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STARTUPS

PIPE 20 anos

Com um projeto inovador contratado a cada dia útil, programa da FAPESP deu impulso a mais de 1.100 pequenas e médias empresas de base tecnológica

LÉO RAMOS CHAVES A Apis Flora, de Ribeirão Preto, desenvolveu um extrato seco de própolis, usado como insumo de medicamentosLÉO RAMOS CHAVES

Um marco no apoio a empresas de base tecnológica no país foi celebrado em São Paulo no final de junho. O programa Pesquisa Inovativa em Pequenas Empresas (Pipe), da FAPESP, completou 20 anos de existência com 1.788 projetos contratados e um investimento que alcançou mais de R$ 360 milhões. O Pipe dá suporte a empreendedores que querem transformar conhecimento em novos produtos ou serviços e, com frequência, fomenta a inovação em uma etapa crucial e de alto risco, que é o seu nascimento. A cada três meses, um novo edital é lançado pela Fundação, em busca de projetos em fases iniciais do desenvolvimento tecnológico.

Na fase 1, são contempladas propostas de pesquisa de caráter inicial, voltadas para demonstrar a viabilidade técnica e comercial de inovações que despontam a partir da solução de um problema de pesquisa – o limite de financiamento é de R$ 200 mil por até nove meses. Já a fase 2, com até dois anos de duração, destina-se ao desenvolvimento da proposta de pesquisa propriamente dita, podendo chegar, por exemplo, à construção de um protótipo – e oferece até R$ 1 milhão por iniciativa. A fase 3, de que a FAPESP participa com parceiros – até hoje, com a Financiadora de Estudos e Projetos (Finep) –, tem como objetivo o desenvolvimento final da inovação e sua comercialização pioneira. “O Pipe é o maior programa de apoio a startups do Brasil. Combina inovação e meritocracia e criou um grande aquário no qual os investidores querem pescar, conforme disseram técnicos do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social [BNDES] que nos visitaram recentemente”, disse José Goldemberg, presidente da FAPESP, na solenidade que marcou o aniversário do programa no dia 30 de junho.

Em 2016, o programa investiu R$ 56 milhões e contratou 228 projetos, o maior número de sua trajetória (ver quadro). “Foi praticamente um projeto inovador contratado a cada dia útil”, observa Carlos Henrique de Brito Cruz, diretor científico da FAPESP, que ressalta o empenho da Fundação em ampliar o programa na contramão da crise financeira do país e de seus reflexos no orçamento da FAPESP. O Pipe já apoiou empresas de 125 municípios paulistas, mas a maior parte deles está concentrada em cidades como São Paulo, Campinas, São Carlos, São José dos Campos ou Ribeirão Preto, onde estão sediadas grandes universidades e institutos de pesquisa. “Inovação com base em tecnologia surge naturalmente ao redor de boas instituições de pesquisa”, disse Brito Cruz.

Entre as mais de 1.100 empresas com propostas aprovadas, um dos casos de maior sucesso é o da Griaule. Nascida em 2002 numa incubadora da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), desenvolveu algoritmos e softwares para reconhecimento de impressões digitais, como os utilizados nas urnas eletrônicas do Brasil, além de sistemas de identificação de voz e da face humana. A Griaule foi contemplada com três projetos Pipe. “Eles foram um acelerador do nosso crescimento. Com as bolsas de pesquisadores vinculadas aos projetos, conseguimos reunir massa crítica para aperfeiçoar algoritmos que são o nosso diferencial”, diz Alexandre Creto, gerente de produto da Griaule. Dois pesquisadores que atuaram como bolsistas no último Pipe, concluído em 2011, foram contratados e seguem na Griaule até hoje. A empresa, que começou com cinco pessoas em 2003 e um faturamento de R$ 100 mil, tem hoje 40 funcionários – a metade trabalhando em pesquisa e desenvolvimento (P&D) – e faturou R$ 40 milhões em 2016.

