Universitários da graduação, com idade média de 20 anos, conseguem transformar a teoria aprendida na sala de aula em prática antecipada do mercado de trabalho como membros de empresas juniores. “O fato de podermos vivenciar a experiência profissional desde muito cedo nos permite ter uma visão sistêmica do funcionamento do mercado de trabalho e uma preparação para o que vamos encontrar pela frente”, diz Eduardo Amorim, de 22 anos, vice-presidente da Federação de Empresas Juniores do Estado de São Paulo (Fejesp) e aluno do quarto ano da Escola de Engenharia de São Carlos da Universidade de São Paulo (USP). O movimento empresas juniores, que surgiu na França em 1967 e chegou ao Brasil em 1988, tem conseguido a cada ano mais adeptos.
Em 2004 existiam no país 119 empresas e 1.417 empresários juniores. Em 2011, segundo dados do Censo e Identidade 2012 da Brasil Júnior – confederação que representa 14 federações estaduais –, o número de firmas chegou a 359 e o de empresários que responderam ao questionário foi de 4.444, mas a direção calcula que esse número ultrapasse 8 mil atualmente. Com 2.185 projetos realizados, as empresas tiveram um faturamento de R$ 8,5 milhões. “As federações de São Paulo e de Minas Gerais são as mais fortes dentro do movimento”, diz Daniel Daibert Rocha, assessor de informação da Brasil Júnior. Criada em 1990, a Fejesp é a mais antiga das federações brasileiras. Atualmente, ela reúne 37 empresas juniores, também conhecidas como EJs, vinculadas a 13 universidades – cinco públicas e oito particulares – que englobam em torno de 93 cursos de graduação e contam com cerca de 1.400 membros. A Federação de Empresas Juniores de Minas Gerais (Fejemg), criada em 1995, conta hoje com 49 empresas e cerca de 1.500 empresários. Elas representam 14 instituições de ensino, 10 delas públicas e 4 particulares.
A Empresa Júnior da Fundação Getúlio Vargas de São Paulo (EJFGV) e a Poli Júnior, da Escola Politécnica da USP, iniciaram o movimento EJs no Brasil. Com um mês de diferença elas criaram as respectivas empresas, uma em 1988 e outra em 1989, e colecionam casos de sucesso nesses anos de atividade. A EJFGV cita como exemplos dois projetos finalizados no ano passado. Um deles é o redesenho da malha logística de um centro de distribuição de uma grande companhia do setor alimentício de São Paulo que não pode ter o nome divulgado por questão de sigilo. “O modelo elaborado teve como foco reduzir o custo logístico para as entregas em cidades do interior de São Paulo, do sul de Minas Gerais e do norte do Paraná”, diz Ricardo Takaki, de 20 anos, diretor institucional da EJFGV e aluno do quarto semestre de administração de empresas.
A partir do banco de dados e de informações referentes à malha logística, que engloba 444 cidades atendidas, foram feitas modelagens de vários cenários para, após um refinamento, chegar às melhores propostas para a demanda apresentada. “Nosso estudo e a solução proposta foram tão bem recebidos pelo cliente que a equipe autora do projeto recebeu uma oferta de trabalho para implementá-lo.” Outro projeto que teve um bom resultado final, com aprovação do cliente, é o de uma escola do setor de educação, também de São Paulo, que precisava de uma avaliação da marca para atrair investidores. “Foi nosso primeiro projeto de brand valuation, que é a quantificação do valor da marca”, diz Takaki.
Entre os casos de sucesso da Poli Júnior está a modificação do layout do galpão de estoque e distribuição de produtos da Mazzaferro, fabricante de produtos para pesca de Diadema, cidade próxima da capital, realizada por alunos de engenharia de produção com o auxílio de um professor da mesma área. “O rearranjo do layout da fábrica e do processo produtivo resultou em uma economia de R$ 1 milhão por mês”, diz Pedro Martinez, de 20 anos, diretor-presidente da Poli Júnior e aluno do terceiro ano de engenharia da computação.
