Se o espaço reservado à cobertura de temas de ciência passa por certo encolhimento na mídia tradicional, há um número crescente de blogs, em diferentes regiões do mundo, com o perfil de informar, analisar e difundir resultados de pesquisas de maneira qualificada, além de questionar políticas científicas. Essa constatação foi feita na 8ª Conferência Mundial de Jornalistas de Ciência, organizada pela Federação Internacional de Jornalistas de Ciência (WFSJ, na sigla em inglês) e que reuniu cerca de 800 jornalistas e comunicadores de ciência de aproximadamente 80 países em Helsinque, na Finlândia, no final de junho. “A dinâmica do jornalismo científico de qualidade é mais forte do que nunca, e a comunidade global de jornalistas e os comunicadores de ciência podem trabalhar juntos para criar novos modelos de jornalismo científico que atravessam fronteiras nacionais neste mundo digitalmente conectado”, pontuou a declaração final da conferência.
As plataformas digitais consolidam-se como espaço de atuação profissional para jornalistas que não encontram trabalho nas reduzidas redações das mídias tradicionais e permitem ampliar o público e a participação dos leitores, em diferentes níveis de interatividade, na elaboração e discussão dos assuntos de ciência. Com essas percepções e a constatação de que blogueiros estão deixando de ser vistos como escritores amadores para figurar entre os melhores comunicadores de ciência no mundo, a organização da conferência dedicou três mesas para o debate sobre formas de atuação nessa plataforma digital. Uma delas, intitulada “The ‘killer’ science journalists of the future”, foi organizada por Bora Zivkovic, médico veterinário que edita 63 blogs no portal da revista Scientific American, incluindo A Blog Around the Clock, de sua autoria. Ele também é cofundador e diretor do ScienceOnline, comunidade virtual que reúne pesquisadores, estudantes, blogueiros, artistas, desenvolvedores de web e educadores interessados na popularização da ciência. Na opinião de Zivkovic, é preciso levar em conta que, embora trabalhar na mídia impressa, no rádio e na TV renda salários melhores e atinja certos públicos qualificados, esses meios estão perdendo público rapidamente. “Assim, é interessante se concentrar no mundo on-line, e ocasionalmente ganhar algum dinheiro na mídia tradicional, quando for possível”, disse. Apelidado de blogfather, Zivkovic é conhecido por seu papel ativo na descoberta de escritores talentosos, ajudando-os até que possam seguir por conta própria. Primeiro blogueiro a ter um post citado como referência em um artigo científico, ele planeja, em parceria com três outros colegas, editar um livro que poderá servir como um manual para os blogs de ciência, útil para pesquisadores e jornalistas.
De acordo com Zivkovic, para ser um jornalista de ciência ‘matador’, o profissional deve conjugar boas práticas do jornalismo com habilidades multimídia, com criatividade para produzir conteúdo e compreensão de que a blogosfera científica pressupõe uma nova lógica de relacionamento com o público e com seus pares. Na prática, significa domínio de ferramentas tecnológicas e de linguagens – vídeo, podcast, fotografia, charges, infográfico, história em quadrinhos, poesia, música, ficção científica –, que permitem explicar ciência de forma atrativa. Também significa, ele diz, saber lidar com feedbacks instantâneos, às vezes devastadores, com o máximo de transparência, retidão e reconhecimento de erros. Significa, ainda, que alcançar visibilidade implicará a construção de uma comunidade de “amigos virtuais” que servirão de replicadores dos trabalhos publicados.
Zivkovic ressalta que, assim como a comunidade científica cita seus pares em artigos científicos, o texto on-line, sobretudo na cobertura de temas ligados à pesquisa, deve fazer ligações com todos os documentos e referências mencionadas. “Confiança e reputação são as moedas no novo ecossistema da comunicação. No mundo on-line a moeda de confiança é o hiperlink. Mesmo que a maioria dos leitores não tenha tempo para abrir todos os links, eles são a prova de que o autor fez a diligência de pesquisar dados e fontes relevantes”, diz.
Cobertura abrangente
Rose Eveleth, que além de jornalista atua como desenhista, produtora de vídeo e podcast e programadora, ressaltou na conferência o desafio de ser flexível. Ela escreve sobre ciência para o blog da Smithsonian Magazine, gerencia as mídias sociais da Nautilus Magazine, é curadora do Science Studio (que reúne trabalhos multimídia em ciência) e cria animações para a plataforma TED de aulas e conferências na web, entre outras atividades que podem ser conferidas em www.roseveleth.com. “A capacidade de ter um enorme fluxo de informações chegando, de saber usá-las para contar uma história e de fazer algo grande e significativo para as pessoas, em todos os tipos de plataformas, é totalmente nova e fascinante. Passo muito tempo trabalhando com podcasts, animações, ilustrações, infográficos, mapas, web design e assim por diante”, disse Eveleth.
Outra entusiasta do novo cenário é Erin Podolak, da equipe de comunicação do Dona-Farber Cancer Institute, de Boston (EUA). Há três anos ela escreve o blog Science Decoded, no qual publica informações sobre descobertas da ciência, cobertura da mídia sobre temas científicos e seu aprendizado na pós-graduação na Universidade de Wisconsin-Madison (EUA). “Multimídia é um componente crítico do jornalismo de hoje e só vai crescer em importância no futuro. Estamos vivendo em uma época de oportunidades jornalísticas. A internet e as ferramentas de mídia social, como o twitter, nos dão uma enorme vantagem quando se trata de interagir com o público”, diz Podolak.
