A linhagem de dinossauros conhecida como Sauropodomorpha inclui os maiores animais terrestres que já habitaram o planeta, como herbívoros pescoçudos de até 40 metros (m) de comprimento e 90 toneladas (t). Mas inclui também alguns bem pequenos, como um de 1,5 m e cerca de 10 quilos (kg), o Saturnalia tupiniquim, que, além de plantas, também devia se alimentar de pequenos animais. Os hábitos de predador desse dinossauro, um dos mais antigos do mundo, estão sendo confirmados por um estudo que reconstituiu o conteúdo de seu crânio e foi publicado hoje (20/09) na revista Scientific Reports.
Pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP) e da Universidade de Munique Ludwig-Maximilians, na Alemanha, utilizaram microtomografias computadorizadas para estudar em detalhes o crânio fossilizado do animal, encontrado em rochas de 230 milhões de anos no Rio Grande do Sul. A partir das características da caixa craniana, eles reconstituíram virtualmente, com o auxílio de computador, a forma e o volume do cérebro e dos outros órgãos que compunham o encéfalo do Saturnalia.
“É a primeira vez que partes do cérebro de um dinossauro tão antigo são reconstituídas virtualmente”, conta o paleontólogo Max Cardoso Langer, do Departamento de Biologia da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras (FFCL) da USP em Ribeirão Preto, um dos autores do artigo publicado na Scientific Reports. “Com esse estudo, foi possível ir além na compreensão de hábitos que costumam ser inferidos com base apenas na morfologia dos dentes e de outras partes do esqueleto”, informa o pesquisador, um dos descobridores do dinossauro na década de 1990.
O Saturnalia tupiniquim é um dos primeiros sauropodomorfos de que se tem notícia e a análise de sua dentição já indicava que, diferentemente dos gigantes herbívoros que vieram depois, ele deveria ser onívoro – provavelmente se alimentava de plantas e pequenos animais. A reconstituição da estrutura interna do crânio permitiu estimar a forma e a dimensão do cérebro e dos outros órgãos que constituem o encéfalo, fornecendo evidências adicionais de que os sauropodomorfos mais antigos também deveriam ser predadores.
“Pele, músculos e outros tecidos e órgãos raramente se encontram preservados no registro fóssil e o estudo dessas estruturas se dá por meio de marcas que elas deixam nos ossos ou nas rochas”, explica o paleontólogo Mario Bronzati Filho, que atualmente faz doutorado na Universidade de Munique Ludwig-Maximilians e é o primeiro autor do artigo da Scientific Reports. No caso do cérebro, são estudados os ossos que estão ao seu redor, o neurocrânio. Antes do uso de tomógrafos, a investigação da estrutura interna dos fósseis era bem mais difícil porque era preciso remover a rocha sem danificar os ossos.
O preenchimento virtual do neurocrânio fossilizado indica que o Saturnalia possuía estruturas bastante volumosas, como o flóculo e o paraflóculo, que integram o cerebelo e estão relacionadas ao controle da visão e de movimentos da cabeça e do pescoço do animal. “Estruturas tão desenvolvidas sugerem que ele deveria apresentar um comportamento típico dos predadores, que usam movimentos rápidos de pescoço e cabeça para capturar presas pequenas e esquivas”, diz Bronzati Filho. Para ele, o novo estudo contribui para a compreensão do comportamento dos dinossauros que deram origem aos gigantes herbívoros do passado.
Projeto
A origem e irradiação dos dinossauros no Gondwana (Neotriássico – Eojurássico) (nº 14/03825-3); Modalidade Projet
Artigo científico
BRONZATI, M. et al. Endocast of the Late Triassic (Carnian) dinosaur Saturnalia tupiniquim: implications for the evolution of brain tissue in Sauropodomorpha. Scientific Reports. 20 set. 2017.