Outro projeto encerrado recentemente – uma demanda da Fundação para o Desenvolvimento Tecnológico da Engenharia (FDTE) – é o de um grampeador cirúrgico utilizado em operações gastrointestinais, que agora vai entrar na fase de testes. A proposta é de que o novo produto substitua o equipamento descartável utilizado atualmente, importado dos Estados Unidos a um alto custo. “Fizemos o desenho de todo o dispositivo”, diz Martinez. A Poli Jr. também atualizou, a pedido do Departamento de Serviços Gerais da Escola Politécnica, as plantas baixas de todos os seus prédios localizados no campus do Butantã. “Fizemos a adição de novos elementos, como janelas, portas e a correção da formatação de escadas”, relata. No total foram avaliados 15 prédios com 2.351 ambientes, abrangendo uma área total de 105 mil metros quadrados.
A EJFGV é formada por graduandos dos cursos de administração, economia e direito. “Como os alunos podem se tornar membros a partir do primeiro semestre, nosso foco na seleção é mais no perfil do candidato do que no conhecimento técnico”, diz Takaki. Assim como algumas EJs, a da FGV conta com uma consultoria de recursos humanos para auxiliar no processo de seleção de seus membros. Antes de participar dos projetos de consultoria, os selecionados passam por treinamento e cursos de capacitação. “Após a aprovação, eles têm um plano de carreira, que envolve várias etapas de preparação até que se tornem consultores.”
Atualmente 60 alunos do primeiro ao sexto semestre fazem parte da EJFGV, a maioria do curso de administração. Desde a sua fundação, a empresa já fez mais de 300 projetos de consultoria. “Todo projeto é auxiliado por pelo menos um professor da faculdade, mas normalmente temos o respaldo de dois ou três professores”, diz Takaki. A EJFGV tem parcerias com as consultorias Bain & Company, de administração, MBA Empresarial, de recursos humanos, e a Mandalah, que tem como foco a inovação com sustentabilidade. “Nossos projetos são pautados em sustentabilidade, visam ao aumento do lucro mas com um filtro ambiental e social”, diz Takaki.
Na Poli Júnior, constituída por uma equipe de 90 universitários das 19 áreas de engenharia da Escola Politécnica da USP, o projeto seletivo é feito duas vezes por ano. “Nossa empresa é composta principalmente por alunos do primeiro e segundo ano, mas temos também do terceiro e quarto”, diz Martinez. O período de capacitação para um trainee vai de dois a três meses, após o qual ele é promovido a analista e tem como atividade a participação em projetos e eventos. De analista ele passará a gerente júnior, em que irá gerenciar um grupo de analistas, ou especialista júnior, em que trabalhará com projeto de pesquisa e desenvolvimento na empresa. A próxima etapa da escala é a promoção a sênior, responsável pelo acompanhamento dos juniores. Depois de cumpridas todas essas fases ele pode se candidatar a um cargo eletivo na diretoria.
“Como não podemos ter todo politécnico como membro, fazemos eventos, como uma semana de palestras e cursos direcionados a alunos de primeiro e segundo anos para mostrar as possibilidades de trabalho no futuro”, diz Martinez. Também temos um workshop de recrutamento para o terceiro, quarto e quinto anos, com a presença de empresas como Itaú, Odebrecht, Shell e outras de grande porte e participação de cerca de 6 mil pessoas. Como são associações civis sem fins lucrativos, todo o faturamento das EJs é utilizado com gastos para a manutenção de infraestrutura e capacitação dos seus membros por meio de cursos, participação em eventos e conferências.
