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Este esboço preliminar foi testado pelos autores principais de 230 artigos do campo das ciências da vida divulgados em publicações dos grupos Nature, Elsevier e PLoS e nos periódicos Science e eLife. Cerca de 85% consideraram a classificação fácil de usar. Para 45%, a acurácia na identificação dos autores é maior que a dos métodos usados atualmente, enquanto para 37% a precisão é equivalente. Alguns autores sugeriram o desdobramento de certos tópicos, outros propuseram que as atividades sem vínculo intelectual com o artigo sejam tratadas fora da classificação. Nos próximos meses, os pesquisadores dedicados à iniciativa, ligados à Universidade Harvard e à organização britânica de apoio à pesquisa biomédica Wellcome Trust, prometem refinar a classificação, adaptando-a às necessidades de outras áreas do conhecimento. Tópicos do esboço poderão ser acrescentados e outros descartados. Um workshop para discutir as mudanças está programado para o final do ano. “Certamente há muito trabalho ainda a fazer”, afirma Liz Allen, diretora de avaliação do Wellcome Trust, uma das pesquisadoras envolvidas na empreitada, ao relatar o esforço num artigo publicado em abril na revista Nature.
O número crescente de autores em papers, resultado da intensificação das colaborações de pesquisa, é o principal motivador da iniciativa. Segundo dados apresentados por Liz Allen, entre 2006 e 2010, o número médio de autores de artigos vinculados a estudos patrocinados pelo Wellcome Trust cresceu de 10,21 para 28,82 na área de genética e de 6,28 para 8,32 no cômputo geral. “Em estudos multicêntricos, as pesquisas envolvem contribuições de dezenas de pesquisadores e a autoria fica bastante disseminada. Em certos casos, as contribuições dos diversos grupos de pesquisa envolvidos são muito diferentes e a lista de autores não consegue mostrar isso”, diz Abel Packer, diretor do programa SciELO/FAPESP. Mais transparência, ele observa, é essencial para que financiadores e comunidade científica consigam identificar quem fez o que numa pesquisa realizada a várias mãos. Há outros problemas que a taxonomia busca contornar, como a falta de padrão entre as disciplinas para produzir a lista de autores de um artigo (algumas colocam o autor principal em primeiro lugar, outras em último, algumas adotam ordem alfabética).
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De acordo com os critérios do International Committee of Medical Journals Editors, para ser autor de um trabalho é preciso preencher três condições: contribuir substancialmente para a concepção e o desenho do trabalho científico, a aquisição, a interpretação e a análise dos dados; participar da redação e da revisão crítica do trabalho, com real contribuição intelectual para seu conteúdo; e aprovação final do conteúdo a ser publicado. “Todos aqueles que não se qualificam como autores deverão ser citados nos agradecimentos, incluindo sua participação no trabalho, na tradução, aquisição de fundos, análises técnicas e estatísticas, empréstimo de material, entre outras”, diz Sigmar Rode. O Código de boas práticas científicas lançado pela FAPESP em 2011 estabelece diretrizes semelhantes: “Em um trabalho científico devem ser indicados como seus autores todos e apenas os pesquisadores que, tendo concordado expressamente com essa indicação, tenham dado contribuições intelectuais diretas e substanciais para a concepção ou realização da pesquisa cujos resultados são nele apresentados”, informa. Segundo o código, “em particular, a cessão de recursos infraestruturais ou financeiros para a realização de uma pesquisa, como laboratórios, equipamentos, insumos, materiais, recursos humanos, apoio institucional etc., não é condição suficiente para uma indicação de autoria de trabalho resultante dessa pesquisa”.