Outro exemplo bem-sucedido é a Promip Manejo Integrado de Pragas, sediada em Limeira, que teve aprovado um projeto Pipe em 2006, quando estava instalada na incubadora da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz da Universidade de São Paulo (Esalq-USP). A pesquisa gerou dois produtos biológicos contendo ácaros predadores para controle do ácaro rajado, uma praga das hortaliças. “Não era um desafio simples. O produto biológico não existia e o produtor ainda não enxergava sua importância na redução do uso de inseticidas químicos”, lembra Marcelo Poletti, que fundou a empresa com dois sócios após terminar o doutorado em entomologia na Esalq. Outros projetos Pipe ajudaram a criar produtos baseados em diversos tipos de ácaros e insetos predadores e a desenvolver kits para monitorar a resistência de mosquitos Aedes aegypti a inseticidas químicos. Hoje, a Promip investe 8% de suas receitas em P&D. Com 100 colaboradores, faturou R$ 10 milhões no ano passado.

A Promip comercializa cinco produtos e há outros cinco em desenvolvimento. Seu perfil inovador habilitou-a a receber em 2014 um aporte de R$ 4 milhões do Fundo de Inovação Paulista, criado pela agência Desenvolve São Paulo, em parceria com a FAPESP, a Finep, o Banco de Desenvolvimento da América Latina (CAF), o Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae), além de investidores privados. “A FAPESP investiu R$ 10 milhões no fundo para serem destinados a empresas filhas do Pipe”, explica Francisco Jardim, gestor do Fundo de Inovação Paulista. “Isso tem sido feito por nós com muita empolgação, porque há negócios com grande capacidade de promover a inovação de forma sistemática. Estamos nos preparando para dobrar nossas apostas em alguns deles.” Outros clientes do Pipe, como a Nexxto e a Inprenha Biotecnologia, receberam apoio do fundo. “O programa Pipe, com a avaliação rigorosa que faz das propostas e a forma como orienta os empreendedores, preenche uma lacuna importante. Os fundos podem ajudar as startups a disputar mercados e a resolver problemas de gestão, mas não conseguem avaliar bem o potencial de pesquisas que podem render inovações”, afirma. Segundo Jardim, o fundo tem estimulado outras empresas apoiadas, como a InCeres, de agricultura de precisão, e a Ventrix, da área da saúde, a apresentarem projetos para o Pipe. “A capacidade de fazer P&D internamente multiplica as chances de sobrevivência de uma startup.”

EDUARDO CESAR Compostos de micropartículas produzidos pela Nanox, de São CarlosEDUARDO CESAR

O Fundo Pitanga, criado em 2011 com R$ 100 milhões em recursos de empresários brasileiros de grupos como Natura e Itaú, passou dois anos analisando 700 candidatas a um aporte. Em 2013, escolheu a primeira startup de sua carteira de investimentos, a I.Systems, fundada em Campinas há 10 anos por quatro engenheiros da computação formados na Unicamp. Ela fornece a grandes clientes, como Coca-Cola, Braskem, Ambev, Suzano e Raízen, softwares que utilizam inteligência artificial para controlar processos industriais. Seus programas são capazes de monitorar um amplo conjunto de informações e tomar decisões que reduzem entre 2% e 10% os custos de produção. Segundo Igor Santiago, o presidente da empresa, dois projetos Pipe, aprovados em 2009 e em 2012, foram importantes para desenvolver o protótipo do primeiro produto, o programa Horus, e oferecer a tecnologia no mercado. “Teria demorado muito mais se fôssemos depender apenas de recursos próprios”, afirma. Em 2015, a empresa recebeu apoio do Pipe para desenvolver um produto novo, chamado Leaf Captação, na área de saneamento básico: ele controla a vazão das bombas de captação de água dos rios para abastecimento das cidades, racionalizando o consumo de energia. O carro-chefe da I.Systems é um tipo de software em que não se apostava muito inicialmente, o Leaf para Windows, que roda em computadores de grande porte utilizados por indústrias. A I.Systems cresceu 100% ao ano nos últimos quatro anos.

Uma avaliação de 214 projetos Pipe desenvolvidos entre 1997 e 2006, feita pelo Grupo de Estudos sobre Organização da Pesquisa e da Inovação (Geopi), vinculado à Unicamp, mostrou que o programa teve impacto em várias frentes (ver Pesquisa FAPESP nº 147). Cerca de 60% dos projetos avaliados geraram inovações tecnológicas, um índice considerado satisfatório. Isso representou 111 inovações, sendo 59 consideradas novidades no país e 17 novidades em âmbito mundial. “Foram inovações de base tecnológica, como é a proposta do programa”, diz Sérgio Salles-Filho, professor da Unicamp e um dos coordenadores do Geopi. Os projetos ajudaram a criar empregos qualificados: nas empresas avaliadas, o crescimento do contingente de funcionários com nível de graduação foi de 60% e o de profissionais com doutorado, de 91%. Um artigo publicado em 2011 na revista Research Evaluation, cujo autor principal foi Salles-Filho, mostrou que cada R$ 1 alocado pela FAPESP no programa gerou R$ 10,50 de retorno. Uma nova avaliação, com base no período de 2007 a 2016, está sendo feita pelo Geopi, comparando os resultados dos projetos com os de programas de países como Estados Unidos, França e Japão. “O Pipe também passará a ser monitorado continuamente, com coleta de dados após o encerramento do projeto e dois anos mais tarde”, afirma Salles-Filho.

