Os ciclos de escassez de água são conhecidos dos especialistas. Mesmo em São Paulo, longe das regiões semiáridas, há períodos de estiagem às vezes prolongados. O problema torna-se agudo quando a carência de chuvas ocorre ao mesmo tempo que há grande crescimento da demanda. Ao olhar para as secas do passado na Região Metropolitana de São Paulo(RMSP), é fácil notar essa relação. “Sempre nos lembramos do boom populacional das décadas de 1950 e 1960, mas esquecemos do brutal aumento da população entre o fim do século XIX e a década de 1940”, diz Ricardo Toledo Silva, professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (FAU-USP) e pesquisador em gestão integrada da infraestrutura hídrica urbana e saneamento. Os registros indicam que o impacto dos dois fatores – seca mais crescimento populacional – provocou falta de água em outras épocas na região.
“Entre 1874 e 1900 a capital teve sua população aproximadamente multiplicada por 10 (de 23.253 para 239.820 pessoas), e entre 1874 e 1940, por 57 (de 23.253 para 1.326.261)”, conta Toledo. “É um salto muito grande. Havia menos gente do que hoje, mas todos conviviam em áreas pequenas.” O crescimento descontrolado dos núcleos urbanos degrada o ambiente, impermeabiliza o solo, cria ilhas de calor, ocupa zonas ribeirinhas e afeta a precipitação de chuva.
Nos anos de 1924 e 1925, a grande seca do período levou a The São Paulo Tramway, Light and Power Company, responsável pelo fornecimento de energia elétrica para a cidade de São Paulo, a publicar em 24 de fevereiro de 1925 um anúncio nos jornais com medidas para não interromper completamente o fornecimento de energia. A Light passaria a usar a usina a vapor que já tinha, instalaria novos geradores e turbinas, concluiria uma usina em andamento e construiria nova hidrelétrica. Também passaria a comprar energia da companhia de luz de Campinas.
Outro sério ciclo de seca ocorreu entre 1951 e 1956, dentro do qual o pior ano foi o de 1953. Também a escassez de água de 1969 foi muito divulgada pela imprensa, por conta da severidade do racionamento. Neste século, segundo Toledo, a seca mais notória da região ocorreu em 2003, na área do maior sistema metropolitano, o Cantareira. A atual, de 2014, promete ser a pior de todas, desde que as medições começaram a ser feitas na RMSP, em 1930.
“A população sofre por dois tipos de falta d’água: por escassez nos mananciais ou por insuficiência na rede de distribuição”, explica o pesquisador, que também é assessor técnico da Assessoria Especial de Assuntos Estratégicos do governo do estado de São Paulo. Hoje, o risco de falta d’água por problemas na rede de distribuição é apenas episódico, por acidente. “Mas na São Paulo dos anos 1920 até os 1970 os dois tipos de ocorrência se combinavam com muita frequência.”
O abastecimento de água transformou-se em grave problema social da capital paulista nos últimos 30 anos do século XIX. A solução foi organizar, em 1877, a Companhia Cantareira de Água e Esgoto – encampada pelo estado em 1892. No século XX, foram criados sistemas para aumentar a oferta, como o Rio Claro (décadas de 1930 e 1940), o Alto Tietê e o novo Cantareira (ambos da década de 1970), entre outros.
“Para evitar a falta d’água são necessárias medidas estruturais de longo prazo, como um novo ordenamento territorial urbano e também regional, à parte as obras de infraestrutura hídrica”, diz Toledo. Antes limitado à pequena província de São Paulo, no século XIX, agora o planejamento envolve toda a macrometrópole paulista, que engloba 180 municípios – incluindo a capital –, onde vivem 31 milhões de pessoas. Foi feito um Plano Diretor de Aproveitamento dos Recursos Hídricos para a Macrometrópole Paulista, cujos relatórios finais estavam prontos em outubro de 2013. O estudo aponta para a necessidade de criação de novos sistemas de captação e reserva, maior controle de perdas, uso racional da água e adoção de seu reúso.
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