Com 10 anos de atuação no mercado, a Mecatron – composta por 25 alunos do curso de controle e automação da Faculdade de Engenharia Mecânica da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) – realiza projetos na área de controle e automação para vários laboratórios e institutos da universidade e também para micro e pequenas empresas da região de Campinas. “Todos os membros participam de todas as etapas de um projeto, que englobam desde gerenciamento e marketing até suporte ao cliente”, diz Guilherme Plazza, de 20 anos, diretor de marketing da Mecatron e aluno do segundo ano da faculdade. Atualmente a empresa mantém cerca de 20 projetos. Nos casos que demandam conhecimentos específicos, alunos de outros cursos de engenharia da Unicamp, como o de computação, também dão sua contribuição.
Entre os projetos desenvolvidos recentemente pela Mecatron, alguns merecem destaque, como um equipamento desenvolvido para uma doutoranda do Instituto de Química, que controla de forma automática as válvulas de um experimento de purificação de substâncias químicas. “Houve um aumento de 30% na quantidade de substância purificada e de 1% na pureza do produto da reação, além de redução de seis horas de trabalho por dia”, relata Plazza. A empresa também desenvolveu um sistema de controle de temperatura para uma sala que abriga grande coleção de insetos de um professor do Instituto de Biologia. “Ele avisa pelo celular, por mensagem SMS, quando há variação anormal da temperatura.”
Microempresas da região também procuram a Mecatron. Uma lavanderia, por exemplo, encomendou a automação das máquinas utilizadas. “Para uma refinaria da Petrobras, desenvolvemos um software que mostra na tela do computador o andamento do processo de produção”, relata Plazza, que desde o primeiro semestre do curso tornou-se membro da empresa júnior da Unicamp. “Quando entrei, minha ideia era conhecer como funciona e se organiza uma empresa e entender melhor o mercado de trabalho para no futuro me tornar um profissional melhor”, conta. Ele considera que ultrapassou com folga as expectativas: “A minha visão de mundo se ampliou e, a partir do contato com clientes e outras pessoas, aprendi a me relacionar melhor e a trabalhar em equipe”. Victor Stefanelli, que até junho deste ano ocupava o cargo de vice-presidente da Ayra Consultoria, da área de gestão de negócios da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), compartilha da mesma opinião de Plazza. “Foi a experiência mais agregadora que tive desde que entrei para a universidade”, diz Stefanelli, de 20 anos, aluno do sexto semestre da Faculdade de Economia da UFRJ. “Aprender a trabalhar com pessoas de diferentes perfis, com prazos apertados, metas audaciosas e recursos limitados, foi um desafio diário.”
A Mecatron foi reconhecida como uma das quatro melhores EJs de todo o país pelo Programa de Excelência em Gestão da Brasil Júnior em julho deste ano, dentro da premiação régua 500 pontos. E foi escolhida também como a melhor organização sem fins lucrativos do estado de São Paulo, dentro do nível I do prêmio de qualidade edição 2013 concedido pelo Instituto Paulista de Excelência da Gestão (Ipeg).
A PJ Consultoria e Assessoria, formada por alunos dos cursos de engenharia de produção e engenharia mecânica da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), é outra das quatro premiadas na régua 500 pontos da Brasil Júnior neste ano. “O prêmio comprova tanto a qualidade da prestação de serviços como a gestão interna”, diz Arllen Jorge, de 21 anos, diretor de operações da empresa júnior. Além das duas, foram premiadas também a Ayra Consultoria e a FCAP Jr. Consultoria, da Faculdade de Ciências da Administração de Pernambuco.
Criada em 1995, a PJ tem hoje 60 membros. “O processo de seleção é totalmente planejado e executado pelo nosso departamento de recursos humanos”, diz Jorge. A maioria dos projetos tem como clientes micro e pequenos empresários de Belo Horizonte e região metropolitana. “Até setembro deste ano já estamos com 20 projetos, enquanto em todo o ano passado tivemos 23”, relata Jorge, aluno do sexto semestre de engenharia de produção. No ano passado, a empresa júnior da UFMG faturou R$ 115 mil. “Este ano nossa meta é chegar aos R$ 140 mil.” O processo seletivo é aberto a graduandos de todos os semestres da universidade. Mas a grande maioria dos membros da EJ cursa entre o segundo e o quarto semestres. A empresa tem 10 parceiros, entre eles a Bain & Company, a Amcham Brasil – Câmara Americana de Comércio e a Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais (Fiemg).