Investidores-anjo
A XMobots, de São Carlos, que fabrica veículos aéreos não tripulados, os drones, e fatura mais de R$ 7 milhões por ano, conseguiu montar seu primeiro drone para testes após ter um projeto Pipe fase 1 aprovado em 2009. “Até então, dependíamos do empréstimo de equipamentos de laboratórios da USP em São Paulo para trabalhar”, diz o engenheiro Giovani Amianti, um dos fundadores. “O apoio do Pipe mostrou que nossa ideia tinha potencial. Em outros países, investidores-anjo é que cumprem esse papel, ajudando a transformar uma boa ideia da academia em um negócio nascente”, observa Amianti, cuja empresa hoje comercializa três tipos de drones e emprega 40 pessoas, 10 delas engenheiros da equipe de P&D.

Gustavo Pagotto Simões, presidente da Nanox, startup de São Carlos que produz micropartículas com propriedades bactericidas, chama a atenção para uma peculiaridade do Pipe: com quatro editais lançados por ano, a iniciativa da FAPESP tornou-se um esteio para empreendedores do estado. “Sempre que precisamos, estava aberta a oportunidade de submeter uma proposta ao Pipe. Essa regularidade não é tão comum em outras fontes de financiamento”, reconhece Pagotto, que já recebeu recursos da Finep, BNDES, Sebrae e Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). A Nanox teve uma dezena de projetos Pipe, mas dois foram mais importantes. “O primeiro, em 2005, foi fundamental: aqueles R$ 70 mil permitiram que testássemos nossa tecnologia com clientes”, conta Pagotto, que abriu o negócio com dois colegas de pós-graduação da Universidade Estadual Paulista (Unesp), em Araraquara. Em 2006, a Nanox recebeu um aporte do fundo Novarum. Seu crescimento acelerou: o faturamento em 2010 foi de R$ 2,3 milhões, ante R$ 1,3 milhão em 2009.

Outro projeto marcante viria em 2012, quando a Nanox já produzia de 2 a 3 quilos de micropartículas de prata por dia e queria multiplicar por 10 a operação. “A FAPESP e a Finep lançaram um edital para fase 3 do Pipe, e graças a ele conseguimos ampliar nossa capacidade produtiva e fabricar 20 quilos de micropartículas por dia”, conta Pagotto – a produção atual é de 60 quilos diários. Hoje, os aditivos à base de prata estão integrados a caixas de leite, filmes de PVC e instrumentos odontológicos.

Vários beneficiários do Pipe multiplicaram seu faturamento, mas essa não é a única medida de sucesso do programa. Segundo Sérgio Queiroz, professor da Unicamp e coordenador adjunto da área de Pesquisa para Inovação da FAPESP, há vantagens indiretas que resultam da implantação de uma cultura de inovação nas empresas. Um exemplo disso é a Apis Flora, de Ribeirão Preto, especializada em produtos e medicamentos feitos de mel e própolis. Fundada em 1983, a empresa reforçou nos últimos 10 anos sua estrutura de P&D em busca de produtos inovadores. O primeiro Pipe foi aprovado em 2009, para desenvolver uma biomembrana de celulose que, associada a própolis, seria aplicável em feridas de difícil cicatrização. “Meu doutorado havia demonstrado que o material é útil no tratamento de queimaduras”, lembra Andresa Berretta e Silva, gerente de P&D e inovação da Apis Flora. Em 2010, uma proposta buscou obter um gel à base de própolis para combater a candidíase vaginal. “Com esse projeto, nosso laboratório de biotecnologia deu um salto imenso.”

