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Zoologia

História evolutiva em progresso

Estudos com vertebrados e invertebrados, em terra e no mar, buscam entender processos de diversificação das espécies

Calyptommatus leiolepis: exemplo de lagarto das dunas do São Francisco com perda de membros

miguel rodriguesCalyptommatus leiolepis: exemplo de lagarto das dunas do São Francisco com perda de membrosmiguel rodrigues

Há mais de 40 anos, o zoólogo Miguel Trefaut Rodrigues se debruça sobre cobras e lagartos para entender sua biologia e evolução. Mas não há nada de antiquado quando ainda hoje se senta nas areias das dunas do rio São Francisco ou em áreas de mata atlântica ou da Amazônia para examinar a forma e os tamanhos de escamas e medir animais capturados por ele ou colaboradores. A pesquisa que lidera acompanha os avanços na ciência evolutiva, enfoque que permeia o Instituto de Biociências e seu Departamento de Zoologia.

Atualmente à frente de um amplo projeto financiado pela FAPESP que visa nada menos do que investigar a história evolutiva de répteis e anfíbios no contexto de mudanças ambientais, seu grupo alia o exame tradicional das características físicas a marcadores genéticos e modelos que levam em conta flutuações climáticas de milhares de anos atrás. Um exemplo da amplitude do foco da pesquisa é a indicação, a partir da análise de 25 vertebrados brasileiros, de que as mudanças no clima por volta de 250 mil anos atrás tiveram umimpacto diferente na diversificação de espécies endêmicas, quando se compara florestas do norte e do sul do país.

No contexto da diversificação das espécies, o grupo também estuda como a evolução de características cruciais para a adaptação a determinados ambientes, como a redução ou perda de membros em lagartos que serpenteiam nas areias às margens do São Francisco, pode em alguns casos ser revertida e seguir o rumo oposto, recuperando dedos ou patas (ver Edição Especial 50 Anos da FAPESP). A presença de pálpebras funcionais em um gênero da família dos lagartos ginoftalmídeos, caracterizados por olhos descobertos, alerta para a importância de se reconstruir corretamente a história genealógica dos grupos para entender os processos de seleção natural, conforme artigo de janeiro de 2014 na revista The Anatomical Record.

Da terra para o oceano, o grupo de Antônio Carlos Marques segue a mesma linha, e nos últimos três anos analisou um total de 24.671 minúsculos animais marinhos. Os estudos resultaram na reestruturação da compreensão filogenética de todo um filo, os cnidários (que inclui anêmonas-do-mar, corais, águas-vivas, hidras e outros), e estabeleceram um novo conhecimento da evolução do grupo, em termos mundiais.

Segundo Marques, a partir do material analisado pelo grupo de pesquisa que ele coordena foram propostas hipóteses de províncias biogeográficas na escala do sul da América do Sul (Atlântico e Pacífico) e toda a Antártida (oceano austral e regiões subantárticas), constituindo a maior análise com dados próprios conhecida.

Pioneiros
Segundo Rodrigues, porém, nem sempre a zoologia da USP teve essa visão evolutiva do mundo. Um importante capítulo que afetou o rumo do departamento ocorreu no final de 1962, quando da aposentadoria do professor alemão Ernesto Marcus, que ao lado do colega Paulo Sawaya havia fundado os estudos zoológicos no novo campus da Universidade de São Paulo no Butantã nos anos 1950, abriu-se uma vaga na cadeira de zoologia.

A banca escolheu Diva Diniz Correa, alinhada com o foco em anatomia e histologia dos fundadores, garantindo uma sobrevida mais longa à visão pouco calcada na evolução. A ótica oposta era representada pelo cientista-sambista Paulo Emílio Vanzolini, que diante do resultado atravessou parte da cidade e fincou raízes definitivas no bairro do Ipiranga, no também histórico prédio do Museu de Zoologia da USP. Ele seria diretor da instituição até o início dos anos 1990. “Aquele resultado poderia ter mudado bastante a história”, afirma Miguel Trefaut Rodrigues, ex-diretor do Museu de Zoologia e atual professor livre-docente do Instituto de Biociências da USP (IB-USP), se referindo à alternativa contratação de Vanzolini.

Pronto em 1957, o prédio da zoologia, que hoje faz parte do Instituto de Biociências, foi a primeira obra feita no então novo campus do Butantã, contemporânea apenas do edifício do IPT. Mas não foi apenas pela construção do prédio que Marcus e Sawaya puseram a zoologia da USP em pé. Eles abriram várias frentes de pesquisa que não eram conhecidas na época no Brasil. Marcus, quando chegou ao Brasil em 1936 fugindo dos nazistas, vindo da Universidade de Berlim, havia publicado mais de 50 trabalhos científicos na sua carreira.

De acordo com Rodrigues, que foi aluno de Vanzolini e é um dos grandes especialistas brasileiros em herpetologia, a história da zoologia da USP tem duas etapas bem distintas. “Nos últimos 30 anos principalmente, o trabalho do Vanzolini, que ligava a zoologia às questões de evolução, gerou resultados tanto no museu quanto no IB. Houve uma convergência.”

Não é apenas o passado que tem uma história interessante, afirma Marques. “O bonito dessa história é que abordagens mais recentes foram se agregando às do passado, e não substituindo. O resultado é uma zoologia de alta qualidade, com uma base histórica forte, mas que contextualiza suas perguntas em assuntos relevantes, de ponta, atuais. E o futuro vem aí com excelentes jovens pesquisadores, como os professores Daniel Lahr, Taran Grant, André Morandini e Federico Brown”.

Existe um projeto pronto, feito por Rodrigues, para que o Museu de Zoologia da USP tenha um prédio totalmente novo dentro do campus, na chamada praça dos Museus. Mas, por enquanto, o cronograma de entrega das obras não está definido. A primeira data para inauguração de pelo menos parte da praça de Museus era 2013, mas não existem obras do futuro museu zoológico.

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