Imprimir Republicar

Genomas

A identidade das frutas cítricas

Genomas mostram que laranjas e tangerinas têm origem na mistura de espécies

Domesticação elaborada: laranjas são menos banais do que parecem

Deepak Bhatia / flickr commonsDomesticação elaborada: laranjas são menos banais do que parecemDeepak Bhatia / flickr commons

No supermercado e na feira, não costuma haver dúvida na hora de comprar laranjas e tangerinas : são frutas bem diferentes. Mas nem sempre foi assim. As frutas cítricas não são espécies disponíveis na natureza, mas híbridos aprimorados por cruzamentos ao longo dos últimos milhares de anos. Mas não há registros dessa história da domesticação do gênero Citrus, que começou no sudeste da Ásia. “Sabíamos que havia misturas, mas não tínhamos detalhes”, conta o biólogo Marco Takita, do Centro de Citricultura Sylvio Moreira, em Cordeirópolis, no interior paulista. Agora um estudo internacional que inclui sequências dos genomas de várias dessas frutas conseguiu desvendar um tanto de suas origens, com várias surpresas para os pesquisadores, segundo artigo publicado domingo (8/6) na Nature Biotechnology.

Uma surpresa foi descobrir que algumas tangerinas, que se achava serem variedades da espécie ancestral Citrus reticulata, na verdade contêm em seu genoma vários trechos de outra espécie, a toranja (C. maxima). Esta é como se fosse uma laranja enorme, com até 1 quilograma, explica Takita, que não se costuma comer. É mais usada em programas de melhoramento e, agora se sabe, é parte da mexerica ponkan, que por seu sucesso comercial no Brasil foi sequenciada no Centro de Citricultura, com recursos do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia de Genômica para Melhoramento de Citros (INCT Citros), que tem financiamento da FAPESP e do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). “É importante saber que a toranja serviu como fonte genética neste caso”, afirma o pesquisador. Assim como a mexerica do rio, a ponkan era tida como representante pura de C. reticulata.

Em meio a tanta hibridização, o estudo encontrou também uma espécie inesperada. A tangerina chinesa conhecida como Mangshan, que se considerava ser apenas mais uma tangerina, é na verdade uma espécie distinta, C. mangshanensis, que parece ter um parentesco distante com reticulata.

Outra surpresa para os consumidores vem da laranja doce, que nas feiras brasileiras aparecem como laranja-pera, bahia ou lima, em suas variedades mais comuns. Uma mistura de C. reticulata e C. maxima, essas laranjas na verdade compartilham uma semelhança genética com tangerinas como a ponkan em boa parte do genoma. Os resultados revelam uma diversidade genética muito pequena entre laranjas do tipo doce e tangerinas a partir de uma origem comum. “O desafio agora é entender por que elas são tão parecidas geneticamente e tão diferentes no paladar, por exemplo”, diz Takita.

A laranja azeda, usada por exemplo para fazer doces é também um híbrido simples entre as espécies ancestrais da toranja e das tangerinas. As inferências que se pode fazer hoje a partir dos estudos genômicos, como se o filme fosse recriado do presente para o passado, indicam que a criação dessas frutas a partir do que havia na natureza parece ter acontecido no sudeste asiático, antes de serem distribuídas pelo mundo.

O consórcio de pesquisadores em busca de genomas cítricos começou a ser formado em 2003, com participação ativa do agrônomo Marcos Machado, pesquisador do Centro de Citricultura e coordenador do INCT Citros. Além de Machado e Takita, o artigo da Nature Biotechnology também teve participação da engenheira agronômica Juliana de Freitas Astúa, pesquisadora da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), e também do Centro de Citricultura.

O grupo brasileiro já começou a estudar a ancestralidade do limão, que tem origem na espécie C. medica, com sequenciamento do limão-cravo. Com a importância econômica dos cítricos, esses estudos são essenciais não só para atender a demandas do mercado e orientar a busca por novas variedades e aperfeiçoamento do sabor e outras qualidades das frutas, mas também para fazer frente a doenças. Destaca-se a huanglongbing, ou greening, que entrou no Brasil há dez anos e é uma grande ameaça aos laranjais. A homogeneidade genética destacada no estudo recém-publicado deixa claro que as laranjas e tangerinas são presas fáceis de microrganismos que ataquem as plantações.

Uma planta com história de domesticação mais simples é o feijão comum, de acordo com artigo também publicado em 8/6, no site da Nature Genetics. Alimento central em muitas culturas, esse grão (Phaseolus vulgaris) tem origem nos Andes e na América Central, e foi domesticado cerca de 8 mil anos atrás onde agora é o México. Neste caso, o estudo indica que o melhoramento vegetal se concentrou em aumentar o tamanho das sementes e das folhas, afetando partes específicas do genoma. Identificar essas partes pode ser importante para sofisticar e otimizar o processo de aumentar a produtividade e a qualidade dos grãos. A bioquímica Josiane Rodrigues, agora na Embrapa, participou de parte do trabalho de laboratório enquanto trabalhava com Perry Cregan, um dos coordenadores do trabalho, como parte de um doutorado sanduíche, no Laboratório de Genômica e Melhoramento da Soja, nos Estados Unidos.

Juntos, esses estudos mostram como conhecimento atual pode ajudar a entender, e potencializar, a modificação de espécies naturais que começou milhares de anos atrás, quando o ser humano começou a dominar técnicas de agricultura.

Projeto
Plataforma genômica aplicada ao melhoramento de citros (nº 08/57909-2). Modalidade Projeto Temático Pesquisador responsável Marcos Antonio Machado (IAC) Investimento R$ 3.533.624,89

Artigos científicos
WU, G. A. et. al. Sequencing of diverse mandarin, pummelo and orange genomes reveals complex history of admixture during citrus domestication. Nature Biotechnology. Online, 8 jun. 2014.
SCHMUTZ, J. et. al. A reference genome for common bean and genome-wide analysis of dual domestications. Nature Genetics. Online, 8 jun. 2014.

Republicar