Os investimentos feitos a partir de 2009 resultaram em cinco produtos inovadores, sendo quatro medicamentos, que ainda não chegaram ao mercado. Ainda assim o faturamento cresceu de R$ 7 milhões há 10 anos para R$ 38 milhões atualmente. Uma das razões do desempenho foi a capacidade desenvolvida pela empresa de produzir um extrato de própolis em forma de micropartículas, usado como insumo de medicamentos. Essa competência, criada em pesquisa financiada pelo CNPq, habilitou a empresa a exportar o insumo para a China e fez a diferença no faturamento. Outro fruto do esforço foi a criação de uma startup, a Eleve Pesquisa e Desenvolvimento, incubada na Apis Flora, que já tem dois projetos Pipe aprovados, voltados para desenvolver um medicamento contra leishmaniose e um modelo de pele que substitua animais em testes de cosméticos.

A In Vitro Brasil, de Mogi Mirim, multiplicou seu faturamento depois que começou a investir em P&D, a ponto de se tornar a responsável por mais da metade da produção mundial de embriões bovinos in vitro – e ser comprada em 2015 pela norte-americana ABS Global, a maior companhia de genética de touros do mundo. A In Vitro foi fundada em 2002 e só alguns anos mais tarde começou a produzir inovação. Segundo Andrea Basso, coordenadora de pesquisa da empresa, dois projetos Pipe resultaram em abordagens inovadoras no mercado internacional. Um deles mostrou que era viável a produção de embriões utilizando bezerras em vez de vacas adultas, com a coleta de óvulos sendo feita por videolaparoscopia após estimulação hormonal. O outro projeto desenvolveu um método de análise genética que permitiu selecionar embriões antes da transferência para vacas receptoras. “Até então, a genotipagem era usada na seleção de animais recém-nascidos para serem utilizados como reprodutores. O que propusemos foi avaliar geneticamente uma amostra de células embrionárias, congelá-las e depois de concluída a análise escolher qual animal iria nascer”, diz Andrea. A empresa hoje tem mais de 160 funcionários, ante 30 empregados de 10 anos atrás. Criou uma rede de 33 unidades laboratoriais que produziram 450 mil embriões em 2016. Faturou no ano passado R$ 28 milhões, cem vezes o valor obtido em 2007. A In Vitro Brasil gerou uma startup que permanece brasileira e da qual Andrea é uma das sócias, a In Vitro Brasil Clonagem Animal. Ela acaba de ser contemplada com um projeto Pipe fase 1, para produção de uma proteína com papel-chave na coagulação sanguínea.

O Pipe foi a primeira modalidade de financiamento no Brasil a investir recursos não reembolsáveis em pesquisa em empresas. “Com a Lei de Inovação, de 2004, outras agências passaram a destinar dinheiro a fundo perdido em inovação no setor privado. Mas em 1997 isso era quase um tabu e enfrentamos muitas resistências para implementar o programa”, recorda-se o físico José Fernando Perez, diretor científico da FAPESP quando o programa foi lançado. Segundo Perez, o Pipe foi inspirado nos programas SBIR (Small Business Innovation Research), que existem nas agências de fomento norte-americanas com orçamento superior a US$ 100 milhões. “Quando conhecemos os programas SBIR, vimos que se encaixavam no que queríamos implantar na FAPESP, com a pesquisa sendo feita dentro da empresa e resultando em produto, processo ou serviço inovador”, afirma Perez. Um dos argumentos contrários ao programa, diz o físico, era o de que a escassez de candidatos transformaria a iniciativa em um fiasco. Mas decidiu-se correr o risco e, na primeira chamada, houve 79 propostas, das quais 30 foram selecionadas.

Nos últimos cinco anos, o programa ganhou mais fôlego, tornando-se menos restritivo quanto ao tamanho das empresas – é possível apresentar uma proposta antes que a empresa seja constituída e formalizar sua criação mais tarde. Sempre que lança uma nova chamada, a FAPESP organiza um evento para esclarecer dúvidas de interessados, o Diálogo sobre Apoio à Pesquisa para Inovação na Pequena Empresa. “O evento tem sido importante para que os proponentes saibam exatamente o que é o programa e para garantir uma boa qualidade das propostas apresentadas”, diz Sérgio Queiroz. No dia 29 de julho, véspera da comemoração dos 20 anos do Pipe, o auditório da FAPESP estava repleto de empreendedores com interesse no próximo edital.

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