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Genética

Inativação do cromossomo X ocorre no início do desenvolvimento embrionário

Resultados apresentados na revista Scientific Reports ampliam a compreensão sobre os mecanismos associados aos cromossomos sexuais humanos

Podcast: Maria Vibranovski

 
     
Ao analisar sequências de RNA de células isoladas de embriões humanos disponibilizadas em bancos de dados públicos, os grupos das geneticistas Lygia da Veiga Pereira e Maria Vibranovski, ambas do Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo (IB-USP), verificaram algo que havia passado despercebido pela maioria dos geneticistas: em seres humanos, o processo de inativação do cromossomo X tem início nos primeiros estágios do desenvolvimento embrionário, cerca de seis dias após a fertilização. Os resultados foram apresentados nesta quinta-feira, 7, em um artigo publicado na revista Scientific Reports, e ampliam a compreensão sobre os mecanismos associados aos cromossomos sexuais humanos.

Há muito se sabe que as fêmeas dos mamíferos têm dois cromossomos X, enquanto os machos têm um cromossomo X e um Y. Com uma dose dupla de genes localizados no cromossomo X, as fêmeas poderiam produzir duas vezes mais proteínas do que os machos. Isso não acontece porque, durante o desenvolvimento embrionário, um dos dois cromossomos X é aleatoriamente inativado e seus genes deixam de ser expressos, característica que se mantém nas células descendentes. “Trata-se de um importante mecanismo epigenético, que equipara os níveis da atividade genética [os transcriptomas] das fêmeas aos dos machos”, explica Lygia, chefe do único laboratório no Brasil a produzir linhagens de células-tronco embrionárias humanas.

Os processos relacionados à inativação do cromossomo X já tinham sido amplamente estudados em camundongos. Em seres humanos, a história é um pouco mais complicada. Nos últimos anos, no entanto, com o desenvolvimento de uma nova técnica de mapeamento de DNA capaz de sequenciar com precisão o genoma completo de uma única célula, muitos grupos passaram a voltar sua atenção à inativação do cromossomo X em embriões humanos em vários estágios de desenvolvimento. O grupo de Lygia decidiu seguir essa linha de investigação. Ao lado da bióloga Joana Carvalho Moreira de Mello, ela começou a trabalhar no sequenciamento de RNA de células isoladas de embriões humanos. A ideia era estudar a inativação do cromossomo X a partir da análise da atividade dos genes ligados a esse cromossomo em embriões em diferentes estágios de desenvolvimento.

Mas acabaram não tendo tempo de ir longe no projeto. Em 2013, um grupo de pesquisadores chineses publicou um artigo na revista Nature Structural Biology descrevendo resultados obtidos por meio dos mesmos experimentos que o grupo da USP pretendia fazer. Os chineses haviam feito toda a parte laboratorial: conseguiram os embriões humanos, separaram as células, extraíram e sequenciaram o RNA, mas não olharam para o cromossomo X. Eles também disponibilizaram todas as informações em bancos de dados genômicos. “Com isso, não precisamos perder tempo com os experimentos, apenas com a análise dos dados prontos”, explica Lygia.

As pesquisadoras interromperam o sequenciamento do RNA e passaram a trabalhar apenas com técnicas de bioinformática. Ao analisar a dinâmica de expressão gênica do cromossomo X ao longo do desenvolvimento embrionário humano, verificaram que o gene XIST, responsável por iniciar o processo de inativação, era expresso em embriões, tanto femininos quanto masculinos, a partir do estágio de oito células, e que sua expressão era estabilizada no estágio de blastocisto, seis dias após fertilização, quando a inativação dos genes do X parece ter se iniciado, mas ainda não está completa.

Segundo as pesquisadoras, o trabalho é importante em termos de ciência básica, ampliando as possibilidades de novas investigações envolvendo o cultivo e o comportamento de células-tronco embrionárias. O próximo passo agora é estudar como se dá a escolha do cromossomo que será silenciado, isto é, se se trata de um processo aleatório ou não. As pesquisadoras também pretendem seguir monitorando as etapas seguintes da inativação do cromossomo X. Elas hoje conseguem cultivar embriões até o estágio blastócito. “Precisamos cultivar esses embriões até o 14° dia de desenvolvimento para investigar melhor esse mecanismo, o que é muito difícil”, conclui Lygia.

Projetos
1. Centro de terapia celular – CTC (nº 13/08135-2); Modalidade Centros de Pesquisa, Inovação e Difusão (Cepid); Pesquisador responsável Dimas Tadeu Covas; Investimento R$ 25.560.734,64
2. O papel da gametogênesis na origem e evolução dos genes novos (nº 15/20844-4); Modalidade Auxílio à Pesquisa – Apoio a Jovens Pesquisadores; Pesquisador responsável Maria Dulcetti Vibranovski (IB-USP); Investimento R$ 394.581,10.
3. Análise in silico do estado epigenético do cromossomo X em embriões humanos em estágio pré-implantacional (nº 15/03610-0); Modalidade Bolsas no Brasil – Pós-Doutorado; Pesquisador responsável Maria Dulcetti Vibranovski (IB-USP); Bolsista Joana Carvalho Moreira de Mello; Investimento R$ 233.872,74.
4. Estudos da inativação do cromossomo X em humanos: iniciação e imprinting (nº 171.380,87); Modalidade Bolsas no Brasil – Doutorado; Pesquisador responsável Lygia da Veiga Pereira (IB-USP); Bolsista  Joana Carvalho Moreira de Mello; Investimento R$ 171.380,87.

Artigo científico
MELLO, J. C. et al. Early X chromosome inactivation during human preimplantation development revealed by single-cell RNA-sequencing. Scientific Reports. set. 2017.

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