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Zika

Predisposição genética tornaria bebês mais suscetíveis à infecção por zika

Estudo comparou nove pares de gêmeos brasileiros que nasceram em seis estados, filhos de mulheres expostas ao vírus durante a gestação

HUG-Cell Células derivadas de bebês nascidos com a síndrome congênita de zika e depois infectadas com o vírus (quarta coluna) têm mais vírus (vermelho) do que as oriundas de bebês saudáveis (segunda coluna). A primeira e terceira colunas representam grupos não infectadosHUG-Cell

Um estudo conduzido por pesquisadores brasileiros começa a explicar por que apenas uma parte (de 6% a 12%) das mulheres infectadas pelo vírus zika durante a gestação teve um bebê com microcefalia ou outros problemas neurológicos relacionados à síndrome congênita desencadeada por esse agente infeccioso. As crianças com prejuízo no desenvolvimento do cérebro e outros órgãos do sistema nervoso central provavelmente apresentam uma constituição genética que as torna mais suscetíveis à ação do zika, segundo estudo realizado por pesquisadores de 14 instituições brasileiras e publicado na sexta-feira (02/02) na revista Nature Communications. “Esses são os primeiros indícios de que existe uma predisposição genética que tornaria algumas crianças mais suscetíveis à infecção pelo vírus e aos danos neurológicos por ele causados”, conta a geneticista Mayana Zatz, professora da Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo (IB-USP) e coordenadora do estudo, ao lado da também geneticista Maria Rita Passos-Bueno, da mesma unidade.

Os grupos liderados por Mayana e Maria Rita chegaram a essa conclusão ao comparar as características genéticas de nove pares de gêmeos brasileiros, alguns que permaneceram saudáveis depois de infectados por zika durante a gestação e outros que desenvolveram microcefalia. Estudos realizados com irmãos gêmeos são considerados fundamentais para compreender se uma enfermidade é provocada somente pelas condições ambientais ou se depende de variantes genéticas. Isso vale tanto com os geneticamente idênticos (monozigóticos), gerados pela duplicação do embrião original em seus estágios iniciais de desenvolvimento, quanto com os não idênticos (dizigóticos), que resultam de embriões diferentes e têm composição genética distinta. No caso da síndrome congênita associada ao zika, se as causas fossem exclusivamente ambientais, uma proporção semelhante de gêmeos idênticos e não idênticos apresentaria o problema depois de infectados pelo vírus. Já se a contribuição genética fosse importante, a proporção de crianças com microcefalia deveria ser diferente entre os dois grupos de gêmeos – mais elevada entre os gêmeos idênticos do que entre os não idênticos.

No estudo da Nature Communications, os pesquisadores identificaram nove pares de gêmeos – dois idênticos e sete não idênticos – de seis estados brasileiros que haviam sido expostos à infecção por zika durante a gestação. Os dois pares de gêmeos idênticos nasceram com microcefalia ou alterações neurológicas associadas à zika. Já entre os gêmeos não idênticos, apenas em uma das sete duplas os dois irmãos apresentaram a síndrome. Nas outras seis, uma das crianças era afetada e a outra, saudável.

A divergência, segundo os pesquisadores, sugeria que fatores genéticos poderiam favorecer o desenvolvimento de problemas neurológicos e microcefalia provocados por zika. “Esse dado indicava que a exposição ao vírus não era suficiente para induzir às lesões características da síndrome”, conta Mayana, coordenadora do Centro de Estudos do Genoma Humano e de Células-tronco, um dos Centros de Pesquisa, Inovação de Difusão (Cepid) financiados pela FAPESP. O estudo também contou com apoio do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e da Associação de Assistência à Criança com Deficiência (AACD).

O passo seguinte era tentar descobrir quantos e quais genes poderiam facilitar a ocorrência de danos no sistema nervoso das crianças. Sob a orientação de Mayana e Maria Rita, os biólogos Luiz Carlos de Caires Junior e Uirá Souto Melo e o farmacêutico Ernest Goulart, todos da USP, além do neurocientista Bruno Araujo Torres, do Laboratório Nacional de Biociências (LNBio), em Campinas, coletaram amostras de DNA de  oito pares de gêmeos. De três desses pares em que apenas um dos irmãos era afetado – são os chamados pares discordantes –, eles também obtiveram células sanguíneas que foram reprogramadas para se tornarem pluripotentes, capazes de se transformarem em células de qualquer tecido. Essas células foram, então, estimuladas a se tornarem progenitoras neurais, células imaturas do sistema nervoso central que originam células mais especializadas, como os neurônios.

Ao infectar com o vírus zika as seis linhagens de progenitoras neurais derivadas dos gêmeos (três afetados e três normais), os pesquisadores observaram que o vírus infectava muito mais facilmente as células obtidas dos gêmeos que desenvolveram a síndrome  – o zika também se multiplicava mais e destruía mais células – do que as geradas a partir das células dos bebês saudáveis. “Conseguimos reproduzir em laboratório o que imaginamos que ocorra nos bebês em desenvolvimento”, conta Mayana.

Em parceria com o bioquímico Sergio Verjovski Almeida, pesquisador do Instituto de Química da USP e do Instituto Butantan, o grupo comparou a expressão dos genes nas células das crianças afetadas e não afetadas pela síndrome congênita do zika. De todos os genes ativos, 64 apresentaram grau diferente de atividade – alguns estavam mais e outros menos ativos nas células mais susceptíveis à ação do vírus. Três genes chamaram a atenção: DDIT4L, FOXG1 e LHX2, associados ao desenvolvimento das células neurais e à sua distribuição pelo cérebro, eram muito menos expressos  nas células provenientes das crianças com danos neurológicos e microcefalia do que nas outras. “Esses dados podem ajudar a entender porque algumas crianças são afetadas e outras não”, explica Mayana.

É importante lembrar, no entanto, que o fato de um bebê apresentar fatores genéticos que o tornam mais suscetível à ação do vírus não significa necessariamente que ele desenvolverá microcefalia. O risco de isso ocorrer só se torna maior se, além de ter os fatores genéticos, o feto for infectado durante a gestação. “Se conseguirmos desenvolver uma forma de identificar as pessoas com suscetibilidade genética maior à infecção pelo vírus, talvez seja possível dar a elas um tratamento prioritário quando houver uma vacina segura e eficaz contra o problema”, sugere Mayana.

Projetos
1. Centro de Estudos do Genoma Humano e de Células-tronco (CEGH-CEL) (nº 13/08028-1); Modalidade Centro de Pesquisa, Inovação e Difusão (Cepid); Pesquisadora responsável Mayana Zatz (USP); Investimento R$ 27.290.738,91 (para todo o projeto)
2. Caracterização dos mecanismos de ação de RNAs longos não-codificadores envolvidos nos programas de ativação gênica em células humanas (nº 14/03620-2); Modalidade Projeto Temático; Pesquisador responsável Sergio Verjovski Almeida (USP); Investimento R$ 2. 196.073,39

Artigo científico
CAIRES JUNIOR, L. C. et al. Discordant congenital Zika syndrome twins show differential in vitro viral susceptibility of neural progenitor cells. Nature Communications. v. 9, 475. 2 fev. 2018.

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