Um método alternativo de análise de substâncias químicas desenvolvido por pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP) poderá auxiliar peritos na identificação de amostras de drogas ilícitas, como cocaína, maconha, LSD e ecstasy, apreendidas em cenas de crimes. A contribuição do grupo, descrita em artigos publicados em 2013 e 2014 nas revistas Electrochimica Acta, Microchemical Journal e Sensors, consistiu na concepção de eletrodos quimicamente modificados que, ao entrarem em contato com determinadas substâncias químicas, desencadeiam reações específicas.
Os aparelhos hoje usados para análise em campo são, em sua maioria, reagentes químicos, conhecidos como colorimétricos, a partir dos quais os peritos obtêm mudanças de cor para determinadas substâncias. Apesar de rápidos e portáteis, esses reagentes não têm especificidade química — podem apresentar a mesma coloração tanto para a cocaína quanto para substâncias lícitas, como a lidocaína e a procaína, por exemplo. Já outros métodos, como a cromatografia gasosa, empregam aparelhos pesados e difíceis de serem levados a campo.
O método eletroquímico de análise desenvolvido pelos pesquisadores da USP é mais específico do que o colorimétrico, e também é portátil. O químico Marcelo Firmino de Oliveira, do Departamento de Química da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da USP de Ribeirão Preto e coordenador do projeto, explica que o equipamento consiste em um potenciostato, dispositivo que controla a aplicação da voltagem no eletrodo quimicamente modificado e que monitora a corrente elétrica gerada. Essa corrente, por sua vez, é usada para medir a quantidade de substância em uma determinada solução.
Segundo Oliveira, cada tipo de droga sofre uma reação diferente na superfície dos eletrodos. Os parâmetros elétricos decorrentes do contato da substância com esses sensores são, então, medidos e a diferença dos padrões obtidos nessas medições indica a natureza da substância. “Essas informações podem ser usadas para atestar a presença de uma determinada droga, fornecendo também informações sobre seu perfil (teor, contaminantes etc.), o que pode ser usado em comparações de origem da substância e, consequentemente, seu fornecedor”, afirma.
Em seu trabalho mais recente, publicado na revista Electrochimica Acta, Oliveira e seus colaboradores modificaram a superfície de um eletrodo convencional. “Aplicamos uma camada de solução líquida contendo uma substância chamada cucurbiturila (cujas moléculas têm formato de barril) dissolvida na superfície de um eletrodo que não apresenta especificidade química. Quando a solução evapora, uma fina camada da substância se forma sobre a superfície do aparelho”, explica o pesquisador.
Eles verificaram que essa substância age como um sensor para o MDMA, o princípio psicoativo do ecstasy, aumentando a corrente elétrica ao entrar em contato com a droga. “O mais interessante”, ele explica, “é que é possível mudar o diâmetro desses barris moleculares e obter resultados diferentes para substâncias distintas”. Assim, um tipo de cucurbiturila pode gerar um sinal elétrico específico para o MDMA, enquanto que outros tipos podem, por exemplo, gerar um sinal diferente para cocaína.
Oliveira explica que as cucurbiturilas têm diferentes tamanhos, conforme o número de átomos que as compõem. As diferenças no diâmetro de abertura entre eles respondem de forma diferente a cada substância, permitindo ou bloqueando sua passagem através de suas tubulações.
O próximo passo agora, segundo ele, é tentar desenvolver novos filmes de cucurbiturila para detectar outras substâncias, como o THC (princípio ativo da maconha) e o LSD, substância praticamente invisível aos detectores portáteis atuais.
Projeto
Desenvolvimento de eletrodos quimicamente modificados para a determinação voltamétrica de cocaína, MDMA, LSD e D-9-tetraidrocanabinol em amostras de interesse judicial (12/00084-7); Modalidade Auxílio à Pesquisa – Regular; Pesquisador responsável Marcelo Firmino de Oliveira (FFCLRP/USP); Investimento R$ 273.908,84
Artigos científicos
TADINI, M. C. et al. Developing electrodes chemically modified with Cucurbit[6]uril to detect 3,4-methylenedioxymethamphetamine (MDMA) by voltammetry. Electrochimica Acta, v. 121, p. 188-93, Mar 2014.
OLIVEIRA, L. S. et al. Voltammetric analysis of cocaine using platinum and glassy carbon electrodes chemically modified with Uranyl Schiff base films. Microchemical Journal, v. 110, p. 374-378, 2013.
OLIVEIRA, L. S. et al. Voltammetric Determination of Cocaine in Confiscated Samples Using a Carbon Paste Electrode Modified with Different [UO2(X-MeOsalen)(H2O)] H2O Complexes. Sensors, v. 13, p. 7668-7679, 2013.