corpo”, conta Terra, salientando que a equipe recebeu com muito orgulho esse reconhecimento.

O projeto ainda identificou a lisozima como uma enzima crítica na digestão de moscas que atacam frutas, a trealase é crucial para lagartas pragas de lavouras e as beta-glucanases, ausentes nos mamíferos, estão relacionadas à digestão e ao sistema imunológico de insetos. Todas elas são potenciais alvos de controle dos insetos envolvidos.

Mais de 1,3 mil citações
Os resultados dos quatro anos de estudos estão registrados em 20 publicações e quatro capítulos de livros e os trabalhos de laboratório do projeto foram citados 1.357 vezes na literatura científica mundial nesse período.

No âmbito do Projeto Temático foram desenvolvidas três dissertações de mestrado, seis teses de doutorado e duas de pós-doutorado. O projeto contou com cinco Bolsas FAPESP de Iniciação Científica, uma de Doutorado e as duas de Pós-Doutorado.

O Temático ainda promoveu trabalhos em parcerias com diversas instituições nacionais como a Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), a Universidade Federal de Lavras (UFL), a Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), o Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia (INCT) de Entomologia Molecular do qual o IQ-USP faz parte e a Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq) também da USP.

O grupo ainda participa de um consórcio internacional para o sequenciamento do genoma do barbeiro Rhodnius prolixus cujos resultados ainda estão em análise e, de acordo com Terra, ainda devem gerar diversas aplicações práticas.

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