Podcast: Maurício Richartz
“A teoria da super-radiância é muito bem conhecida, mas ninguém havia observado o fenômeno experimentalmente”, diz Richartz, professor da Universidade Federal do ABC. Ele ajudou a planejar e a realizar o experimento e conta que, nas condições em que o teste foi feito, as ondas na superfície da água podem ser descritas por equações de movimento quase idênticas às de ondas luminosas se propagando próximo a um buraco negro. Como as equações são praticamente as mesmas, a confirmação de que a super-radiância ocorre em ondas formadas na água representa a primeira evidência concreta de que esse fenômeno, ainda que difícil de detectar, deve existir nas proximidades dos buracos negros, como previsto pela teoria. Até recentemente, estudos teóricos sugeriam que a super-radiância por buracos negros provocaria uma ampliação de ondas eletromagnéticas e gravitacionais pequena demais para ser observada pelos astrônomos. Em um artigo publicado este ano na revista Physical Review D, o físico João Rosa, da Universidade de Aveiro, Portugal, sugere que a super-radiância poderia ser amplificada na vizinhança de pares de buracos negros e estrelas de nêutrons. Sinais do fenômeno poderiam, então, vir a ser detectáveis pelo radiotelescópio Square Kilometre Array (SKA), que deve ter parte de suas antenas instaladas na África do Sul e parte na Austrália, e pelo Observatório Interferométrico de Ondas Gravitacionais (Ligo), nos Estados Unidos.
Richartz conheceu Silke Weinfurtner em 2009 no Canadá. Na época, ele era estudante de doutorado e colaborou com Silke e com o físico canadense William Unruh, da Universidade da Colúmbia Britânica, em um dos primeiros experimentos a usar ondas na água para investigar a física dos buracos negros. Nesse ensaio, Silke, Unruh e seus colaboradores mostraram que ondas fluindo na água aprisionada em uma canaleta apresentavam propriedades semelhantes às da chamada radiação Hawking, um efeito quântico que faz um buraco negro perder energia aos poucos por meio da emissão de partículas subatômicas.
A canaleta permitia investigar apenas fenômenos que ocorrem em uma única dimensão, uma vez que sua largura e sua profundidade eram desprezíveis em relação ao comprimento, e Silke teve a ideia de projetar um aparato bidimensional para investigar outros fenômenos associados aos buracos negros, como a super-radiância. O grupo planejou, então, o tanque construído no laboratório em Nottingham. Com 3 metros (m) de comprimento, 1,5 m de largura e profundidade desprezível, ele tem o dobro do tamanho de uma banheira. Uma pá motorizada produz ondulações de milímetros de altura que se propagam na superfície da água e são amplificadas pela super-radiância do redemoinho formado ao se retirar a tampa do ralo.
Na água e no espaço
Um buraco negro e o ralo de uma banheira têm mais semelhanças do que se pode imaginar. O centro de um buraco negro está sempre oculto por uma esfera de completa escuridão: o horizonte de eventos, região a partir da qual nada, nem a luz, escapa da intensa atração gravitacional. De modo semelhante, há uma região no redemoinho que atrai para o centro do ralo as ondulações na água que se aproximam demais, funcionando como um horizonte de eventos para as ondas. Seja em uma banheira ou no espaço, o horizonte de eventos é envolto por uma camada chamada ergosfera, que arrasta tudo o que chega até ali e faz girar no mesmo sentido de rotação do buraco negro ou do torvelinho na água.
Enquanto o horizonte de eventos captura as ondas que o alcançam, a ergosfera pode amplificar algumas das ondas que a atravessam. Em 1971, o físico bielorrusso Yakov Zel’dovich, que havia participado do programa da bomba atômica soviética, realizou cálculos iniciais que sugeriam que um buraco negro em rotação poderia amplificar as ondas eletromagnéticas e gravitacionais arrastadas por sua ergosfera. Essa amplificação, no entanto, seria tão sutil que os instrumentos astrofísicos atuais ainda não teriam a precisão necessária para detectá-la.
Para observar a super-radiância em ondas na água, Silke e uma equipe multidisciplinar de pesquisadores, alguns especialistas em óptica e outros em mecânica de fluidos, usaram uma câmera 3D de alta resolução, desenvolvida para o experimento em parceria com a empresa alemã EnShape, para registrar e medir o aumento ínfimo na altura das ondas na água. As imagens permitiram observar que apenas as ondas superficiais com uma frequência específica (3,7 oscilações por segundo) se tornavam 20% mais altas ao atravessar o redemoinho, valor que coincide com o previsto pela teoria.
Silke e sua equipe trabalham agora para aumentar a precisão com que se mede a altura das ondas e a velocidade da correnteza próxima ao centro do redemoinho, onde estaria o horizonte de eventos para as ondas na água. “A detecção da super-radiância não é uma prova experimental suficiente da existência de um horizonte de eventos para as ondas”, explica a física. “Além de melhorar a precisão do equipamento, precisamos aprimorar nosso entendimento teórico sobre o que acontece no redemoinho.”
Projetos
1. Super-radiância em sistemas dissipativos (nº 15/14077-0); Modalidade Bolsa de Pesquisa no Exterior; Pesquisador responsável Maurício Richartz (UFABC); Investimento R$ 30.029,80.
2. Modelos análogos: Super-radiância e estabilidade (nº 13/15748-0); Modalidade Bolsa de Pesquisa no Exterior; Pesquisador responsável Maurício Richartz (UFABC); Investimento R$ 19.515,98.
Artigo científico
TORRES, T. et al. Observation of superradiance in a vortex flow. Nature Physics. 12 jun. 2017.