Entre os casos de sucesso estão a implantação de um sistema de gestão da qualidade em uma companhia do ramo de construção civil de Belo Horizonte, que resultou em um aumento de 200% no número de obras executadas. Após esse projeto, a PJ Consultoria teve, em apenas seis meses, uma demanda de mais quatro projetos para implantação de sistemas semelhantes. Outra demanda considerada de sucesso é o gerenciamento de processos e planejamento de layout do galpão da PMC, uma microempresa de produção de pisos intertravados de concreto de Nova Lima (MG), criada no final de 2011. Após 12 meses, os sócios decidiram contratar a PJ para mapear os processos produtivos e trabalhar no projeto fabril que iria receber uma segunda linha de fabricação de pisos.
A Poli Júnior, a Mecatron e a PJ Consultoria são uma amostra da composição das EJs. “As engenharias respondem por 30,08% da área de atuação no país”, diz Rocha, da Brasil Júnior. Mas as ciências sociais aplicadas, que englobam consultorias de cursos como administração, arquitetura e urbanismo, ciências contábeis, comunicação social, direito e economia, também são bem representadas, com 23,12%. No estado de São Paulo, cerca de 70% são formadas por alunos de ciências exatas. As outras 30% são formadas por alunos de química, farmácia, relações internacionais e direito. Só em 2012 as empresas filiadas à Fejesp foram responsáveis por mais de 380 projetos comerciais e tiveram um faturamento em torno de R$ 4,4 milhões. “Isso significa que, mesmo representando cerca de 10% das EJs de todo o Brasil, respondemos por mais de 50% do faturamento”, diz Amorim, da Fejesp, empresário júnior desde 2011.
Na Federação de Minas Gerais a situação é bastante semelhante. “Também aqui, mais de 70% dos alunos são dos cursos de engenharia e administração”, diz Ryoichi Penna, diretor-presidente da Fejemg. Os outros são vinculados aos cursos de comunicação, economia, contabilidade, farmácia, psicologia e tecnologia da informação. Penna, que está terminando o curso de administração na Universidade de Juiz de Fora, entrou na empresa júnior da universidade em janeiro de 2010, onde permaneceu por dois anos. “Saí para poder coordenar a conferência mundial de EJs no Brasil no ano passado e depois me candidatei à presidência da federação mineira”, relata. A conferência mundial é realizada a cada dois anos. A do ano passado, em Paraty, no Rio de Janeiro, reuniu 2.100 pessoas de 15 países. “E ajudou a criar nos Estados Unidos a primeira empresa júnior, na Universidade de Illinois”, diz Penna. Isso porque um professor da universidade esteve presente na conferência e se entusiasmou com o que viu. A próxima conferência será em Genebra, na Suíça, em 2014.
“O movimento EJ, além da Europa, é muito forte no Brasil”, diz Penna. “Aqui conseguimos uma mobilização muito grande de empresas nos eventos.” Prova disso são os encontros nacionais feitos anualmente que reúnem em torno de 1.700 pessoas a cada evento. Este ano o encontro foi em Porto Alegre e no próximo será em Aracruz, no Espírito Santo. “Temos também um trabalho de aproximação com a confederação europeia, com sede em Bruxelas”, relata. Todo semestre, a Brasil Júnior envia dois ou três integrantes para lá. Na Europa, as confederações mais atuantes são, além da francesa, as da Alemanha, Holanda, Espanha, Portugal, Itália e Romênia.
Além de as federações serem responsáveis por ações de integração para fortalecer o movimento nacionalmente, elas também cuidam da regulamentação das empresas juniores. “Hoje temos no Brasil o selo EJ, que é anual”, diz Penna. Para recebê-lo, as empresas passam por uma auditoria. As federações querem que o selo seja regulamentado por um projeto de lei, que está em tramitação no Senado.
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