Isso não significa que times de jornalistas trabalhando em redações estejam fora de moda, observou Lena Groeger, desenvolvedora de aplicativos para produção e publicação de notícias do site ProPublica, que também participou do debate. Com uma redação composta por cerca de 40 jornalistas dedicados a reportagens investigativas, o ProPublica é um modelo curioso de parceria entre as redações tradicionais e jornalistas que trabalham para uma organização sem fins lucrativos. Como em tempos econômicos difíceis a mídia convencional às vezes tende a deixar a investigação de lado, as histórias apuradas pelo ProPublica – como práticas enganosas cometidas por instituições públicas e privadas – são oferecidas gratuitamente aos meios tradicionais.
Em 2012 foram publicadas mais de 80 matérias, escritas por 25 parceiros. Para facilitar o trabalho da redação e tornar o site mais amigável para os leitores, alguns aplicativos e ferramentas são desenvolvidos por programadores e jornalistas com habilidades multimídia, como a própria Lena. “Realmente não há nada como a sensação de publicar uma história importante, seja na forma de uma narrativa ou de um projeto interativo. Estamos orgulhosos de tudo o que fazemos, e ficamos ainda mais entusiasmados quando os leitores ou outros jornalistas nos enviam e-mails dizendo o quão útil ou significativo nosso trabalho tem sido. Isso nos motiva a fazer ferramentas ainda melhores”, afirmou.
Alternativas de financiamento
Em meio às dificuldades para o jornalismo de ciência encontradas em países com realidades díspares, um ponto em comum é a busca por novos modelos ou novas fontes de financiamento, que não comprometam a liberdade de expressão e a independência editorial. Jornalistas que atuam na web parecem estar encontrando alternativas sustentáveis. É o caso de alguns watchdog (blogs de vigilância), que monitoram informações e histórias publicadas na imprensa, em textos publicitários ou por instituições públicas e privadas. O ProPublica, por exemplo, foi criado por Paul Steiger, ex-editor-chefe do The Wall Street Journal, como uma organização sem fins lucrativos, que conta com recursos da Sandler Foundation e de outras doações. O HealthNewsReview é mantido pela Informed Medical Decisions Foundation, que não tem influência sobre a operação editorial do projeto, segundo o jornalista responsável, Gary Schwitzer. O blog avalia o conteúdo das mensagens sobre saúde em jornalismo, publicidade, marketing e relações públicas que podem influenciar os consumidores. Já o ScienceOnline, de Bora Zivkovic, recebe doações dos leitores, que podem deduzi-las do Imposto de Renda. Há também o caso de empresas de comunicação que remuneram blogueiros – jornalistas ou não – para escreverem sobre temas específicos em blogs hospedados em seus portais. Essa é uma alternativa para dar aos veículos mais pluralidade. É o que fazem, por exemplo, o jornal britânico The Guardian, que tem 13 blogs de ciência sobre temas variados, e a revista norte-americana Wired, com 10 blogs de ciência.
Blogueiros de ciência no Brasil
A participação dos blogueiros na cobertura de assuntos científicos é notável também no Brasil, onde existem cerca de 210 blogs de ciência. Descartando-se aqueles que não tiveram posts publicados em 2013 e que não continham um perfil básico dos autores, o contingente de blogs cai para menos de uma centena, dos quais 28 são escritos por jornalistas e 69 por não jornalistas. Entre os blogs mantidos por jornalistas, 25 estão vinculados a mídias tradicionais (10 deles em cinco jornais, 15 em seis revistas de grande circulação) e três sem esse tipo de vínculo. Dos 69 blogs escritos por não jornalistas, três também se vinculam a mídias tradicionais. Esse número foi obtido por meio de um cruzamento de dados levantados no Google, nos portais dos principais veículos de comunicação de cada capital brasileira, no Anel de Blogs Científicos (lista criada pelo Laboratório de Divulgação Científica e Cientometria da Faculdade de Filosofia, Ciência e Letras da USP de Ribeirão Preto) e também no cadastro de jornalistas e veículos de comunicação do mailing comercializado pela empresa Maxpress. Entre os blogs de ciência escritos por não jornalistas, essa ferramenta de divulgação científica é mais frequentemente usada por biólogos (17), físicos (13) e psicólogos (10). Os demais blogueiros atuam numa grande variedade de áreas do conhecimento, e há casos em que o conteúdo é produzido por grupos multidisciplinares. A maior concentração
de autores (jornalistas e não jornalistas) está em São Paulo (56), seguido pelo Rio de Janeiro (17), o que pode indicar que a divulgação científica, independentemente da mídia utilizada, é mais intensa nas regiões próximas dos grandes polos de produção científica do país. Outros estados representados no levantamento são Rio Grande do Sul (6), Santa Catarina (4), Paraná (4), Pernambuco (3), Rio Grande do Norte (3), Minas Gerais (2), Ceará (1) e Mato Grosso (1).
Como não existem dados precisos disponíveis sobre o número de jornais e revistas que têm editorias de ciência no Brasil, uma consulta à base de dados do mailing de jornalistas Maxpress mostra que são 35 os jornais impressos de grande circulação que reservam espaço editorial para ciência ou contam com profissionais dedicados à cobertura do tema. Esses jornais estão distribuídos em 17 estados, sendo 46% no Sudeste: São Paulo (9), Rio de Janeiro (4) e Minas Gerais (3). No mesmo banco de dados foram encontradas 10 revistas impressas especializadas em ciência e outras 10, de interesse geral e de circulação nacional, com espaço para o tema. Há também dezenas de revistas temáticas relacionadas a áreas científicas específicas, além de 159 sites de notícias com seções de ciência e tecnologia. De acordo com o levantamento, a divulgação científica no Brasil já é feita expressivamente por blogs que representam cerca de 60% dos veículos dedicados ao assunto.
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