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O resgate de uma espécie

A genética, a fisiologia e a ecologia indicam o que fazer para preservar o faveiro-de-wilson, árvore rara que virou símbolo da resistência de Minas Gerais

Raridade: um dos 219 exemplares de faveiro identificados na natureza

Fernando M. Fernandes / fZBRaridade: um dos 219 exemplares de faveiro identificados na naturezaFernando M. Fernandes / fZB

Uma árvore frondosa e rara do cerrado mineiro, notável pelos cachos de flores amarelas e pelas favas de sementes com perfume adocicado, ganhou nova perspectiva de conservação. Com apenas duas dezenas de exemplares contados até uma década atrás, o faveiro-de-wilson (Dimorphandra wilsonii) passa agora a ser mais bem conhecido. Nos últimos anos, sua diversidade genética foi mapeada, seus inimigos foram identificados e mais de 200 exemplares encontrados na natureza. Esses resultados ampliam a chance de evitar que a espécie desapareça.

O trabalho de entender o que se passava com essa árvore naturalmente rara e relativamente nova para a ciência – foi descrita apenas em 1969 – começou em 2003 com pesquisadores da Fundação Zoo-Botânica (FZB) de Belo Horizonte. O projeto atraiu o interesse de equipes de outros centros e tornou a planta símbolo da resistência mineira.

Em abril deste ano um grupo liderado por Luiz Orlando de Oliveira, da Universidade Federal de Viçosa (UFV), publicou o mais recente perfil genético da árvore. Quando iniciou o trabalho, só se conheciam 21 indivíduos adultos na natureza e a preocupação era saber se a preservação do faveiro não estaria comprometida por causa da baixa diversidade genética da espécie, detectada anos antes pelas biólogas Helena Souza e Maria Bernadete Lovato, da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).

“A endogamia, cruzamento entre indivíduos aparentados, pode levar ao aparecimento de características deletérias”, explica Oliveira. “Várias plântulas [embriões] provenientes de sementes que a gente coletou apresentavam clorose [insuficiência de clorofila], indicando que poderia existir algum problema. Isso talvez seja fruto da endogamia.”

Biólogos analisam flores do faveiro, amarelas como as do parente pau-brasil

Fernando M. Fernandes / fZBBiólogos analisam flores do faveiro, amarelas como as do parente pau-brasilFernando M. Fernandes / fZB

Analisando a constituição genética das sementes, porém, Oliveira percebeu que essas árvores não estavam isoladas reprodutivamente: estavam sendo fertilizadas pelo pólen de outros exemplares da mesma espécie, cuja localização era desconhecida. Com a bióloga Christina Vinson, ele concluiu que seria necessário recolher sementes de cerca de 150 árvores para garantir a integridade genética da espécie, embora não se soubesse se esse número existia na natureza.

Procura-se
Após submeterem o estudo em junho de 2014 à revista Tree Genetics & Genomes, os pesquisadores receberam uma boa notícia. Em julho, uma equipe da FZB publicou o resultado da busca por novos espécimes, que contabilizou 219 faveiros adultos, com capacidade de reprodução, em 16 municípios de Minas Gerais (ver mapa).

Esse era o resultado de um projeto – o Programa de Conservação do Faveiro-de-wilson – que durava havia uma década, liderado por Fernando Moreira Fernandes, engenheiro florestal da fundação. Para encontrar as árvores, os pesquisadores produziram cartazes com o título “Procura-se”, espalharam pelos municípios da região e conversaram com cerca de mil pessoas.

O material ensinava a identificar o faveiro e trazia os contatos dos pesquisadores. A cada alerta positivo, eles iam a campo para confirmar a existência da árvore e mapear sua posição. Com mais de uma centena de exemplares catalogados em 2010, os pesquisadores fizeram uma modelagem da distribuição espacial da espécie, usando variáveis do clima e do ambiente, para tentar prever onde a árvore poderia ocorrer e escolher alvos para novas expedições.

“Agora provavelmente conhecemos a maior parte dos indivíduos que restaram na natureza, porque percorremos toda a região de ocorrência”, afirma a bióloga Juliana Rego, da FZB, que participou do projeto com Fernandes. Segundo Juliana, isso preocupa porque 219 árvores não são suficientes para tirar o faveiro do status de “criticamente ameaçado” de extinção.

A principal dificuldade que os pesquisadores enfrentam é que as sementes que germinam em pastagens e são deixadas sem acompanhamento podem não sobreviver. Um estudo da UFMG indicou que o principal inimigo do crescimento da árvore são as braquiárias.

Esses capins africanos do gênero Urochloa, introduzidos no país para cobrir pastagens e alimentar o gado, crescem rápido. “Por competição, as braquiárias podem limitar o crescimento das raízes e impedir o desenvolvimento das plântulas”, afirma Marcel Giovanni Costa França, professor da UFMG e um dos autores do estudo, publicado em 2014 na revista Journal of Plant Interactions.

Para contornar o problema da competição com o capim africano, o plano de ação nacional para a conservação da espécie, elaborado pela FZB, pelo Centro Nacional de Conservação da Flora e mais 12 entidades, prevê, entre outras medidas, o treinamento de proprietários de terra e de técnicos para tentar conter o avanço dos capins invasores, proteger os faveiros já existentes e plantar novos. Sob condições ideais, em 10 anos o faveiro-de-wilson atinge 15 metros de altura e alcança a maturidade reprodutiva. Multiplicando mudas, plantando-as nos lugares adequados e tentando acompanhar o seu crescimento, a meta do plano é tirar a espécie da condição de criticamente ameaçada de extinção até 2025.

Artigos científicos
FERNANDES, F. M. e REGO, J. O. Dimorphandra wilsonii Rizzini (Fabaceae): distribution, habitat and conservation status. Acta Botanica Brasilica. v. 28, n. 3,  p. 434-44. 2014.
VINSON, C. C. et al. Population genetics of the naturally rare tree Dimorphandra wilsonii (Caesalpinioideae) of the Brazilian Cerrado. Tree Genetics & Genomes. 2015.
FONSECA, M. B. et al. Early growth of Brazilian tree Dimorphandra wilsonii is also threatened by African grass Urochloa decumbens. Journal of Plant Interactions. v. 9, n. 1, p. 92-9, 2014.

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