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A nova taxonomia proposta pelo grupo de Harvard e do Wellcome Trust é mais abrangente e, de certa forma, substitui o conceito de“autoria” pelo de “contribuição”. “Ela dá um reconhecimento mais preciso da participação individual dos autores e estabelece como contribuição tópicos que não estão previstos nos critérios atuais”, afirma Abel Packer. Segundo ele, a adoção de uma nova classificação é viável e desejável, pois se encaixa no esforço de tornar mais transparente o processo de produção e comunicação da ciência. Mas Packer observa que haverá uma série de arestas a resolver. Uma delas pertence ao campo dos direitos autorais, que seriam estendidos a um grupo maior de pesquisadores do que o previsto hoje, se o esboço proposto atualmente prevalecer e for aceito pelas revistas científicas. Outro desafio será criar indicadores que levem em conta a nova taxonomia. “Não adianta adotar uma nova classificação e seguir usando o índice h como parâmetro”, diz Packer, referindo-se ao indicador que relaciona quantidade e qualidade da produção científica de um autor (número de artigos publicados e suas citações), mas não leva em conta se ele é o autor principal ou teve participação secundária.
Segundo os responsáveis pela taxonomia, os editores de periódicos seriam beneficiados, pois a classificação poderia poupar o tempo hoje gasto na tarefa de checar qual foi a participação de cada autor e na administração de disputas entre autores. Para Rafael Loyola, editor-chefe da revista Natureza & Conservação, vinculada à Associação Brasileira de Ciência Ecológica e Conservação, a serventia para os editores é relativa. “Não temos como averiguar se o que está sendo informado é verdade. Acreditamos na boa-fé dos autores”, diz. Para ele, quem mais sairá ganhando são os próprios pesquisadores. “Com a taxonomia, a tarefa de organizar uma lista de assinaturas pode ficar mais simples. Do mesmo modo, seria mais fácil para o grupo de autores enxergar a contribuição individual de cada um, o que poderia evitar disputas durante a negociação sobre a posição de cada um na lista”, afirma. Segundo Loyola, não é comum que os editores da Natureza & Conservação tenham problemas com atribuição de autoria, mas eles às vezes acontecem. “Certa vez, os autores de um artigo que já havia sido revisto várias vezes e estava prestes a ser aceito para publicação fizeram um pedido inusitado: queriam que mais um nome fosse incluído na lista de autores. Perguntamos qual era a contribuição do autor e eles nos informaram que se tratava do chefe do laboratório e que eles cometeram o erro de enviar o artigo sem conhecimento dele. Só aceitamos o artigo quando asseguramos que o novo autor tinha de fato participado da pesquisa e exigimos que ele acrescentasse seus comentários ao manuscrito e concordasse com a versão final”, afirma.
Charles Pessanha, editor emérito da revista Dados, vinculada ao Instituto de Estudos Sociais e Políticos da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, passou por experiência semelhante. Um artigo que já havia passado pelos revisores e fora devolvido para a autora com pedido de mudanças foi ressubmetido – com um autor a mais. “Avisamos a autora que o procedimento era irregular e que, daquela forma, o artigo não seria publicado. Mas ela conseguiu mostrar que o segundo autor havia contribuído muito na reelaboração do artigo. Concluímos que estava sendo honesta e não deveria ser punida por isso. E publicamos o artigo”, conta Pessanha, professor do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro.
Para ele, a proposta de nova taxonomia segue um caminho inexorável, que é o de dar crédito para todos os que participam. “A saída é semelhante à adotada pelos estúdios de cinema. Há tanta gente envolvida num filme que é preciso dar o crédito específico a todos eles no final do filme”, afirma. “O processo de produção científica exige um número crescente de habilidades e, com isso, a participação de novos atores. É essencial que todos eles tenham crédito, porque cada um precisa ser reconhecido pelo que fez.” Ele avalia, contudo, que dar crédito a todos não pode conspurcar o conceito de autoria, que é bem mais restrito. “É preciso encontrar um meio de reconhecer a contribuição de todos. Mas não dá para considerar como autor quem não participou da concepção do estudo, do delineamento da pesquisa e da interpretação e análise dos dados. Assim como nos créditos cinematográficos, os produtores são reconhecidos – e até recebem seus próprios prêmios, como outros profissionais envolvidos. O fato de obter financiamento para uma pesquisa não transforma o pesquisador automaticamente em um autor. É preciso participar da concepção e elaboração acadêmica do trabalho.”
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