Três geneticistas norte-americanos abriram a safra deste ano do Prêmio Nobel por desvendarem o mecanismo por trás do ciclo circadiano, que regula padrões diários de atividade em animais e até plantas. Jeffrey Hall, de 72 anos, Michael Rosbash, de 73, e Michael Young, de 68, compartilham o prêmio de Medicina ou Fisiologia, os dois primeiros por trabalho feito na Universidade Brandeis, em Massachusetts, e o último na Universidade Rockefeller, em Nova York. Ao isolar genes ligados ao ritmo biológico, a partir dos anos 1970, eles foram pioneiros em estabelecer conexões diretas entre DNA e comportamento.
O anúncio quase sempre é uma surpresa, mas a bióloga Maisa Araújo afirma que o prêmio não é inesperado. “Eles trabalham com isso há anos em colaboração estreita e produzem resultados de alta qualidade”, avalia a pesquisadora, que em abril deste ano voltou de um estágio de dois anos em pós-doutorado no laboratório de Rosbash e agora está na Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) em Rondônia. “Todas as semanas o grupo se reúne para discutir dados, ele é muito ativo e está sempre presente para orientar”, conta.
A bióloga foi para a Universidade Brandeis pouco após terminar o doutorado na Universidade Federal de Rondônia, sob orientação do parasitologista Luiz Hildebrando Pereira da Silva (1938-2014). A ideia era aprender a trabalhar com drosófilas, ou moscas-das-frutas, no laboratório norte-americano para depois aplicar aos mosquitos transmissores da malária, os Anopheles. Maisa deu sorte de ter oportunidade de contribuir com algo novo desde a chegada. “A técnica CRISPR-Cas9 tinha acabado de aparecer e comecei a usar para criar moscas mutantes para o gene timeless”, conta. Esse gene foi descoberto em 1994 por Michael Young, que demonstrou que as proteínas produzidas por ele (TIM) trabalham em conjunto com as resultantes do gene period (PER), identificado 10 anos antes pelos dois pesquisadores da Brandeis como relacionado à manutenção do ciclo circadiano. O acúmulo dessas proteínas no núcleo das células acaba inibindo o funcionamento do gene PER, desenvolvendo assim uma regulagem cíclica que cria o ritmo com duração aproximada de um dia.
Até recentemente, a técnica usada para manipular o gene e investigar seu funcionamento era a interferência por RNA, menos precisa e mais onerosa do que a nova CRISPR, que permite cortar partes específicas do DNA. No caso, deletar regiões que controlam o timeless. “Verificamos que essa inativação afeta o funcionamento do PER”, diz a bióloga. Em paralelo com os estudos em drosófilas, na Brandeis ela iniciou – graças a uma parceria com a Universidade Harvard – testes com os mosquitos Anopheles gambiae, um dos vetores da malária, e Aedes aegypti, transmissor da dengue, da zika e da chikungunya. O primeiro é noturno e o segundo, diurno, o que tem importância para as estratégias de contenção das doenças transmitidas por eles. “Queremos descobrir como é o controle gênico desses ritmos distintos”, diz ela.
Para isso, Maisa trouxe na bagagem um aparelho desenvolvido na Brandeis para monitorar a atividade dos insetos por meio de imagens capturadas a cada 10 minutos, que, analisadas como se fosse um filme, geram o padrão de atividade da espécie. O trabalho está em andamento e ela espera concluí-lo na Fiocruz, onde está como pesquisadora de pós-doutorado, desde que consiga financiamento.
A atividade alimentar dos mosquitos transmissores de doença é um exemplo claro de implicações médicas do conhecimento sobre o ciclo circadiano. O equilíbrio nesse sistema também é essencial ao bom funcionamento do organismo, como sabe quem não consegue manter um ritmo regulado de sono e fica mais propenso a uma diversidade de problemas de saúde. Fora da medicina, o Prêmio Nobel reconhece a importância fundamental do ciclo circadiano para a vida de qualquer organismo. Não basta se adaptar às situações; prever o que vai acontecer em seguida é essencial. “Há uma grande vantagem em usar as primeiras horas do dia para caçar ou evitar ser comido”, exemplificou Anna Wedell, chefe da comissão que definiu o prêmio de Medicina ou Fisiologia. “Antes que a atmosfera tivesse a composição atual e a nutrição fosse como é hoje, a Terra já girava sobre seu eixo e o ciclo de claro e escuro afetava o princípio da vida”, disse Rosbash em entrevista publicada no site do Nobel.
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