Podcast: Marko Monteiro
A falta de familiaridade com esses princípios, a indisposição dos pesquisadores para o diálogo e a resistência institucional são as principais barreiras para a implantação da RRI, reconhece Gema Revuelta, coordenadora do Heirri e diretora do Centro de Estudos em Ciência, Comunicação e Sociedade da Universidade Pompeu Fabra (SCS-UPF), da Espanha. “O Heirri quer começar uma mudança sistêmica de modo a integrar efetivamente a RRI no currículo acadêmico”, disse ela a Pesquisa FAPESP. “A RRI traz benefícios sociais e econômicos e pode aumentar a eficiência dos inventimentos em pesquisa e inovação, além de responder a demandas sociais com transparência, inclusão social, participação dos cidadãos, sustentabilidade e igualdade de gênero.”
Formado em 2015 a partir de um financiamento de € 1,5 milhão (cerca de R$ 5 milhões) do programa Horizon 2020 da União Europeia (UE) e com uma duração prevista de três anos, o Heirri divulgou em setembro um levantamento com 23 experiências europeias nessa área. Cinco projetos contam com financiamento da UE e incentivam estudantes, pesquisadores e professores a adotar o acesso aberto aos resultados de seu trabalho científico e a interagir com escolas, museus e centros de ciência. Um dos projetos em andamento promove uma visão crítica e responsável da ciência entre estudantes e professores dos ensinos básico e secundário de escolas europeias e a troca de materiais e experiências entre eles. O programa Treinamento em Engajamento Público, da University College London, estimula a comunicação entre especialistas acadêmicos e outros grupos, por meio, por exemplo, do Bright Club, com 8 a 10 apresentações de cientistas que se transformam em comediantes para explicar o que fazem para o público geral e têm de seguir os mandamentos da noite, entre eles o de que todos têm de se divertir. O próximo evento ocorrerá em 16 de março em um auditório da UCL, o Bloomsbury Studio, aberto para qualquer interessado.
Além das experiências europeias, o levantamento do Heirri inclui um programa da University of Western Australia, que incentiva estudantes e pesquisadores da área de engenharia a compartilhar conhecimento e experiências profissionais com escolas técnicas e outras organizações de comunidades próximas; um curso de pós-graduação das universidades de Osaka e de Kioto, no Japão, sobre aspectos éticos, legais e sociais do trabalho científico; e um curso de verão da Universidade de Berkeley, Estados Unidos, que reúne estudantes de engenharia, filosofia e ciências sociais que, entre outras tarefas, escrevem em conjunto artigos sobre responsabilidade social na pequisa científica.
As equipes do Heirri têm divulgado as propostas da RRI em reuniões internacionais, como as realizadas em 2016 na África do Sul e na Tailândia, além de encontros em países europeus, e pretendem elaborar materiais didáticos de cursos de graduação, pós-graduação, a distância ou intensivos sobre as possibilidades de interação entre cientistas e outros grupos sociais. “Com os materiais prontos, começaremos um programa-piloto em 10 instituições de ensino superior da Europa e duas fora do nosso continente”, diz Núria Saladié Elías, gerente do projeto e pesquisadora do SCS-UPF, a Pesquisa FAPESP.“Os resultados ajudarão a aprimorar os programas e os materiais, que depois estarão disponíveis por acesso aberto a todos os interessados.”
Na primeira conferência do Heirri, que reuniu 150 pesquisadores de 20 países em março de 2016 no Museu de Ciência de Barcelona, John Goddard, professor emérito de estudos regionais da Universidade de Newcastle, Inglaterra, comentou que as ações que expressem a RRI podem ser bastante oportunas.“Na Europa, o financimento público para o ensino superior está sendo questionado e as universidades precisam demonstrar seu valor para a sociedade local e nacional. Os políticos estão perguntando: ‘Temos uma universidade em nossa comunidade, mas o que ela está fazendo por nós?’”, disse ele no congresso. “As universidades estão repensando suas responsabilidades e ampliando a oferta de cursos e de serviços que possam beneficiar diretamente o público.” Goddard propõe o conceito de universidades como instituições-âncoras, capazes de integrar e promover outras outras instituições de suas comunidades:“As universidades devem ser de uma cidade, e não apenas estar em uma cidade”.
HEIRRI projectO Brasil não está alheio às questões debatidas na EU. “O conceito de inovação responsável aqui é diferente do europeu”, diz o antropólogo Marko Monteiro, professor de política científica e tecnológica da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) que coordena a equipe brasileira de outro projeto nessa área financiado pela UE. “Pensamos a responsabilidade na ciência e na inovação por meio de uma visão antiga, que pensa a ética, por exemplo, como se fosse apenas coibir o plágio, quando ela pode ser muito mais do que isso”, diz. “A ciência brasileira ainda é vista por muita gente como separada da sociedade, enquanto na Europa há uma discussão muito mais ampla e institucionalizada sobre como integrar ciência e sociedade e como aumentar o impacto social e econômico do trabalho científico.”
No dia 16 de fevereiro na Unicamp, sob a coordenação de Monteiro, representantes de instituições de pesquisa de vários estados do país devem expor as medidas implantadas ou planejadas para ampliar a responsabilidade na ciência.
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